Um dos maiores investigadores mundiais em nanofluidos e engenharia aeroespacial, o imigrante do Bangladesh Sohel Murshed, considera que o cartaz do Chega que visa o seu país não representa a posição do povo português, mas pede ação das autoridades.
Radicado em Lisboa desde 2010 e professor no Instituto Superior Técnico (IST), Sohel Murshed lamenta o crescimento do discurso contra imigrantes, que, apesar de tudo, considera ser minoritário em Portugal
“Não reconheço nesse cartaz o Portugal que sei que existe”, afirmou à Lusa o académico, comentando o cartaz do partido Chega, onde se lê “isto não é o Bangladesh”.
“Não sou fã de políticos. Eles têm o seu trabalho e eu tenho o meu, mas agora parece que há um partido político que quer atacar todos os imigrantes”, afirmou o especialista em engenharia aeroespacial, o curso do IST com as notas de entrada mais elevadas de Portugal.
Com doutoramento em Singapura e formação nos EUA, Sohel Murshed disse compreender que “cada partido tem a sua política, mas (todos) devem ser responsáveis”.
“Se esse partido quer ser governo, tem de perceber as consequências dos seus atos. Quando põem um cartaz contra outro país, isso é irresponsável” do ponto de vista político e “coloca em risco uma comunidade vulnerável”, que pode ser um “alvo fácil” de violência ou discriminação por parte de parte dos cidadãos nacionais.
“Para mim, pessoalmente, o cartaz não é alarmante. Sou professor numa universidade prestigiada, tenho um percurso, não fui eu que quis vir, fui convidado a concorrer a uma vaga aqui. Mas este discurso é perigoso porque ataca toda uma comunidade”, defendeu Sohel Murshed.
E o cartaz “é ainda mais perigoso, porque representa a posição de um partido político”, colocando em causa a própria imagem de Portugal no exterior.
“O Bangladesh tem 180 milhões de pessoas, lá existem mais fãs de Cristiano Ronaldo do que todos os portugueses juntos e este cartaz foi notícia lá. As pessoas não perceberam como é que um país tão bom autoriza um cartaz daqueles”, salientou.
Por isso, defende Sohel Murshed, as autoridades portuguesas devem agir, porque “não fazer nada é ser cúmplice desse discurso contra um país inteiro”.
Quando chegou, vindo de Orlando, Estados Unidos, Sohel Murshed não sentiu qualquer problema: “Éramos poucos e a política era mais liberal”, mas, “com o tempo, o discurso mudou”.
Sohel Murshed recorda que a chegada de muitos compatriotas, a par de outros imigrantes do subcontinente indiano, foi beneficiada por regras mais abertas. “Era mais fácil e entrou muita gente, mas pelos canais autorizados de então”, recordou o investigador.
“Cabe ao governo fazer cumprir a lei e não concordo com imigrantes ilegais, mas não é aceitável atacar e culpar quem chegou nos canais que eram autorizados”, afirmou.
Sohel Murshed tem dois filhos, de nove e dois anos, que nasceram em Portugal, “são portugueses e nem querem ouvir falar em ir para outro país”.
O seu sonho é ter uma casa no Algarve, para “aproveitar o bom tempo e a velhice”, pelo que um regresso ao Bangladesh está no horizonte “apenas para férias e estar com a família”.