Nunca vi o The Office americano. Pronto, já disse, está dito. Pode começar o apedrejamento virtual à vontade. O apedrejamento real dispenso, ainda para mais uso óculos e as lentes progressivas são caríssimas. É um facto, só conheço o Michael Scott, o Dwight, o Jim e a Pam dos memes. É o que é, sou um ser humano falho. Julgavam-me perfeita? Tomem um antipirético, que isso deve ser virose. Na persistência dos sintomas, consultem um médico ou farmacêutico.
O que sucede é o seguinte: o The Office inglês, o original, foi uma tal lambadona na minha moleirinha que me parecia no mínimo uma perda de tempo, no máximo uma heresia, fazer uma versão de uma obra perfeita. Poderão dizer que é exagero, pose, a p… da mania, mas pouquíssimas coisas me abalaram a estrutura como o visionamento das duas temporadas de David Brent e os seus subordinados. Para mim, Ricky Gervais podia não ter feito mais nadinha depois do The Office (felizmente fez: Extras, Derek, After Life) que já merecia um lugar no meu panteão pessoal. De maneiras que, apesar de ter uma crush pelo Steve Carrel, fingi-me de morta e não vi nadinha. Numa onda mais recente da Officemania U.S.A., estive quase a ceder, já parcialmente convencida de que estava só armada em parva. Coisas que a idade traz. Eis que me dei conta que são 188 episódios, pelo que arrumei a versão americana naquela prateleira do “um dia, quando eu tiver vagar”. Diga-se que está muitíssimo bem acompanhada com coisas como o Mad Men, Em busca do tempo perdido e arrumar a minha gaveta de vernizes.
Vai daí surge-me este spin-off The Paper e, na loucura, decidi atirar-me a ele sem ver o The Office que o pariu. Vai totalmente contra o meu carácter obsessivo, mas vamos só assumir que isto é um glitch no meu sistema de valores. Na verdade, é a segunda vez que isto acontece. Esta que vos escreve é, com grande probabilidade, a única pessoa no planeta Terra que não viu mais que um episódio de The Walking Dead e acompanhou umas boas 3 temporadas de Fear the Walking Dead. Eu sei, dava direito a junta médica, mas consideremos só uma excentricidade, até porque nem eu sei propriamente explicar o fenómeno. Pode ter sido qualquer coisa que comi e me caiu mal.
[trailer de “The Paper”:]
“Em 2005, uma equipa de documentário começou a filmar numa companhia de papel em Scranton, Pensilvânia. Seguiram os trabalhadores num escritório normal, a lidar com as novas regras de comportamento no espaço de trabalho e os altos e baixos das suas vidas pessoais. 20 anos depois, eles voltaram.” Este é o ponto prévio de The Paper. Vai daí a equipa de documentaristas bate com o nariz na porta da sede da dita companhia, a Dunder Mifflin Paper Company, porque foi vendida a uma empresa chamada Enervate e deslocada para Toledo, Ohio. Mais propriamente, para o edifício que em tempos idos albergou o jornal Toledo Truth Teller, com 900 trabalhadores. Jornal esse que agora se resume a meia dúzia de secretárias num open space, ocupado na sua maioria pela Softees, a marca de papel higiénico da Enervate.
Não vou dizer que o subtexto de toda a série é que a imprensa escrita está tão na merda que o papel higiénico lhe ganhou terreno, porque seria deselegante. Mas posso citar Ken (Tim Key), o estratega financeiro (uma espécie de David Brent, que começou por me irritar por isso mesmo, mas acabou por me convencer): “Tens de te lembrar que o nosso cliente-alvo são pessoas na sanita”.