Quando parecia que a novela Epic v. Google caminhava para o capítulo final nos tribunais, as duas empresas surpreenderam com uma proposta de acordo que, se validada, mudará o Android de forma estrutural — e não apenas nos Estados Unidos.

Em cima da mesa está um pacote de alterações que baixa taxas, abre a porta a lojas de aplicações concorrentes com verdadeira paridade de funcionalidades e simplifica a instalação fora da Play Store, com garantias até junho de 2032.

O que muda no Google Play: taxas mais baixas e pagamentos realmente alternativos

O ponto mais imediato para developers: uma redução substancial das comissões padrão. A Google propõe um novo modelo com duas fasquias principais para transações digitais:

  • 20% para compras in‑app que concedam uma vantagem de jogo “mais do que mínima” (por exemplo, itens com impacto direto na jogabilidade).
  • 9% para subscrições e compras que não envolvam vantagem competitiva dentro do jogo, bem como vendas de apps.

Epic e Google resolvem processo e mudam destino do Android

Estas percentagens dizem respeito ao “service fee” da Play Store. Se o utilizador optar pelo Google Play Billing, acresce um custo de faturação separado de 5%. Se o developer apresentar alternativas de pagamento dentro da app e o utilizador as escolher, não haverá a taxa de faturação do Google — mantendo-se, porém, o service fee aplicável à transação. É uma separação clara entre a taxa de distribuição (loja) e a taxa de processamento (faturação), algo que a comunidade há muito pedia.

Há um detalhe crítico para planeamento: este novo modelo aplicar-se-á apenas a instalações novas de apps a partir de uma data de corte proposta para outubro de 2025. Em termos de compliance, as equipas de produto e finanças terão de gerir, durante algum tempo, dois regimes de taxa consoante a antiguidade da instalação.

Lojas “Registadas”: instalação em um toque e fim dos “ecrãs de susto”

A proposta cria o programa Registered App Store, a estrear já na próxima grande versão do Android. Lojas de terceiros que se registem junto da Google ganham:

  • Um fluxo de instalação simplificado a partir da web, com uma única janela de confirmação e linguagem neutra.
  • Atribuição automática da permissão necessária para instalar aplicações (sem rondas adicionais de avisos crípticos).

Na prática, esta medida ataca o principal atrito do sideloading: a sensação de risco que afastava utilizadores menos técnicos. Se for aprovada, a experiência de instalar, por exemplo, a loja da Epic ou outra alternativa passará a ser muito mais próxima da conveniência da Play Store.

Âmbito global e horizonte temporal longo

Ao contrário da injunção anterior — limitada aos EUA e com duração de três anos —, o acordo agora proposto tem alcance mundial e vigorará até 30 de junho de 2032. Esta ambição global é crucial: dá escala a novas lojas, aumenta o potencial de competição real com a Play Store e cria previsibilidade suficiente para que estúdios e marketplaces invistam em canais próprios de distribuição.

Mantêm-se restrições à Google que já vinham da decisão judicial: fica proibida a prática de incentivos financeiros a fabricantes, operadoras e developers para garantir exclusividade ou pré-instalação da Play Store; e os developers podem comunicar livremente com os seus clientes sobre preços e métodos de pagamento fora da app e da loja.

Outro ponto sensível: a Google poderá, em teoria, aplicar um service fee quando a compra acontece no site do developer logo após o clique na Play Store (janela de 24 horas). É um mecanismo de atribuição que importa compreender bem para evitar surpresas na margem.

Impacto para jogos e apps: quem ganha mais?

  • Jogos free‑to‑play com itens pagos que afetem a jogabilidade continuarão a ter a taxa mais alta (20%), mas já sem a obrigatoriedade de usar o sistema de faturação da Google.
  • Apps de produtividade, streaming, fitness e educação, em que as subscrições dominam, beneficiam claramente da taxa de 9% — sobretudo se optarem por faturação própria ou por um PSP com melhores condições.
  • Grandes players poderão negociar acordos à parte? Historicamente, a Google celebrou acordos especiais com alguns parceiros. O novo modelo apresenta-se como padrão, mas a prática dirá se a personalização continuará a existir.

Para os utilizadores, o sinal é positivo: mais lojas e métodos de pagamento significam potencial para melhores preços, campanhas diretas e bundles fora da Play Store.

Pressão sobre a concorrência: Apple, consolas e PC na mira

Se as taxas efetivamente caírem e o Android se abrir de forma consistente a lojas concorrentes, o efeito dominó é plausível. Apple, Sony, Microsoft, Nintendo e até a Valve sentirão a pressão competitiva para rever políticas e comissões. O contraste com o ecossistema iOS — onde a abertura a lojas de terceiros ainda é muito controlada e territorial — ficará mais visível, sobretudo se os utilizadores passarem a instalar lojas alternativas no Android em poucos toques e sem fricção.

Questões em aberto que os developers devem seguir de perto

  • Data de corte e migração: como gerir utilizadores com instalações prévias a outubro de 2025 sob o regime antigo?
  • Atribuição de 24 horas: que dados serão partilhados e como garantir transparência de tracking e contabilidade de receitas?
  • UX de “pagamentos lado a lado”: que regras de design se aplicam para apresentar Play Billing e alternativas de forma equitativa? Haverá restrições a mensagens promocionais dentro da app?
  • Registo de lojas: quais os critérios técnicos e de segurança para se qualificar como Registered App Store? Como será feita a auditoria contínua?

Checklist prática para preparar a sua app

  • Rever o modelo de preços e margens com base nas novas taxas (9%/20% + 5% opcional de faturação).
  • Implementar e testar, desde já, um PSP alternativo com SDK robusto, antifraude e suporte a métodos locais.
  • Preparar UI/UX para “pagamentos lado a lado”, com preços diferenciados quando permitido.
  • Definir a política de atribuição web (24 horas) e ajuste funis de “comprar no site”.
  • Para marketplaces/lojas: inicie o processo técnico e legal para o estatuto de Registered App Store.
  • Atualizar termos e comunicações para tirar partido da maior liberdade de contacto com clientes.

Fonte: Theverge