Assine a revista National Geographic agora por apenas 1€ por mês.

Há muito que se sabe que o consumo excessivo de álcool aumenta a pressão arterial e danifica o fígado. Mas novas investigações sugerem que ele também pode causar danos devastadores ao cérebro, provocando acidentes vasculares cerebrais hemorrágicos com risco de vida.

Um estudo publicado a 5 de Novembro na revista Neurology demonstrou que pessoas que consumiam três ou mais bebidas alcoólicas por dia apresentavam hemorragias cerebrais em média onze anos mais cedo do que pessoas que bebiam pouco ou não bebiam – e enfrentavam resultados piores, como hemorragias maiores, danos cerebrais mais graves e maior mortalidade.

“O consumo excessivo de álcool pode não só aumentar o risco de ter uma hemorragia cerebral numa idade mais jovem, mas também pode agravar os danos subjacentes quando ela ocorre”, diz Edip Gurol, principal autor do estudo e director da Clínica de Prevenção de Acidentes Vasculares Cerebrais com Risco de Hemorragia no Massachusetts General Hospital.

A investigação foi observacional – o que significa que não prova causalidade – e baseou-se no consumo de álcool auto-relatado, o que torna possível subestimar os níveis reais de consumo. Mesmo assim, as suas conclusões estão a ajudar os investigadores a preencher lacunas anteriormente inexistentes. “Este é um estudo muito valioso que contribui para o que sabemos sobre como o álcool afecta o cérebro”, afirma Faye Begeti, neurologista em exercício nos Hospitais Universitários de Oxford, na Inglaterra, que não participou na investigação. 

Como o álcool danifica o cérebro

Os acidentes vasculares cerebrais hemorrágicos – também conhecidos como hemorragias intracerebrais (HIC) – ocorrem quando um vaso sanguíneo enfraquecido se rompe e sangra no tecido cerebral circundante. Representamapenas 10 a 20% de todos os acidentes vasculares cerebrais anuais, mas são muito mais mortais e prejudiciais do que o tipo isquémico, mais comum. 

“Aproximadamente 30 a 40% das pessoas que sofrem hemorragias intracerebrais morrem, e muitos sobreviventes vivem com incapacidades permanentes”, diz Kevin Sheth, director do Centro de Saúde do Cérebro e da Mente de Yale e presidente do Grupo de Acidentes Vasculares Cerebrais Hemorrágicos da Associação Americana do Coração, que não participou no estudo.

O consumo excessivo de álcool aumenta o risco de HIC através de vários mecanismos que se sobrepõem. Um deles é que “o álcool acelera a atrofia cerebral, o que significa que o cérebro encolhe ligeiramente enquanto o crânio permanece do mesmo tamanho, esticando veias delicadas e tornando-as mais propensas a romper, mesmo com pequenos traumas”, explica Begeti.

O álcool também desestabiliza a pressão arterial, prejudica a função plaquetária (as células sanguíneas que ajudam a formar coágulos) e danifica o fígado, o que perturba a coagulação normal. Com o tempo, também pode lesar directamente pequenos vasos cerebrais – levando a fugas microscópicas ou “micro-hemorragias” que enfraquecem as paredes dos vasos. “O efeito líquido é uma maior tendência para sangrar – e para sangrar mais gravemente uma vez que a hemorragia começa”, diz Sheth.

Por dentro da nova INVESTIGAÇÃO

O recente estudo de que lhe falamos analisou mais de 1.600 pacientes internados no Massachusetts General Hospital entre 2003 e 2019 por hemorragias cerebrais espontâneas e não traumáticas. Cerca de 7% foram classificados como “bebedores da pesada”– aqueles que consomem regularmente três ou mais bebidas alcoólicas por dia.

Esse tipo de consumidor apresentou hemorragias cerca de 11 anos mais cedo do que os seus colegas que bebiam menos – em média, aos 60 anos contra 71. Os investigadores acreditam que este cronograma acelerado está relacionado com os efeitos do álcool no envelhecimento vascular e na fragilidade dos vasos sanguíneos.

