Testar um automóvel eléctrico no conforto de um percurso citadino ou numa auto-estrada bem alcatroada é uma coisa. Lançá-lo no terreno agreste da competição, em condições particularmente difíceis, é outra totalmente diferente. Foi precisamente esse o baptismo de fogo que demos ao novo Peugeot E-408: levámo-lo connosco para as duas últimas e exigentes provas do Campeonato de Portugal de Novas Energias – PRIO, primeiro no Madeira Eco Rally e depois no Fafe Eco Rally. O objectivo não era, evidentemente, ganhar o campeonato, mas sim levar o mais recente leão eléctrico ao limite, em estradas que testam a suspensão, o chassis, a eficiência e a paciência de quem vai ao volante. O resultado, podemos adiantar, foi surpreendente.

O leão que trocou a selva pelo asfalto… e pela lama

À primeira vista, o Peugeot E-408 é um exercício de estilo. Não é uma berlina tradicional, não é um SUV. É um fastback, uma silhueta elegante que procura combinar o melhor de vários mundos. Contudo, o que rapidamente descobrimos, e que se revelou uma bênção, foi a altura ao solo. O E-408 senta-se mais alto que um carro convencional, sendo até mais alto que muitos SUV convencionais, o que fez uma diferença abismal em alguns troços mais degradados na Madeira. Mas foi em Fafe que esta característica brilhou. O lendário troço Fafe-Lameirinha — sim, o do salto —, que enfrentámos com alguma lama à mistura, teria sido um pesadelo para um carro de baixa altura. O E-408 portou-se, contudo, com uma dignidade inesperada, parecendo muito mais robusto do que a carroçaria elegante faria supor. É a prova de que o design e a funcionalidade podem, de facto, andar de mãos dadas.

A prova dos 400 (e 500) quilómetros

Uma das grandes ansiedades da mobilidade eléctrica continua a ser a autonomia, especialmente em viagens longas. O E-408 vem equipado com uma bateria de 58,2 kWh de capacidade útil e um novo motor de 207cv que, em teoria, promete eficiência. Mas a teoria, como sabemos, vale pouco. O que conta são os factos. E os factos são estes: nos nossos testes, medimos uma autonomia real de 400 quilómetros em circuito misto. Se a utilização for puramente citadina, esse valor dispara para uns impressionantes 510 quilómetros. Mas o teste de fogo foi a auto-estrada, o calcanhar de Aquiles de tantos eléctricos com bateria limitada. Aqui, o E-408 conseguiu 320 quilómetros reais, um número sólido e que demonstra um baixo consumo a alta velocidade. Não são valores impressionantes para os tempos que correm, mas são acima do antecipávamos considerando a capacidade da bateria e a dimensão do carro. Parece-nos que a Peugeot fez bem em “conter” a bateria, ganhando assim eficiência e preço. De qualquer modo, é provável que esta contenção seja mais uma consequência da utilização de uma plataforma partilhada com veículos a combustão, que, naturalmente, tem as suas (más) consequências.




O i-Cockpit está virado para o condutor, com todos os comandos facilmente acessíveis. Mas há quem não goste do posicionamento do painel de instrumentos acima do volante
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A viagem de Lisboa para Fafe, uma distância de quase 400 quilómetros, serve de exemplo prático. Poderíamos tê-la feito sem uma única paragem, a julgar pelos consumos que estávamos a registar, graças a um andamento contido (à volta dos 100 km/h) e pela autonomia restante. A única razão para uma pausa foi puramente humana: o “piloto” e a “navegadora” precisavam de jantar. Aproveitámos a estação de serviço de Antuã para um carregamento rápido de apenas 15 minutos, que, com o carro a 33% de bateria, nos permitiu recuperar cerca de 140 quilómetros de autonomia. Ainda sobre o carregamento, os números não são líderes de segmento: a potência máxima suportada em carregamento rápido é de 120 kW, com uma média nos nossos testes a rondar os 70 kW. Não é supersónico, mas como demonstrado, é rápido q.b. para as viagens longas ocasionais.




Mesmo em curvas relativamente apertadas e rápidas a carroçaria mantém a compostura
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Comportamento de atleta

Participar em ralis de regularidade, mesmo sendo de “novas energias”, expõe o comportamento dinâmico de um carro. O Madeira Eco Rally, que pontua também para o campeonato mundial, e o de Fafe apresentaram troços bastante rápidos, onde foi necessário fazer o carro escorregar em curva. Nesses palcos, o E-408 revelou-se surpreendentemente competitivo, mesmo ombreando com viaturas bem mais potentes e, claro está, com equipas com pilotos muito mais experientes do que este jornalista. O comportamento do chassis é previsível. É fácil identificar os limites do carro, e notámos, com agrado, uma maior tendência para a sobreviragem (a traseira a querer rodar) do que para a subviragem (a frente a alargar a trajectória), o que o torna mais ágil e divertido de conduzir no limite. Voltando ao troço de Fafe-Lameirinha, podemos garantir que nos divertimos muito, com a frente do carro a “tocar” no interior das curvas mais apertadas e a traseira a escorregar para manter o carro alinhado. Um bom exemplo do equilíbrio do conjunto, que, para nossa surpresa, até nos permitiu vencer a primeira passagem da special stage.




