Os países ricos perderam o entusiasmo para combater a crise climática, enquanto a China avança rapidamente na produção e utilização de equipamentos de energia limpa, afirmou o presidente das negociações climáticas da ONU.
Mais países deviam seguir o exemplo da China em vez de se queixarem de serem ultrapassados pela concorrência, disse André Corrêa do Lago, o diplomata brasileiro responsável pela conferência COP30, que começa esta segunda-feira.
“De alguma forma, a redução do entusiasmo do norte global está a mostrar que o sul global está a mexer-se”, afirmou Corrêa do Lago aos jornalistas em Belém, cidade da floresta amazónica onde se realiza a conferência COP30, com a duração de duas semanas. “Não é algo recente, já acontece há anos, mas não tinha a visibilidade que tem agora”.André Corrêa do Lago apontou para o maior emissor
mundial de gases com efeito de estufa, a China, que é também o maior
produtor e consumidor de energia de baixo carbono.
“A China está a criar soluções que são para todos, não apenas para a China“, sublinhou. “Os painéis solares são mais baratos, são tão competitivos [em comparação com a energia dos combustíveis fósseis] que estão por todo o lado agora. Se estiver a pensar nas alterações climáticas, isso é bom.”
André Corrêa do Lago acrescenta que, “os países emergentes estão a aparecer nesta COP com um papel diferente. A China está a trazer soluções para todos“, referindo que as tecnologias verdes de baixo custo da China estão a liderar a transição energética mundial.
“Começam a queixar-se que a China está a movimentar o PIB do mundo inteiro”, disse. Mas “isto é ótimo para o clima”.
Para o diplomata brasileiro, o objetivo é não necessitar de uma COP. “Se os países tiverem um desejo incontestável por uma decisão da COP, certamente pensaremos nisso e lidaremos com a situação”.
Entre os países em desenvolvimento, disse André Corrêa do Lago, “há um movimento” para promover soluções e o acesso a tecnologias que possam tornar a agricultura mais eficiente e menos poluente.O que está na agenda
O primeiro ponto da ordem de trabalhos da COP30 será a votação da ordem de trabalhos. André Corrêa do Lago recordou que os países têm debatido há meses sobre o que incluir, um processo que descreveu como uma troca saudável de prioridades.
O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, espera que os países ponderem a elaboração de um plano para abandonar os combustíveis fósseis.
“Como vamos fazer isto? Haverá consenso sobre como vamos fazer isto? Este é um dos grandes mistérios da COP30”, realçou André Corrêa do Lago.
Outros possíveis temas para a agenda incluem decidir como os países reduzirão ainda mais as emissões, uma vez que os seus planos atuais não são suficientes para limitar o aquecimento extremo. Na manhã de segunda-feira, 106 governos tinham apresentado novos planos climáticos.Ministros e altos funcionários de 194 países
procurarão elaborar planos na COP30 para se manterem dentro, ou o mais
próximo possível, do limite de 1,5°C de aquecimento estabelecido no
Acordo de Paris, para definir um roteiro para a eliminação gradual dos
combustíveis fósseis e para garantir que os países pobres recebem a
ajuda de que necessitam.
No topo da agenda estarão os planos nacionais para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, que atualmente levariam a um aquecimento devastador de 2,5°C. Os países vulneráveis querem elaborar um plano que mostre como se pode superar os seus esforços atuais, que são insuficientes, e cumprir as metas do Acordo de Paris.
Ilana Seid, embaixadora de Palau na ONU e porta-voz da Aliança dos Pequenos Estados Insulares (AOSIS), afirmou que definir um caminho global para cortes mais profundos nas emissões seria fundamental. “O progresso até agora tem sido insuficiente e precisamos de uma resposta”, afirmou ao jornal britânico The Guardian. “Caso contrário, não sabemos para onde vamos.”
Os anfitriões brasileiros estão focados na “implementação” – ou seja, em pôr em prática os compromissos já assumidos, como a redução das emissões de gases com efeito de estufa, a triplicação da energia renovável até 2030 e a duplicação da eficiência energética. Mas a AOSIS quer mais do que isso, argumentando que, sem políticas para reduzir as emissões mais rapidamente, a meta de limitar o aquecimento a 1,5°C será perdida.
“A meta de 1,5°C deve ser a nossa estrela guia”, acrescentou a embaixadora de Palau na ONU. “Precisamos de reconhecer que, coletivamente, estamos aquém desta meta e precisamos de uma resposta”.Os países pobres também querem garantias de que
receberão os fundos prometidos para os proteger dos impactos das
alterações climáticas. Um roteiro para a transição global para longe dos
combustíveis fósseis também estará em discussão.
Mas, apesar dos esforços do Brasil ao longo de mais de seis meses para evitar um conflito na abertura da conferência sobre o que deve estar na agenda, é provável que ainda haja divergências acesas sobre o foco da conferência e o que deve ser descartado na segunda-feira.
