Nem todos na Europa olham para o rearmamento da Alemanha como uma ameaça. A Polónia, por exemplo, considera-o necessário e diz mesmo que peca por tardio.

O rearmamento da Alemanha está a suscitar dúvidas entre alguns países europeus. Enquanto a Polónia considera “natural” que Berlim esteja a apostar no reforço militar, França não esconde a preocupação, segundo fontes ouvidas pelo POLITICO.

Recentemente, o chanceler alemão, Friedrich Merz, prometeu transformar as Forças Armadas da Alemanha “no exército convencional mais forte da Europa”, estimando gastar, até 2029, 153 mil milhões de euros por ano em defesa, o que representa cerca de 3,5% do seu PIB. 

Segundo o POLITICO, este é o reforço militar mais ambicioso desde a reunificação da Alemanha, em 1990. De acordo com documentos internos do governo alemão, verificados pelo POLITICO, as Forças Armadas da Alemanha (Bundeswehr) vão receber até 377 mil milhões de euros em aquisições de defesa, que incluem investimentos em todas as áreas, desde tanques e fragatas a drones, satélites e sistemas de radar.

Numa análise aos documentos, verifica-se que menos de 10% dos novos contratos de aquisição para a defesa são destinados a fornecedores dos EUA, o que contraria uma tendência de décadas, em que Berlim se posicionava como um dos principais clientes das empresas de defesa norte-americanas. Os restantes 90% destinam-se a fornecedores na Europa, sobretudo na Alemanha, destaca o POLITICO.

Nos corredores de Bruxelas, segundo o POLITICO, questiona-se até que ponto este reforço militar da Alemanha é realmente “europeu”.

“É um meio-termo entre vigilância e ameaça”, assume um responsável pela defesa francesa, não identificado pelo POLITICO. Para o responsável, o poder industrial e económico da Alemanha é tão preocupante quanto o rearmamento do país. “Eles não vão precisar de invadir a Alsácia e a Mosela”, graceja, referindo-se às regiões francesas que a Alemanha invadiu com sucesso durante a sua conquista de França em 1940. “Podem simplesmente comprá-las.”

Um diplomata europeu em Paris sublinha a falta de clareza em relação à estratégia da defesa do chanceler alemão, Friedrich Merz. “Ainda não é claro o que Merz pretende fazer”, admite o diplomata não identificado. “A Alemanha terá de assumir um papel mais abrangente a nível internacional, mas não é claro como.”

Atrito entre França e Alemanha num dos “projetos de armamento mais complexos da história europeia”

Os franceses parecem cada vez mais desconfiados deste rearmamento alemão, sobretudo desde as recentes declarações de Friedrich Merz em relação ao Future Combat Air System (Futuro Sistema de Combate Aéreo, FCAS), considerado pela revista The Economist como “um dos projetos de armamento mais complexos da história europeia”, que prevê a colaboração entre França, Alemanha e Espanha para o desenvolvimento de caças de “sexta geração” e drones autónomos.

De acordo com o POLITICO, os atrasos e as disputas sobre qual dos países vai ficar encarregue da maior parte do projeto, que arrancou em 2017, estão a testar esta parceria até ao limite.

“Não estamos a fazer progressos neste projeto”, desabafou Friedrich Merz, citado pela The Economist. “As coisas não podem continuar como estão.”

Nas últimas semanas, segundo o POLITICO, os responsáveis pela defesa alemã começaram a explorar uma potencial cooperação com a Suécia ou com o Reino Unido, ou até mesmo a avançar sozinhos com Espanha. 

Esta perspetiva fez soar os alarmes em Paris. Éric Trappier, CEO da Dassault Aviation, empresa que representa França neste projeto – a par com a AirBus, que representa a Alemanha e Espanha – pediu aos deputados para que lhe deem “capacidade para gerir este programa”. “Eu não sou contra o projeto, mas quando a Alemanha diz que vai excluir França, isso não vos incomoda?”, questionou.

Mas nem todos na Europa olham para o rearmamento da Alemanha como uma ameaça. A Polónia, por exemplo, considera-o necessário e diz mesmo que peca por tardio.

“A Polónia tornou-se um farol brilhante entre os aliados da NATO em termos de gastos militares”, diz ao POLITICO Marek Magierowski, embaixador polaco em Israel e nos Estados Unidos. “Consequentemente, insistimos que outros parceiros sigam o exemplo. Mas, se nos preocupamos seriamente com a defesa coletiva, não podemos continuar a dizer: ‘Por favor, gastem todos mais em defesa. Exceto tu, Alemanha’.”

Fontes polacas expressaram ao POLITICO o mesmo pragmatismo: “Eles estão a remar na direção certa”, considera um dos responsáveis citado, que não foram identificados. “Do nosso ponto de vista, isto poderia ter sido feito antes, mas é bom que esteja a acontecer.”

Mesmo assim, os polacos não esquecem o passado histórico com a Alemanha. “Olhando para a história, uma situação em que a Alemanha associasse o seu poder económico ao poder militar sempre suscitou receios”, admite Paweł Zalewski, vice-ministro polaco da Defesa, que prefere contextualizar este rearmamento alemão com o reforço militar que se verifica noutros países. “Todos os países europeus estão a rearmar-se”, desvaloriza.

Paweł Zalewski assume, aliás, que este reforço militar “é uma resposta natural” da Alemanha à diminuição do apoio militar demonstrado pelos EUA na Europa. O vice-ministro conclui, por isso, que “os principais países que vão defender o flanco oriental serão a Polónia e a Alemanha”.

Por enquanto, este rearmamento de Berlim é visto pelos restantes países europeus como uma assunção de responsabilidade tendo em conta o contexto atual, e não como uma tentativa de domínio. Todavia, mesmo aqueles que compreendem esta estratégia admitem que a magnitude deste reforço militar levanta algumas dúvidas.

“Pode ser assustador, sem dúvida”, admite um diplomata da UE. “Mas a Alemanha tem parcerias. Está na UE e na NATO – e muitas coisas podem acontecer entretanto.”