Mas não são apenas as alegações que são explosivas. A lista dos alegados envolvidos inclui pessoas ao mais alto nível do governo que giram em torno de um colaborador próximo de longa data do próprio Presidente Volodymyr Zelensky.

Pior ainda, a investigação foi levada a cabo por instituições contra a corrupção que Zelensky tentou condicionar antes dos maiores protestos nas ruas a desde a invasão da Rússia o terem forçado a recuar no verão.




A corrupção é uma questão polémica para a reputação internacional da Ucrânia.

Os críticos do apoio ocidental à nação em apuros, que trava o maior conflito na Europa desde a 2.ª Guerra Mundial, têm procurado desvalorizar as medidas adotadas para melhorar a transparência desde que o país se libertou da órbita de Moscovo, na sequência dos fortes protestos em 2014.


O montante que está em jogo é enorme.

Quem são os suspeitos?
Várias pessoas foram implicadas na operação designada por Midas, uma investigação que continua em curso.

O alegado cabecilha é Tymur Mindich, coproprietário do grupo de comediantes Kvartal 95, do qual Zelensky também era coproprietário antes de se tornar presidente. A empresa foi um veículo importante para Zelensky ganhar popularidade como comediante e ator antes de entrar na política.

Mindich, 46 anos, era também parceiro de negócios do bilionário Ihor Kolomoyskiy, que apoiou a campanha presidencial de Zelenskyy em 2019 e que está em prisão preventiva desde 2023 por acusações de fraude e branqueamento de capitais.

Segundo fontes policiais, Mindich deixou a Ucrânia pouco antes de a sua casa ter sido revistada pela polícia em 10 de novembro.

Até hoje, não se pronunciou sobre o caso.

Viktor Chumak, procurador-chefe militar em 2019-20 e procurador-geral interino em 2020, disse ao Serviço Ucraniano da RFE/RL que “é absolutamente impossível, a menos que tenha sido ajudado por agentes da lei”, sair tão rapidamente do país tendo em conta as restrições nas viagens em tempo de guerra da Ucrânia.

Outra figura de destaque envolvida no caso é Herman Halushchenko, que foi suspenso do cargo de ministro da Justiça a 12 de novembro. Antes disso, foi ministro da Energia.

Halushchenko afirmou que se defenderia em tribunal das alegações de que teria recebido “benefícios pessoais” de Mindich no âmbito do alegado esquema de subornos.

O antigo ministro da Defesa, Rustem Umerov, que é atualmente secretário do Conselho de Segurança e Defesa Nacional, e o antigo vice-primeiro-ministro, Oleksiy Chernyshov, também estão implicados no escândalo.




Umerov negou o seu envolvimento. Em junho, Chernyshov foi objeto de acusações de corrupção distintas.

Nas gravações efetuadas pelo Gabinete Nacional Anti-Corrupção da Ucrânia (NABU), os suspeitos usavam nomes de código: Mindich era Karlson, Chernyshov era Che Guevara.



Oleksii Filippov – AFP


A 12 de novembro, a ministra da Energia, Svitlana Hrynchuk, apresentou a demissão, na sequência de um apelo de Zelensky para que o fizesse. A ministra insistiu que não tinha violado a lei.

Quais são as alegações?


O Gabinete Nacional Anticorrupção da Ucrânia (NABU) e a Procuradoria Especializada Anticorrupção (SAPO) alegam que o montante envolvido é de 100 milhões de dólares neste escândalo de corrupção no setor da energia protagonizado por “uma organização criminosa de alto nível”.



O foco é a Energoatom, o operador estatal de energia nuclear com cerca de 4,7 mil milhões de dólares de receitas anuais. Os suspeitos alegadamente cobraram subornos de 10 a 15% aos subcontratantes privados da Energoatom em troca da manutenção dos contratos.

Numa gravação do NABU, ouve-se o antigo conselheiro do ministro da Energia, Ihor Myronyuk, aparentemente a ameaçar cancelar esses contratos.

“Vão ser completamente dizimados. […] Todos os vossos empregados serão recrutados para o exército”, ouve-se dizer. Myronyuk nega qualquer irregularidade.