Segundo Guardian, com o início da conferência, a promessa climática fundamental já está a ser minada. Na COP26, em Glasgow, em 2021, o Reino Unido, os EUA, a UE e outros países assinaram o compromisso global de redução do metano, que exige uma redução de 30 por cento das emissões de metano até 2030. Cerca de 159 países aderiram ao compromissoDos Andes à Amazónia
Os países serão acompanhados por líderes indígenas, que chegaram no domingo à noite de barco depois de percorrerem cerca de três mil quilómetros (1.864 milhas) dos Andes até à costa brasileira.
Foto: Adriano Machado – Reuters
“Queremos mais do que apenas garantir dinheiro ou financiamento“, disse Lucia Ixchiu, uma indígena. K’iche, da Guatemala, que estava entre os cerca de 60 passageiros. “Queremos chegar a um consenso em que os territórios indígenas não sejam mais sacrificados“.
Os líderes indígenas exigem uma maior participação na gestão dos seus
territórios, à medida que as alterações climáticas se intensificam e
indústrias como a mineração, a exploração florestal e a perfuração de
petróleo avançam cada vez mais para o interior das florestas.
“É um sonho e um objetivo, mas sabemos que há muitos interesses em jogo”, disse Lucia Ixchiu à Reuters a bordo do barco, enquanto navegava pela parte brasileira da Amazónia.
Um relatório divulgado na semana passada pela Earth Insight e pela Aliança Global de Comunidades Territoriais afirmou que, no terço da floresta amazónica ocupado por comunidades indígenas ou locais, cerca de 17 por cento destes espaços enfrentam agora a invasão de concessões de petróleo e gás, mineração e exploração madeireira.
Entretanto, mais de 1.690 defensores ambientais foram mortos ou desapareceram entre 2012 e 2024 nos países que partilham a floresta da Amazónia e no Congo, Indonésia, México e América Central, de acordo com a Global Witness. “Nem tudo tem de girar em torno do dinheiro, a Mãe Terra não é um negócio“, frisou a indígena. K’iche, da Guatemala. “Existem outras formas de se relacionar com a biodiversidade e a vida no planeta que as populações indígenas praticam há mais de 12 mil anos.”
Quando Lucia Ixchiu se juntou à expedição, estava agasalhada com casacos e um chullo de lã para se proteger do frio do gelo dos glaciares andinos. Com a chegada do tempo mais quente, vestiu uma blusa leve de mangas curtas em tons de roxo e preto ao desembarcar no meio de uma cena de celebração nas margens de Belém. O grupo ofereceu uma oferenda: velas, cânticos, doces, sementes, folhas de coca e um feto de lhama. Fazia parte de uma cerimónia para pedir permissão e honrar as divindades e a Mãe Terra antes de partirem para a viagem.
Os passageiros da flotilha — que trocaram de barco pelo caminho — celebraram com um banquete e caipirinhas. Licia Ixchiu explicou que optaram por iniciar a viagem nas nascentes dos rios que alimentam o Amazonas para destacar os perigos que os glaciares de montanha enfrentam devido às alterações climáticas e à extração de recursos naturais.
Horas antes do início da cimeira, cientistas de dezenas de universidades e instituições científicas, do Japão à África do Sul e à Grã-Bretanha, fizeram soar o alarme sobre o degelo dos glaciares, das calotas polares e de outras zonas geladas em todo o mundo.A Cordilheira dos Andes é a mais longa do mundo e
alberga mais de 99 por cento dos glaciares tropicais do planeta. Quase
metade da água do rio Amazonas provém dos Andes, que perderam entre 30% e
50% do gelo dos seus glaciares desde a década de 1980, segundo o
Relatório Mundial sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos da ONU
de 2025.
“Queremos garantir que não estão apenas a prometer, que começam a proteger, porque nós, povos indígenas, somos os que sofremos com os impactos das alterações climáticas”, disse Pablo Inuma Flores, um líder indígena do Peru, que lamentou ainda os derrames de petróleo e a mineração ilegal que, segundo ele, ocorrem ao longo do rio Amazonas.
O grupo fez paragens no Peru, na Colômbia e no Brasil para destacar os desafios enfrentados pelas diferentes comunidades amazónicas.
Em Coca, no Equador, realizaram um funeral para os combustíveis fósseis. Em Manaus, no Brasil, realizaram uma exibição de curtas-metragens e workshops para as comunidades. Também promoveram diversos debates políticos e adiaram a viagem periodicamente devido a desafios logísticos e às mudanças nas condições do rio, enquanto observavam os detritos e a poluição.
Embora o grupo tenha trocado de embarcações, chegaram à cidade de Belém num barco de madeira de três andares que apelidaram de Yaku Mama, ou Mãe Água. Apesar das tensões na geopolítica global e do ritmo lento das negociações da COP, Lucia Ixchiu disse que os jovens indígenas com quem viajou durante os 30 dias a deixaram otimista em relação ao futuro.
“Vejo o compromisso que têm com a defesa dos seus territórios”, afirmou à chegada a Belém. “Esta é a COP da Amazónia porque estamos aqui, a exigir e a conquistar os lugares que nos são devidos.”
c/ agências