Um país que há quinze anos estava “doente” e que hoje apresenta um excedente orçamental e previsões de crescimento pode ser considerado um “milagre”. Foi assim que o moderador alemão da conversa com Miranda Sarmento na Web Summit apresentou Portugal. “Estou a perguntar em nome de outro país”, brincou. Para o ministro das Finanças a resposta foi óbvia: “A lição dos últimos 15 anos é que as reformas estruturais compensam”.
Miranda Sarmento lembrou, perante uma plateia cheia na “Government Summit”, o palco da Web Summit dedicado a temas mais políticos, que há 15 anos Portugal estava “numa posição difícil”, enfrentava uma recessão, um défice elevado e altos níveis de desemprego. “O que fizemos nesses anos difíceis foi apostar em reformas estruturais no trabalho, na produtividade, na administração pública. Virámos a nossa economia para áreas com mais valor, como a tecnologia, investimos muito em renováveis, também apostámos no turismo, não só em trazer mais turistas mas turistas que estão a pagar mais pelos nossos serviços”, sublinhou.
Apesar disso, Portugal ainda tem “um caminho longo pela frente”, na visão de Miranda Sarmento. “Governar é como andar de bicicleta, não se pode parar”. Para o ministro das Finanças, o que está a acontecer é uma “mudança estrutural para uma economia mais inovadora, mais produtiva”. E em pleno processo de apreciação do Orçamento do Estado na especialidade, em que ainda é possível aos partidos introduzirem as suas propostas no documento, destacou a mensagem que não se tem cansado de repetir nas últimas semanas: “É importante manter o excedente“.
“Temos de continuar a reduzir a dívida pública e manter o excedente”. Além disso, “temos dois desafios principais nos próximos anos”, enumerou. Por um lado, resolver a falta de “capital humano”. “Temos de continuar a atrair pessoas, não só pessoas com qualificações elevadas mas também para a indústria, o turismo e a agricultura. Temos de atrair pessoas para trabalhar em todos os setores”.
O segundo desafio é “reduzir a burocracia”. Portugal tem investimentos privados em pipeline para os próximos anos que representam mais de 20% do PIB, revelou o ministro das Finanças, em áreas como tecnologia, energia e serviços. “Há muitas multinacionais que estão a mudar-se para Portugal e a instalar os seus centros de serviços aqui, mas temos de reduzir a burocracia”.
Com estes dois desafios superados, e sem “novas tensões políticas e sociais”, a produtividade pode dar um salto e “em vez de termos uma economia a crescer 2%, o que não é mau, podemos chegar aos 3%, no mínimo, que é o que uma economia como a portuguesa, com o seu nível de desenvolvimento, deveria estar a crescer”.
Questionado sobre o impacto dos “fatores externos”, como os conflitos internacionais e as tarifas, Miranda Sarmento acredita que, por um lado, “a incerteza passou” depois do acordo entre a União Europeia e os EUA. E que isso foi visível nas exportações a partir de setembro. “O primeiro semestre não foi muito bom por causa da incerteza. Mas o facto de termos chegado a um acordo, que não foi um acordo muito bom, porque as tarifas prejudicam os consumidores com rendimentos mais baixos, mas foi importante, fez com que os números das exportações estejam a subir desde setembro”.
A questão dos conflitos é “mais preocupante”, para Miranda Sarmento. “A Europa tem de se rearmar”, defende o ministro das Finanças, que acha errado o “foco” nos números, ou seja, no objetivo europeu de aumentar para 3,5% do PIB o investimento em defesa em 10 anos. “O que precisamos é de perceber quem são os nossos amigos e inimigos. Qual é o nível de segurança e defesa que precisamos, qual o nível que temos e como é que vamos preencher essa diferença”, e não “gastar por gastar” e “atirar dinheiro para cima dos problemas”.
Essa resposta deve ser “coordenada” entre os países da UE, que têm uma “enorme oportunidade” para fazer crescer o papel da moeda única. “A Europa deve continuar a emitir dívida pública em euros para continuar a financiar a defesa e as infraestruturas críticas”, assim como a transição verde. “Isso vai trazer enormes benefícios para a sociedade no geral e para as condições de financiamento das pessoas”, defende Miranda Sarmento.
O ministro sublinhou ainda que “por razões óbvias” um país como Portugal deve investir na Marinha e na Força Aérea.
Miranda Sarmento rejeita que os EUA sejam “o inimigo” (“salvou a Europa em duas guerras”), e acredita que “ainda tem o papel principal em termos de liderança global”. “Sempre foram amigos e concorrentes, faz parte da nossa sociedade capitalista, acho que temos de fortalecer essa parceria e mostrar aos EUA que a Europa ainda é o maior mercado do mundo”.
Sobre a “escala e velocidade” de implementação de tecnologias como a IA na Europa, (e depois de o fundador da Web Summit ter admitido na abertura da cimeira que a Europa está a ficar para trás), Miranda Sarmento admitiu que “nenhum país vai conseguir competir com os EUA ou a China”, e que por isso a UE tem de ter uma “abordagem comum” sobre onde investir e como financiar estas tecnologias. O mais “difícil” será mesmo a rapidez, sublinha, porque “as instituições europeias têm um prazo para tomar decisões que às vezes é superior ao que seria eficaz e esperado”. Ainda assim, o ministro vê a Comissão Europeia a assumir um “grande compromisso” para reduzir a burocracia e a regulação.