Por exemplo, em comparação com os que bebem pouco ou não bebem, esses pacientes apresentavam uma pressão arterial mais alta e a contagem de plaquetas mais baixa. “É importante ressaltar que as imagens cerebrais também mostraram mais danos e doenças nos pequenos vasos”, acrescenta Begeti.

As imagens revelaram ainda que os bebedores inveterados apresentavam hemorragias maiores e extensão intraventricular mais frequente – sangramento que se espalha para os espaços cheios de líquido do cérebro, o que é um marcador associado a maior mortalidade. “Em conjunto, estas descobertas destacam que o consumo excessivo de álcool parece acelerar o envelhecimento vascular no cérebro”, diz Begeti.

Embora estudos anteriores tenham sugerido a conexão entre o consumo excessivo de álcool e o envelhecimento vascular no cérebro, Gurol observa que a maioria deles carecia de imagens detalhadas para revelar os mecanismos biológicos por trás desse padrão. “Este é o maior estudo a incluir tomografias computadorizadas do cérebro em todos os pacientes e ressonâncias magnéticas em cerca de 75%”, diz Gurol. Este avanço técnico permitiu à equipa identificar alterações estruturais no cérebro e compreender melhor as formas como o álcool contribui para o risco de hemorragia.

Clifford Segil, neurologista do Providence Saint John’s Health Center em Santa Monica, que não participou na investigação, afirma que as descobertas deixam claro que os grandes consumidores de álcool que sofrem hemorragias “terão hemorragias maiores e o seu potencial de recuperação será reduzido devido aos efeitos do álcool na pressão arterial e nos níveis de plaquetas”.

Estas descobertas, acrescenta Sheth, “são oportunas e clinicamente relevantes”.

Conclusão

Porém, como todas as investigações observacionais, o estudo não pode provar causa e efeito. “Ensaios controlados aleatórios – o padrão ideal para provar causalidade – não são viáveis quando se estuda o consumo excessivo de álcool, porque obviamente não podemos designar pessoas para beberem em excesso para ver como isso causa danos”, explica Gurol.

A equipa também se baseou no consumo de álcool auto-relatado, o que pode não ser confiável. “É possível que alguns bebedores excessivos – ou as suas famílias – tenham subestimado o consumo de álcool, o que significa que alguns podem ter sido classificados erroneamente como bebedores não excessivos”, diz Gurol. “Esse tipo de sub-notificação provavelmente diluiria o impacto real. Logo, o efeito real pode ser ainda mais forte do que o que observamos.”

Para fortalecer trabalhos futuros, Gurol sugere que investigações adicionais “devem envolver grupos maiores de pacientes, combinados com imagens cerebrais de alta qualidade, como fizemos, mas com dados mais precisos e colectados prospectivamente sobre hábitos de consumo de álcool”.

Até lá, a conclusão é clara. “Este estudo soma-se às evidências crescentes de que o consumo de álcool não oferece benefícios médicos e ressalta o quão preocupante pode ser o consumo crónico de álcool”, diz Segil.

Além das hemorragias cerebrais, “o consumo excessivo de álcool prejudica quase todos os órgãos do corpo”, observa Gurol, aumentando o risco de acidentes, hipertensão arterial, fibrilação atrial, doenças hepáticas, doenças cardíacas, vários tipos de cancro e declínio cognitivo.

Por outro lado, reduzir o consumo traz benefícios mensuráveis, como a diminuição da pressão arterial (muitas vezes em poucas semanas), a melhoria da saúde do fígado e do coração e a redução do risco de acidente vascular cerebral e danos cerebrais microvasculares ao longo do tempo.

Este conhecimento é especialmente importante porque as opções de tratamento para alguns tipos de acidente vascular cerebral continuam limitadas. “Ainda não temos tratamentos agudos comprovados que possam melhorar os resultados após a ocorrência de um acidente vascular cerebral hemorrágico”, enfatiza Gurol. “Isto torna a prevenção absolutamente crítica.”