
Pessoas que tomaram melatonina durante pelo menos um ano foram três vezes mais propensas a serem hospitalizadas por insuficiência cardíaca. Mas a correlação entre as duas coisas não é tão linear como parece.
Um estudo apresentado nas reuniões científicas da American Heart Association levantou preocupações sobre a melatonina, um dos auxiliares de sono mais prescritos no Reino Unido.
As conclusões sugerem que os utilizadores de longo prazo enfrentam um risco acrescido de insuficiência cardíaca. No entanto, os dados preliminares exigem uma análise cuidadosa antes de soar o alarme.
A melatonina é prescrita no Reino Unido há quase duas décadas, com 2,5 milhões de prescrições emitidas só em Inglaterra no ano passado. O medicamento é uma versão sintética da hormona naturalmente produzida pelo cérebro — a chamada “hormona da escuridão”, responsável por regular o nosso ciclo de sono e vigília.
Durante anos, tem sido considerada segura para o tratamento de problemas de sono de curta duração em adultos e, sob supervisão especializada, em crianças com deficiências cognitivas ou TDAH.
O estudo, publicado apenas como um resumo breve, analisou registos eletrónicos de saúde de cerca de 130.000 adultos com dificuldades de sono ao longo de cinco anos – metade dos quais tomava melatonina e a outra metade não.
As pessoas que tomaram melatonina durante pelo menos um ano foram três vezes mais propensas a serem hospitalizadas por insuficiência cardíaca do que as que não a tomaram (19% dos utilizadores versus 6,6% dos não utilizadores). Os utilizadores de longo prazo também apresentaram taxas mais elevadas de diagnóstico de insuficiência cardíaca e de mortalidade por qualquer causa.
Os investigadores tentaram equilibrar a comparação ao fazer corresponder utilizadores e não utilizadores em 40 fatores diferentes, incluindo idade, condições de saúde e medicação. Ainda assim, o estudo revelou apenas uma associação, não uma relação de causa e efeito — e esta distinção é crucial. A correlação não prova que a melatonina tenha causado insuficiência cardíaca.
O diabo está nos detalhes
Como sempre, os detalhes em falta são decisivos. Até agora, existe apenas um resumo de 300 palavras do estudo, o que significa que informações essenciais – como dosagem de melatonina, gravidade da insónia e fatores de estilo de vida – não foram divulgadas.
A metodologia do estudo levanta algumas dúvidas. Baseou-se em registos médicos eletrónicos, e não em acompanhamento direto de pacientes ou entrevistas, o que pode deixar lacunas nos dados. A investigação recorreu à TriNetX Global Research Network, uma vasta base de dados internacional. No entanto, as práticas médicas e os registos clínicos variam significativamente entre hospitais e países, podendo distorcer os resultados.
No Reino Unido, a melatonina é um medicamento sujeito a receita médica para condições específicas. Já nos Estados Unidos é vendida sem prescrição, e essas compras raramente são registadas nos históricos médicos. Isso significa que algumas pessoas classificadas como “não utilizadores” podem, na verdade, estar a tomar melatonina, o que complica a comparação.
A peça em falta do puzzle
Mesmo assumindo que ambos os grupos foram corretamente identificados e emparelhados, permanece uma questão essencial: porque é que um grupo recebeu melatonina e o outro não.
Talvez as pessoas a quem foi prescrita sofressem de problemas de sono mais graves ou perturbadores – sintomas que podem refletir problemas de saúde subjacentes, incluindo doenças cardíacas. Nesse caso, a melatonina pode ser apenas um marcador de risco existente, e não a causa dele.
Curiosamente, estudos anteriores em doentes com insuficiência cardíaca sugeriram que a melatonina pode até proteger a saúde cardíaca, melhorando o bem-estar psicológico e a função do coração. Outras investigações indicaram que pode aliviar sintomas em pessoas com insuficiência cardíaca e servir como terapia complementar segura.
Como o estudo existe apenas em forma deabstract ainda não foi revisto por pares, e as informações sobre os métodos e resultados permanecem limitadas. Embora as conclusões sejam relevantes e levantem questões legítimas sobre os riscos a longo prazo do uso deste suplemento, estão longe de ser conclusivas. São necessários mais estudos para determinar se o uso prolongado de melatonina afeta a saúde cardíaca — e, em caso afirmativo, de que forma.
O equilíbrio clínico
Um mau sono não afeta apenas o coração; está também associado a problemas metabólicos, de saúde mental e do sistema imunitário, entre outros.
Normalmente, os médicos começam por alterações no estilo de vida, melhoria dos hábitos de sono e terapia cognitivo-comportamental. Mas quando estas medidas não resultam, a medicação de curto prazo pode ser necessária para restaurar padrões de sono saudáveis e evitar complicações adicionais.
A história da melatonina ainda não terminou — está apenas a começar.
Até surgirem provas mais completas, entrar em pânico seria prematuro.