A candidata presidencial Catarina Martins foi a convidada desta sexta-feira na Grande Entrevista, da RTP. Em declarações ao jornalista Vítor Gonçalves, a bloquista assegurou que a sua candidatura é pessoal e não partidária.
Questionada sobre se tentará usar a candidatura para reanimar o Bloco de Esquerda, Catarina Martins negou.
“Não. É uma candidatura pessoal que corresponde a um espaço da esquerda, mas não é uma candidatura partidária. Aliás, eu estaria muito bem com uma candidatura que fosse agregadora de um outro espaço”, o que “acabou por não acontecer”, afirmou.
A antiga coordenadora do Bloco disse ser defensora, por exemplo, de uma candidatura de Sampaio da Nóvoa.
Para Catarina Martins importa especialmente a “capacidade de unir pessoas”. “Sentar pessoas para soluções, para discutir o país. Fiz isso toda a minha a vida, é isso que quero fazer como presidente da República”, vincou.
A bloquista frisou ainda que a sua candidatura vai para além do partido, já que se identifica com “um campo mais vasto” da esquerda com quem sempre “dialogou” e “encontrou soluções”.
Confrontada com a ideia de que o Bloco de Esquerda se tem fechado em torno dos mesmos nomes nos últimos anos, Catarina Martins afirmou que “as mulheres na política considera-se que permanecem mais tempo do que os homens”.
“Tragédia” ou “mais do mesmo”
A candidata apoiada pelo BE considerou ainda que a candidatura de André Ventura é uma “tragédia”, enquanto candidaturas como as de António José Seguro ou Luís Marques Mendes são “mais do mesmo”.
Na visão de Catarina Martins, estes dois últimos fazem parte do mesmo “centrão político”.
“Acho que há nesse centrão político uma visão de que, face às crises, se utiliza sempre a solução mais fácil”, que é “cortar nos salários e nos serviços públicos”, o que considera uma “solução errada”, explicou.
“Vivemos numa economia muito desigual. Temos de responder às crises respeitando quem trabalha”, defendeu a candidata a Belém.
Catarina Martins acredita ainda que, “com um cenário político tão inclinado para a direita, é fundamental ter uma presidente da República de esquerda”.
“Acho que isso faz parte de um equilíbrio normal das instituições democráticas em Portugal”, justificou. “É importante que haja uma nova forma de chamar a atenção”.
“Não me resigno à ideia que o Chega tem de continuar a crescer”
Questionada sobre uma entrevista na qual afirmou que o Chega nunca seria Governo se fosse ela a presidente, a antiga coordenadora do Bloco garantiu que nunca colocaria as suas opiniões à frente da Constituição.
“À frente da Constituição da República portuguesa, nunca”, vincou, acrescentando que é necessário “perceber se faremos tudo ou não para encontrarmos uma maioria parlamentar que respeite a Constituição”.
A Constituição, “no seu artigo primeiro, define a dignidade da pessoa como central”, e “um partido como o Chega, que ofende a dignidade das pessoas, não é um partido que esteja dentro do arco constitucional”, afirmou.
“Cabe a um presidente da República tentar encontrar qualquer solução que permita que a Constituição seja cumprida. E o Parlamento seguramente será capaz de muitas maiorias”.

Catarina Martins disse ainda não se resignar “à ideia que o Chega tem de continuar a crescer, porque essa é a ideia de quem já desistiu de fazer uma disputa política em Portugal que é muito importante”.
“É mais importante a selvajaria, a gritaria, o chamar nomes às pessoas ou, por exemplo, falarmos da fatura de supermercado, que está cada vez mais alta e o salário não é capaz de a pagar?”, questionou.
“Se isso é ser radical, eu serei radical”
Questionada sobre se o futuro da esquerda não será ao centro nem moderado, Catarina Martins afirmou que “será radical” se isso significar defender a dignidade do trabalho, a habitação e a saúde.
“A moderação é defender que as pessoas vivam bem, se isso é radical, se defender a dignidade do trabalho, se é defender que as pessoas precisam de um teto, se defender que uma mulher deve ter direito a um parto para o Hospital para onde foi, se isso é ser radical, eu serei radical”.
“No meu país eu sei que nós podemos viver melhor e temos de viver melhor”, sublinhou.
“Um ataque xenófobo, racista, ao próprio coração da democracia”
A candidata à Presidência da República disse não admitir o tipo de discurso que tem vindo a contaminar o debate político e as instituições, veiculado pelo Chega.
