Portugal está preparado para “ser um hub global para a inovação”, declarou o ministro da Reforma do Estado na cerimónia de abertura da Web Summit, que arrancou esta segunda-feira em Lisboa.

Coube a Gonçalo Matias substituir o primeiro-ministro português na abertura da cimeira de tecnologia e startups, já que Luís Montenegro está por estes dias na Colômbia para participar na cimeira que junta a União Europeia e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC). Dizendo-se “honrado” por estar a representar Montenegro, Matias afirmou perante uma plateia de empreendedores globais que o país está “comprometido em criar um Estado mais simples, mais digital e de maior confiança”, ao mesmo tempo em que se posiciona como “um hub global para a inovação”.

Segundo o governante, conceitos como a “inteligência artificial [IA], dados e a transformação digital” estão a “redefinir a nossa economia, a nossa administração e até a própria ideia de governação”. Dando como exemplo a pasta que tutela, o ministro recorreu a ideias que têm marcado muitas das suas intervenções nas últimas semanas, como a defesa de “um Estado que é ágil, transparente e inteligente, que transforma informação em ações e desafios em oportunidades”.

“O nosso objetivo é claro: fazer de Portugal um hub global para a inovação. Acreditamos que a tecnologia deve dar poder aos cidadãos, fortalecer a democracia e criar oportunidades para todos. Estamos determinados em acelerar a nossa economia — não através de medidas de curto prazo, mas através de uma transformação duradoura”, declarou.

Só que, do ponto de vista do governante, o país “não pode esperar pelo crescimento — deve construi-lo”. A revolução digital oferece “uma oportunidade histórica para criar novas indústrias, novos empregos e nova prosperidade.”

Uma dessas oportunidades reside na IA. Há já largos meses que o Governo fala na Agenda Nacional de IA, um conjunto de medidas para fomentar o uso desta tecnologia. Mas, no palco da Web Summit, Gonçalo Matias referiu apenas que a agenda “é esperada nas próximas semanas”, dizendo que “vai ligar tecnologia, economia e soberania, colocando Portugal como um hub para a IA responsável e inovação”.

O ministro sublinhou que “a IA já não é o futuro, já está a redefinir o mundo”, mencionando um impacto económico estimado de 2,3 biliões de euros até 2030. “A IA é o motor da nossa economia.”

Para tornar a visão da IA como motor “real”, declarou, o Governo está a desenvolver a infraestrutura digital. Na semana passada, na audição no parlamento no âmbito da proposta do Orçamento do Estado para 2026, o ministro anunciou que está a ser preparada uma Estratégia Nacional para os Data Centers. Na Web Summit, não avançou detalhes, deixando apenas no ar que esta área “irá trazer dezenas de milhares de milhões de euros em investimento”.

Também a candidatura portuguesa a uma gigafábrica de IA foi incluída na intervenção. O Banco Português de Fomento lidera a candidatura, que prevê um investimento de quatro mil milhões de euros. “O nosso Governo está ativamente a apoiar a candidatura à gigafábrica de IA com a Comissão Europeia, unindo as empresas nacionais e internacionais para dar forma ao futuro da IA da Europa e indústria avançada”. Foi mais uma oportunidade para Gonçalo Matias defender que “Portugal oferece uma posição estratégica verdadeiramente excecional”.

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Num piscar de olho a quem tenha interesse em investir no país, prometeu que “o Governo irá disponibilizar um ambiente regulatório estável, amigável para o investimento e apoiar um forte compromisso com a transformação digital e a IA como pilares de crescimento”.

Nas palavras do ministro, Portugal “está pronto para ser um hub de IA de excelência: competitivo no custo, elevado no impacto e global na ambição”, acrescentando que o país “tem todas as condições para se tornar um líder mundial na IA”. Referiu como pontos de atração do país os cabos submarinos que asseguram a conectividade ou o “ecossistema profissional altamente qualificado, desenvolvido através de parcerias com unidades de classe mundial e hubs de inovação”.

A décima edição da Web Summit arranca esta segunda-feira e decorre até esta quinta-feira, 13 de novembro, no Parque das Nações, em Lisboa.

Coube ao mestre de cerimónias do costume, Paddy Cosgrave, abrir a cimeira tecnológica que criou em 2009 na Irlanda. O fundador da Web Summit subiu ao palco às 18h10, com uma camisola de malha com a palavra “Press” (imprensa) bordada, e com a lotação do Meo Arena esgotada.

Num discurso com pouco mais de 5 minutos, Cosgrave arrancou com uma referência à Revolut, que começou “pequenina”, com um stand na Web Summit na Irlanda, e hoje é uma das maiores empresas do mundo na área dos pagamentos digitais e a maior tecnológica com origem europeia (fundada no Reino Unido e com origem lituana). “Não tenho duvidas de que há outra Revolut na Web Summit, talvez várias. Duas ou três pessoas com um pequeno stand e grandes ideias”, incitou.

Paddy Cosgrave enveredou, depois, num tom mais pessimista para a Europa e sobre os tempos difíceis que o velho continente atravessa. “Há dez anos já parecia que o mundo estava a avançar depressa. Mas não se compara ao quão rápido o mundo está a avançar hoje”, declarou.

Destacou o poder da China na Inteligência Artificial, e da presença que o país conquistou na Web Summit. “Nos próximos dias vão conhecer os robots humanóides mais avançados do mundo. Não são europeus, não são norte-americanos, são chineses. Também vão ouvir sobre os modelos de IA mais avançados do mundo. Não são americanos. Desde as últimas semanas que são quase todos chineses”. E ao contrário dos americanos, como os da OpenAI ou da Anthropic, exemplificou Cosgrave, os modelos chineses são gratuitos e de código aberto, “e vão ganhar a corrida da IA”, como disse há dias o CEO da Nvidia. “Isto era inimaginável há 12 meses”.

Paddy Cosgrave deu ainda o exemplo de uma tecnológica “revolucionária” que está a ameaçar os monopólios dos pagamentos, e que também não é dos EUA nem vem dos bancos centrais da Europa: é a brasileira Pix, que até se tornou “num alvo” de Donald Trump. E tal como os modelos de IA chineses, “é completamente gratuito. Como é que se compete com pagamentos ou transações grátis online?”, afirmou, garantindo que todos os participantes vão conhecer a plataforma ao longo da semana.

“A Web Summit costumava ser definida como uma competição entre as tecnológicas ocidentais e as startups. Este ano, mais do que em nenhum outro, é claro que a era do domínio tecnológico do ocidente está a terminar”, sublinhou, dando como exemplo a Alemanha, cujo número de startups na Web Summit diminuiu este ano, “infelizmente”.

E deu ainda outro exemplo de como mesmo no ocidente a paisagem está a mudar e o “centro de gravidade” está a alterar-se: a Polónia está a bater recordes no número de startups. “Eu diria que a Polónia se está a tornar-se num emblema da nova Europa: motivada, ambiciosa, organizada. E à medida que partes da Europa ocidental estagnam, a Polónia e a Europa oriental aceleram. O mundo está a mudar, e espero que nos próximos dias aprendam muitos com aqueles que estão a liderar a mudança”, da China, ao Brasil e à Polónia. “Acho que nunca vivemos num momento mais entusiasmante”, concluiu, antes de declarar que “o espetáculo” vai começar.