Noutro momento, os participantes são ouvidos a discutir a adjudicação de contratos para estruturas de proteção contra ataques aéreos em instalações de energia.

O NABU efetuou 70 buscas domiciliárias e realizou 1000 horas de gravações áudio secretas no âmbito da investigação.

Possíveis consequências do escândalo


As potenciais consequências são enormes.

Milhões de ucranianos experimentam tempos cada vez mais difíceis à medida que a invasão da Rússia se aproxima do quarto aniversário. Entre as dificuldades que encontram no dia a dia, contam-se os frequentes cortes de eletricidade, uma vez que a Rússia tem como alvo as infraestruturas energéticas, com o objetivo de enfraquecer o esforço de guerra da Ucrânia e de esvaziar o moral das tropas.

Com a aproximação do inverno, estas situações tornam-se mais agudas.

Tymofiy Mylovanov demitiu-se do conselho de supervisão da Energoatom em 11 de novembro, afirmando que as propostas que fez para a empresa dar resposta ao escândalo, estavam a ser ignoradas.

“Cada hryvnya (moeda ucraniana) que é gasto de forma ineficaz, seja roubado, ou simplesmente gasto de forma ineficaz, representa perder vidas na linha da frente”, disse à RFE/RL.

A chefe da política externa da UE, Kaja Kallas, considerou o escândalo “lamentável”, acrescentando que é importante que Kiev o leve a sério.


Oleksii Filippov – AFP

Como já foi referido, as suspeitas estão muito próximas de Zelensky.

Na Ucrânia, não passou despercebido o facto de ter tomado medidas para reduzir a independência das instituições que combatem a corrupção apenas há alguns meses.

Nessa altura, os investigadores já estavam muito avançados numa operação de 15 meses que só agora foi tornada pública.

A ação contra as duas agências levou as pessoas a saírem à rua em protesto, apesar de se tornarem potenciais alvos de ataques aéreos russos. A sensibilidade da questão foi sublinhada por um manifestante que a relacionou com a guerra, com um cartaz onde se lia: “Este não é o futuro pelo qual o meu irmão morreu”.

Os apoiantes ocidentais da Ucrânia, que há muito pressionam Kiev para melhorar o seu historial em matéria de luta contra a corrupção, aumentaram a pressão – instando Zelenskyy a recuar. Menos de 72 horas depois de ter assinado a lei que retirava a autonomia ao NABU e ao SAPO, apresentou um projeto de lei que a restabelecia.

“Não excluo que esta [investigação] tenha sido a razão da pressão exercida sobre o NABU no verão. Não posso excluir essa hipótese”, afirmou Chumak, antigo procurador.

“Foi uma tentativa de transferir todos os processos – em primeiro lugar, para obter os materiais de todos os processos e, em segundo lugar, para os transferir para outra entidade.”

Mylovanov disse não acreditar que Zelensky tenha tentado encobrir o caso. “O presidente disse claramente que deveria haver sentenças”, disse ele.

Mas as perceções são importantes, e não apenas na Ucrânia.

Os governos ocidentais que prestam apoio militar e económico a Kiev têm de o justificar perante os seus eleitorados, e este escândalo não torna a tarefa mais fácil.

“A confiança está em causa – entre a população, o exército e os parceiros internacionais. Nenhuma dissolução de um conselho de supervisão, nenhuma condenação de alguns indivíduos e nenhuma nova auditoria irá desfazer os danos que se estão a revelar”, disse Mattia Nelles, cofundador e diretor executivo do German-Ukrainian Bureau, um grupo de reflexão que promove um maior apoio à Ucrânia na Alemanha.

“Pequenas alterações aqui e ali já não serão suficientes para colmatar o fosso da desconfiança. Caso contrário, isto corre o risco de se tornar um ponto de viragem na presidência de Zelensky.”

Este artigo foi publicado originalmente na Radio Free Europe/Radio Liberty (RFE/RL), parceiros da LRT English a 13 de Novembro 10:30 GMT


Edição e tradução Joana Bénard da Costa – RTP