“Não foi muito fácil procurar 69 pessoas entre as 280 mil” que vivem nas favelas onde decorreu a operação, justifica a polícia, que adianta que estão previstas operações semelhantes nos próximos meses, no Rio de Janeiro
A megaoperação operacional mais mortífera do Brasil foi classificada pelas autoridades do Rio de Janeiro como um “sucesso”, mas falhou no seu principal objetivo: cumprir 100 mandados de capturas contra membros e líderes do Comando Vermelho.
De acordo com a agência Reuters, que teve acesso ao relatório completo da polícia do Rio de Janeiro partilhado com o Supremo Tribunal Federal, nenhuma das 117 pessoas mortas pela polícia naquele dia (excluindo quatro polícias e dois adolescentes), estava entre os 69 suspeitos citados pelos procuradores na denúncia que serviu de base para a operação.
No âmbito da megaoperação, conhecida como Operação Contenção, a polícia deteve 99 pessoas, das quais apenas cinco eram citadas na denúncia criminal, sendo que nenhuma delas estava na liderança do Comando Vermelho, um dos mais antigos grupos criminosos brasileiros.
O principal líder do Comando Vermelho, Edgar Alves de Andrade, continua a monte. O traficante, conhecido como “Doca da Penha”, domina uma região composta por 13 favelas, e é investigado por 329 crimes, dos quais 112 são homicídios. Sobre ele recaem ainda suspeitas de tráfico de droga, organização criminosa, tortura, extorsão, corrupção de menores e ocultação de cadáver. Edgar Alves de Andrade foi capaz de escapar do Complexo da Penha escoltado por um grupo de 70 criminosos.
O secretário da Segurança Pública do Rio de Janeiro, Victor dos Santos, confirmou à Reuters que o objetivo da operação era apanhar os líderes do Comando Vermelho. Todavia, acrescentou o secretário, “não foi muito fácil procurar 69 pessoas entre as 280 mil” que vivem nas favelas onde decorreu a operação – o Complexo do Alemão e o Complexo da Penha, na região norte da cidade.
Entre os 117 mortos, 19 não tinham antecedentes criminais. Ainda assim, Victor dos Santos garante que todos eles eram criminosos. O secretário da Segurança Pública do Rio de Janeiro argumenta que o número de mortos e detidos nesta operação mostra que “a situação é muito pior” do que a investigação preliminar das autoridades apontava. Victor dos Santos adianta que estão previstas outras operações nas favelas do Rio de Janeiro nos próximos meses.
Mesmo com estas garantias por parte das autoridades, os familiares das vítimas e várias organizações de defesa dos direitos humanos criticam os moldes da operação, acusando a polícia de matar pessoas indiscriminadamente.
“A polícia detém-nos, executa-os e está tudo bem, porque sabem que aqui não existe leis”, lamenta à Reuters Samuel Peçanha, cujo filho, Michael, de apenas 14 anos, foi morto durante a operação policial. “No Brasil isto é normal.”
O pai de Michael confirma à agência de notícias que o filho fazia parte do Comando Vermelho, mas admite que ainda tinha esperanças de o convencer a seguir outro rumo. “Ele ainda era uma criança”, chora. “Infelizmente, não consegui tirá-lo de lá.”