No Bloco de Esquerda, Joana Mortágua também reconhece a importância da simplicidade, e da alegria — fator inspiracional — da mensagem. “Aquela vitória é um bom espelho para a esquerda se tentar ver refletida. Não há dúvida de que é uma agenda de reconstrução de esquerda que tem uma nota de esperança, de otimismo, que é mais forte quando se está a desafiar um poder como o de Trump”. Isto porque Mamdani consegue fazer um diálogo com os eleitores sem “criar ressentimento”, conseguindo ao mesmo tempo falar aos “excluídos e vítimas do ódio de Trump”, mas também aos “arrendatários e à classe média”, e colocando “as condições de vida no centro do debate”.

Mais uma vez: e a esquerda portuguesa? “Temos tentado fazê-lo” — o mote de Mariana Mortágua na última convenção bloquista era a defesa de uma “vida boa” para as pessoas comuns — mas “é muito difícil, porque a extrema-direita, com a ajuda do centro-direita, tem estado sempre a puxar o discurso para a agenda identitária“. Mamdani, sendo ele próprio imigrante e tendo tido Trump a ameaçá-lo com uma deportação, conseguiu fugir a uma campanha que rodasse só à volta desses temas; fê-lo tendo uma “linguagem simples que toda a gente percebe, e ter otimismo e alegria”.

“Há ali condições para que ele possa emergir como uma luz e tornar-se uma inspiração para estes setores de esquerda”, garante Mortágua. Até porque “esta alternativa para derrotar a extrema-direita é muito melhor do que a de Joe Biden” — defende, como Pedro Nuno Santos defendia quando já era dirigente do PS, que é preciso que a esquerda apresente uma “alternativa clara” e não que tente moderar-se ou misturar-se com a direita.

Mas, feita as contas, Mamdani é Mamdani e a esquerda portuguesa é a esquerda portuguesa — por isso, “não vale a pena achar que é replicável”, nos mesmos termos, a sua vitória por cá.

E há muito na esquerda, sobretudo na ala centrista do PS (mas também mais à esquerda), quem não acredite nessa transposição. Desde logo, porque Nova Iorque não é os Estados Unidos, muito menos Portugal ou a Europa: é uma cidade de tradição democrata e liberal, com uma alta percentagem de imigrantes (Mamdani fez vídeos de campanha em que falava árabe ou espanhol), e com uma taxa de sindicalização mais alta do que Portugal (20,6% na cidade norte-americana, segundo estatísticas oficiais de janeiro). Enfrentou, além disso, um principal adversário democrata independente com uma série de escândalos às costas — Andrew Cuomo demitiu-se de governador de Nova Iorque há quatro anos, depois de ter sido acusado de assédio sexual por 13 mulheres — e numa campanha que não foi dominada por temas que têm constituído, em Portugal, uma dificuldade para a esquerda, como a imigração.

Por esses e outros motivos, Francisco Assis argumenta que este é um caso “completamente à margem da América e do mundo”, que dificilmente se pode “projetar” para o espaço europeu ou servir para “retirar lições. “É resultado de uma grande polarização nos EUA. Fez uma boa campanha, foi muito mobilizador, isso do ponto de vista da fórmula da atuação”. As mensagens mais simplistas tanto à esquerda como à direita têm mais sucesso e por isso é preciso “reinventar a linguagem sem ceder nos princípios essenciais”, reconhece.

Mas a essência do seu projeto, defende, do “multiculturalismo” passando por propostas como o congelamento de rendas ou uma visão que classifica como “anti-israelita” é que não se pode reproduzir; pensar que sim será um “devaneio de quem está desesperado, tão desesperado que procura qualquer solução mágica”, mas não será com estas propostas que o socialismo democrático “vai retomar o contacto com a população”, antecipa.