Na Madeira, o E-408 demonstrou um nível de conforto elevado, mesmo em estradas secundárias degradadas
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A componente desportiva do E-408 é reforçada pelas patilhas ao volante para controlo da regeneração. São uma mais-valia porque permitem uma mudança rápida entre maior regeneração, e consequente maior travagem com o motor, e menor regeneração para deixar o carro deslizar. O que permite melhorar a eficiência e o comportamento de acordo com o tipo de estrada. Mas gostaríamos que o modo de maior regeneração fosse ainda mais agressivo, levando a uma maior desaceleração sem ser necessário tocar no pedal de travão.

Ainda no que diz respeito ao comportamento, não podemos deixar de mencionar a suspensão. É longa, mas, talvez porque o carro é mais baixo do que é habitual nos SUV, não sentimos a carroçaria a adornar. De outro modo, eram as rodas que baixavam para compensar as irregularidades da estrada e não o carro que subia. Resultado: fizemos dois ralis e acabámos “frescos”, sem sentir aquele desgaste físico habitual nestas provas. De outro modo, a razão entre conforto e dinâmica pareceu-nos especialmente bem conseguida.




Em Fafe, num troço de terra batida e alguma lama, o E-408 mostrou todas as vantagens da elevada altura ao solo e da suspensão 2alongada”
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O polarizante i-Cockpit

Se por fora o E-408 é consensual, por dentro alberga o ponto mais polémico da Peugeot: o i-Cockpit. A posição de condução, com um volante muito pequeno e baixo, e um painel de instrumentos visto por cima do aro, não agrada a todos. Verificámos que, para algumas pessoas, é difícil ou mesmo impossível encontrar um acerto que permita uma boa posição ao volante e, simultaneamente, uma visibilidade clara dos instrumentos. Não foi o meu caso. Aprecio a posição que o pequeno volante permite, com um agarrar natural e confortável com as mãos na posição “um quarto para as três”. Nessa posição, todos os comandos, incluindo o ecrã táctil central, estão facilmente acessíveis, até porque o habitáculo está claramente orientado para o condutor. Os bancos mostraram-se muito confortáveis, mesmo após horas de condução em tensão, e com um suporte lateral adequado, que fez muita diferença nos troços de rali. Quanto ao sistema de infoentretenimento, tem um óptimo aspecto gráfico, mas é algo lento a responder e a interface exige alguma habituação. Felizmente, a Peugeot incluiu botões de atalho físicos, alguns deles programáveis, o que mitiga a dependência do ecrã táctil. E, claro, o suporte para Apple CarPlay e Android Auto (sem fios) faz com que se possa ter acesso a um grande número de apps. Mas a Peugeot tem aqui espaço para melhorar. E até já começou com a oferta dos serviços conectados, incluindo a app de acesso remoto, durante dez anos em todos os eléctricos da marca.

Espaço não falta, mas falta o “frunk”

A vida a bordo é desafogada. Há muito espaço, tanto à frente como atrás, e a mala é generosa, incluindo os já habituais espaços de arrumação debaixo da base, perfeitos para objectos mais pequenos. No entanto, a Peugeot continua a desperdiçar uma oportunidade de ouro nos seus eléctricos. Ainda não é desta que a marca aproveitou o espaço livre debaixo do capot dianteiro para criar um “frunk”, um pequeno compartimento de carga frontal. Seria o local ideal para arrumar os cabos de carregamento, que assim acabam por ocupar espaço na mala principal — e, se estiverem arrumados por baixo do fundo, pode ser difícil aceder aos cabos quando a mala está carregada.

Veredicto

O Peugeot E-408 foi uma das boas surpresas deste ano. Ao submetê-lo às condições extremas dos ralis de regularidade na Madeira e em Fafe, descobrimos um automóvel que é muito mais do que uma cara bonita. É robusto, eficiente, espaçoso, confortável e tem um comportamento dinâmico que o torna genuinamente agradável de conduzir.

Quem deve evitar o E-408? Quem não conseguir, de todo, adaptar-se à posição de condução do i-Cockpit. Recomendamos vivamente um test drive para validar este ponto. Também não é a escolha certa para quem procura grande autonomia e os carregamentos mais rápidos do mercado. O E-408 cumpre, mas não é um líder nessa matéria.

Quem deve comprar este carro? Famílias que procuram um eléctrico com uma identidade visual forte, que não querem um SUV tradicional, mas valorizam o espaço e a altura ao solo. É ideal para quem faz muita cidade e estrada nacional, capaz de viver bem com uma autonomia real de 400 quilómetros, mas sem receio de fazer viagens longas ocasionais.


Motor

157 kW de potência (207cv) e 345 Nm de binário

Bateria

61 kWh totais, 58,3 kWh úteis, 400 volts, química NCM

Carregamento 

AC 11 kW (0-100% em 6h15), DC até 120 kW (37 min. e 70 kW de média entre 10-80%)

Autonomia

WLTP (combinado): 455 km

Teste: 320 km (auto-estrada) a 510 km (cidade) 

Prestações

0-100 km/h: 7,2 segundos

Dimensões

4,687×2,062×1,478m (CxLxA), 1879 kg

Mala: 471 litros (expansível para 1545l)

Preço

Desde 39.195€