Pieter Brughel des Älteren / Wikimedia

Não era bem assim, mas nem por isso este “maqāma” árabe é menos criativo. Os nossos antepassados agiram de forma semelhante à que reagimos à Covid-19.

Uma nova investigação chegou a uma conclusão inusitada: durante séculos, as representações da peste a espalhar-se rapidamente pela Rota da Seda basearam-se numa interpretação errada de um conto poético árabe, e não em registos factuais.

Trata-se de um “maqāma” (uma forma de narrativa árabe que apresenta por norma como personagem principal um trapaceiro errante), foi escrita pelo poeta e historiador Ibn al-Wardi em 1348/9, em Alepo.

No conto, ao longo de 15 anos, um homem dizima uma região após outra, começando por regiões desconhecidas fora da China, passando pela China, Índia, Ásia Central, Pérsia e, finalmente, chegando ao Mar Negro e ao Mediterrâneo para causar estragos no Egito e no Levante.

Mas a ideia de que uma linhagem desta bactéria se deslocou mais de 4.800 quilómetros por terra em poucos anos e se estabeleceu o suficiente para causar a devastadora Peste Negra no Médio Oriente e na Europa entre 1347 e 1350 é seriamente posta em causa neste novo estudo publicado na Journal of Arabic and Islamic Studies.

“Todos os caminhos que levam à descrição factualmente incorreta da propagação da peste convergem para este texto. É como se ele estivesse no centro de uma teia de aranha repleta de mitos sobre como a Peste Negra se espalhou pela região”, disse o investigadro Nahyan Fancy à Earth.

“Toda a disseminação da peste pela Ásia e a sua chegada ao Egito antes da Síria sempre se basearam, e continuam a basear-se, na singular Risāla de Ibn al-Wardī, que não encontra respaldo noutras crónicas contemporâneas nem mesmo nos maqāmas. O texto foi escrito apenas para realçar o facto de que a peste se espalhou e enganou as pessoas. Não deve ser interpretado literalmente”, afirma.

“Estes escritos podem ajudar-nos a compreender como a criatividade pode ter sido uma forma de exercer algum controlo neste momento de mortes em massa, semelhante à forma como as pessoas desenvolveram novas capacidades culinárias ou artísticas durante a pandemia de Covid-19″, explica ainda.

“Os maqāmas podem não nos fornecer informações precisas sobre a forma como a Peste Negra se espalhou, mas os textos são fenomenais porque nos ajudam a compreender como as pessoas da época viviam com esta terrível crise”.


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