Anthony Hopkins conta em seu recente livro de memórias, “Até Que Deu Tudo Certo”, que escapou do alcoolismo “como de um celeiro em chamas”. Faz sentido. Nos anos 1960 e 1970, fazia parte do mundo artístico beber até cair. Era sinal de espirituosidade e de uma melancolia que precisava ser afogada —o que supostamente tornava as pessoas mais interessantes. A autodestruição era vista como algo heroico, inconformista.

Hopkins nasceu em Port Royal, cidade no litoral do País de Gales. Aos 15 anos, pediu autógrafo a outro ilustre filho do lugar, o ator Richard Burton. Juntos somam 13 indicações ao Oscar —Hopkins ganhou em duas ocasiões e Burton ficou frustrado por sete vezes, apesar de seu enorme talento.

Além da geografia e da educação shakespeariana, também os une o alcoolismo. Depois de muita confusão na vida, Hopkins conseguiu, aos 38, trocar a bebida por Deus —um tipo diferente de embriaguez. Burton, por sua vez, seguiu convicto pela estrada do inferno. Seu regime chegou a incluir três garrafas de vodca por dia. Morreu aos 58, em 1984 (curiosamente atuou na adaptação de “1984”, de Orwell). “Ele viveu entre o palco e o copo —e fez de ambos um espetáculo”, publicou o Guardian, em seu obituário. Neste dia 10 se comemora seu centenário.

Os resquícios permanentes de jaca nas solas dos sapatos não fizeram com que Burton se considerasse alcoólatra —dizia apenas estar perto disso, uma procrastinação de autodiagnóstico. Era ambíguo em relação aos destilados: ora tratava como algo positivo, ora como um desastre. Costumava encher a cara com amigos como Peter O’Toole, Humphrey Bogart e Elizabeth Taylor, com quem teve uma das histórias de amor mais tórridas e escandalosas de Hollywood.

Numa das brigas do casal dourado, Taylor perseguiu Burton pelos corredores de um hotel com uma garrafa quebrada de vodca. Em outra ocasião, deu-lhe vários golpes com um buquê de rosas. Burton levava um martíni na mão e, dizem, não derramou uma gota sequer. Com tudo isso, era um amor profundo, genuíno, como mostram os diários do ator, publicados postumamente. Muitas das anotações falam também de como ele era prisioneiro da bebida.

Um beco sem saída. “Sou desses que nunca sabem ao certo se estão sóbrios ou não.” Ao mesmo tempo, dizia que “a bebida lubrifica a língua de Shakespeare”, e acrescentava: “eu simplesmente não sou civilizado sem uma bebida”. Nesse equilíbrio precário entre lucidez e fuga da realidade, atuava com uma mão nas costas— tinha certo desprezo pelo cinema, que considerava uma arte menor em comparação ao teatro.

Taylor, a eterna Cleópatra, e Burton, sempre lembrado como Marco Antônio, só resolviam as escaramuças faraônicas —quando resolviam— entre lençóis. Teriam, inclusive, criado um coquetel para os momentos de reconciliação: o B & T, com vodca, suco de laranja e grenadine (uma tequila sunrise sem tequila).

O grande poeta Dylan Thomas era outro galês de fígado trágico. Companheiro de Burton em carraspanas noites afora, também sucumbiu cedo aos excessos. Num raciocínio transfigurado pelo uísque, Burton se culpava por sua morte. Ambos seguiam o princípio de transformar as palavras em sensações físicas, viam a linguagem como algo corpóreo. Para eles, o som vinha antes do sentido, exatamente como num brinde.

Colunas

B & T (Burton & Taylor)

  • 50 ml de vodca
  • 90 ml de suco de laranja
  • 15 ml de grenadine

Monte direto num copo old fashioned com gelo e mexa suavemente.


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