A “COP da Amazónia”, “COP da floresta”, “COP da implementação”, “COP da verdade”: a 30.ª Conferência da ONU sobre Alterações climáticas, que tem início esta segunda-feira em Belém do Pará, no Brasil, parece que continua à procura de uma identidade, juntando uma série de dossiers e uma agenda que resiste a chamar a atenção global – assegurar que as grandes decisões dos últimos anos são efectivamente cumpridas.

Para Portugal, uma das grandes prioridades é a adaptação do território às alterações climáticas: “Infelizmente, reduzir as emissões já não chega, o dia-a-dia mostra-nos que as consequências estão aí e não sei se conseguimos que elas sejam reversíveis”, diz a ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, em entrevista ao Azul na véspera da COP30, em Belém.

Esta prioridade é clara na escolha da estratégia “Água que une” como tema da abertura do Pavilhão de Portugal na conferência do clima. Esta estratégia, uma das agendas transformadoras do Governo, procura respostas à vulnerabilidade do país face à falta de água, à erosão costeira e a cheias “de Norte a Sul do país”. Projectos como a dessalinizadora de Albufeira ou a tomada de água do Pomarão, assim como as obras nos municípios para reduzir as perdas de água e aumentar a resistência a cheias e tempestades, são obras complexas e visam preparar o país para a escassez de água e os períodos de seca.

Da água ao fogo

No outro extremo da adaptação, a ministra do Ambiente destaca a urgência em lidar com os grandes incêndios, uma das manifestações mais preocupantes dos impactos das alterações climáticas em Portugal e a nível global.

Maria da Graça Carvalho fez questão de distinguir a nova natureza destes eventos climáticos extremos. “Incêndios nós sempre tivemos”, sublinha, mas a diferença actual é “alarmante”: “A novidade, neste momento, é que as dimensões são tais que é muito difícil de serem combatidos.”

A resposta a esta ameaça, considera a ministra, passa não apenas pela acção a nível nacional para também pela cooperação. Na Cimeira de Líderes que precedeu a COP30, Portugal juntou-se a outros 49 países numa aliança para um “esforço conjunto a nível do dos vários países para perceber melhor os mecanismos destes grandes incêndios, as medidas para os evitar e para os saber combater”.

Adaptação, parente pobre de Paris

Maria da Graça Carvalho participou na “pré-COP”, em Outubro, como negociadora no dossier da adaptação. Uma das grandes dificuldades deste dossier a nível internacional, explica, é que “um grande número de países acha que o apoiar a adaptação é dar-nos por vencidos” e que devemos continuar a concentrar na redução das emissões de gases com efeito de estufa.

Na COP30, espera-se que finalmente se chegue a um acordo sobre o Objectivo Global de Adaptação (GGA), que engloba o financiamento necessário para investir na resiliência dos países e um conjunto de “indicadores globalmente aplicáveis” que possam ser usados para medir a evolução dos países nesta matéria.

“A grande dificuldade no tema da adaptação é que não existe um modelo de negócio como existe para a mitigação”, explica Jorge Moreira da Silva, subsecretário-geral das Nações Unidas. O português que dirige a agência da ONU dá apoio técnico aos países, por exemplo, na reconstrução após eventos climáticos extremos explica que a “prevenção de cheias e de fogos florestais, a gestão de risco e o reforço da resiliência das comunidades” é por norma uma “função soberana” – “isto é, normalmente, orçamento de Estado” – e o que coloca um fardo insustentável sobre as nações mais pobres e sobre-endividadas.

“Corrigir a rota”

A análise das metas actuais dos países – as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, na sigla em inglês) – mostra que o mundo não está no caminho certo para cumprir o objectivo do Acordo de Paris de limitar o aumento da temperatura global até ao final do século a 1,5°C acima do período antes da Revolução Industrial.

O mundo “não está na trajectória de Paris”, frisa a ministra Maria da Graça Carvalho, mas sim “perto dos 2,5°C” de aumento de temperatura. “Temos que corrigir a rota.”

O contexto internacional, contudo, tem-se mostrado hostil ao reforço da acção climática, a começar pela retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris e os cortes promovidos por Trump na ajuda ao desenvolvimento, secando uma das principais fontes de ajuda externa.

Mas também a União Europeia tem tido uma resposta periclitante. Foi apenas a 5 de Novembro, na véspera da Cimeira de Líderes que precedeu a COP30, que os ministros do Ambiente da UE conseguiram chegar a acordo sobre a NDC que levariam à conferência do clima: uma redução de emissões entre 66,25% e 72,5%” até 2035.

Apesar de esta margem permitir que alguns países não façam o trabalho de casa, a ministra garante que Portugal vai manter os olhos na meta mais alta, afirmando que os “72,5%, sim, são uma meta interessante”.

Negociações europeias

O debate sobre a NDC europeia esteve durante vários meses “encravado” na discussão da meta para 2040, que implicará uma alteração na Lei Europeia do Clima. Na semana passada, os ministros acordaram com a proposta da Comissão Europeia de reduzir as emissões líquidas de gases com efeito de estufa em 90% até 2040, mas a decisão só passou depois da garantia de que uma parte dessa redução líquida, 5%, poderia ser feita através de créditos internacionais.

A introdução desta flexibilidade significa que, na prática, a União Europeia tem que reduzir as suas emissões internas em apenas 85%. E há ainda a questão da credibilidade destes créditos internacionais.

No passado, desde a vigência do Protocolo de Quioto, foram identificados vários problemas com o chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, que permitia aos países desenvolvidos apoiar projectos de mitigação em países mais pobres. A ministra reconhece este novo sistema terá que ser “muito credível, transparente e íntegro do ponto de vista ambiental” para superar a desconfiança gerada pelas experiências anteriores.

Cooperação

A cooperação internacional e o apoio a países em desenvolvimento é outro dos grandes temas das conferências do clima – e são o terceiro pilar das prioridades de Portugal.

No âmbito da transição justa e do apoio aos países em desenvolvimento, o financiamento é um tema central, especialmente após a COP29 ter estabelecido um Novo Objectivo Colectivo Quantificado (NCQG, na sigla em inglês) de, pelo menos, 300 mil milhões de dólares por ano até 2035.

A estratégia portuguesa nessa matéria tem-se focado no mecanismo de troca de dívida por acção climática, iniciado ainda com o Governo socialista de António Costa, que com a assinatura de acordos com Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. “Acho que é muito mais interessante haver estes projectos reais, do que um sistema só de mercado”, sublinhou Maria da Graça Carvalho.

Portugal já oficializou um projecto em Cabo Verde, de aumento da capacidade da central de Palmeiros, e uma central solar na ilha de Santiago. “. O fundo criado por Cabo Verde para este efeito está aberto a outros países e está em negociação com o Luxemburgo para um esquema semelhante”, explica.

Que resultados?

Maria da Graça Carvalho manifesta confiança de que a Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP30) “não vai falhar”.

O optimismo justifica-se com a “qualidade e pragmatismo” da diplomacia brasileira, que preside à COP30, que descreve como tendo uma “experiência de negociação conhecida” e uma “grande ligação entre Norte, Sul, Este e Oeste”, mobilizando “muitas alianças no mundo”.

Este pragmatismo, acredita, permitirá “arranjar o ponto que é comum para ter um acordo” – mesmo que não se traduza em “grandes decisões”, mas sim em medidas com impacto na vida das pessoas: “que permitam agir já, rapidamente, para as pessoas sentirem agora, e não apenas daqui a 20 anos”.