“Quando um deputado na Assembleia da República lê nomes de crianças que estão numa escola e o faz atacando aquelas crianças não está só a fazer um ataque a essas crianças, mas está também a atacar a própria ideia de escola”, observou Catarina Martins.
“O que nos estão a dizer na Assembleia da República é, em vez de estamos a lutar para uma escola para todos, estamos a ver quem atiramos borda fora da escola”, prosseguiu.
“E eu não admito, eu não admito esse tipo de discurso”, sublinhou.
A candidata a Belém explicou que o papel de um presidente da República é defender a Constituição e que, de acordo com a Constituição Portuguesa, “as crianças que estão em Portugal vão à escola”, independentemente da sua nacionalidade ou do apelido que pode não ser “tipicamente português”.
Catarina Martins considerou a leitura do nome das crianças no Parlamento pela deputada do Chega, Rita Matias, um “ataque xenófobo, racista ao próprio coração da democracia”.
“Alterações do Governo já estão derrotadas”
Sobre a greve geral de 11 de dezembro, considerou “natural” que os trabalhadores “lutem pelos seus direitos”. Para Catarina Martins, as alterações propostas pelo Governo à lei laboral já estão derrotadas.
“Estas alterações do Governo já estão derrotadas”, afirmou. “Não só tem a oposição das duas centrais sindicais, como os próprios trabalhadores sociais-democratas também aderiram à ideia da greve, como o próprio presidente da República já veio dizer que estas alterações laborais como estão não são possíveis, constitucionalistas já vieram dizer que são inconstitucionais”, argumentou.
A candidata presidencial questionou o sentido desta proposta de reforma da lei laboral e defendeu que “é preciso dizer claramente ao Governo que o que propõe é insuportável”, em vez de “estarmos a pressionar sindicatos para desconvocar a greve”.
“Eu enviaria a nova lei para o Constitucional”
Deste modo, Catarina Martins afirmou que vetará as alterações à lei laboral propostas pelo Governo caso seja eleita presidente da República, tanto por questões jurídicas como políticas.
De um ponto de vista jurídico, afirmou que mandava para o Tribunal Constitucional “como medida preventiva”, temendo a “inconstitucionalidade de várias propostas”.
Do ponto vista político, por não aceitar “a humilhação” dos pais e das mães e dos jovens usados como “carne para canhão” de uma “lei da selva laboral para sempre”.
“Vetaria sim também porque não aceito a humilhação dos pais e das mães, sobretudo das mães, mas também dos pais que o governo quer fazer, não aceito os cortes no trabalho, não aceito que os jovens sejam carne para canhão de uma lei da selva laboral para sempre, acho que é preciso respeitar quem trabalha neste país”, afirmou.
“Trump é uma armadilha terrível para a Europa”
Questionada sobre se defenderia a saída de Portugal da NATO, Catarina Martins afirmou que não cabe ao presidente da República decidir matérias de segurança internacional que são competência do Governo. “Pretendo cumprir o Estado de Direito Democrático tal como ele é”, realçou.
No entanto, Catarina Martins alertou para o perigo de uma “subserviência” dos países europeus, incluindo Portugal, a uma “estratégia militar e geopolítica” do atual presidente americano Donald Trump que tem “uma agenda contra a democracia”.
“O que eu sei é que há cada vez mais vozes e não só em Portugal diria no mundo e na Europa sobretudo que compreendem que neste momento há uma armadilha terrível para os países europeus chamada Donald Trump”, afirmou.
“Donald Trump e Vladimir Putin têm no fundo agendas coincidentes e são agendas coincidentes contra a democracia e contra os Estados-membros da União Europeia. Portanto, não é normal que a Europa queira ficar cada vez mais nas mãos de Donald Trump”, considerou.
“É importante recuperar a memória do fascismo”
Sobre a decisão de ter trazido a esfera pessoal para o discurso de apresentação da candidatura a Belém, Catarina Martins colou a sua história à da democracia portuguesa. “Eu tenho a idade do 25 de abril, sou irmã da democracia”, afirmou.
Em entrevista à RTP, Catarina Martins considerou ainda “muito importante recuperar” a “memória do fascismo”, recordando que cresceu com histórias da “ violência da ditadura” que considerou estar inscrita em todas as famílias em Portugal.
“Em todas as famílias em Portugal se conhece a violência que foi o Estado Novo, eu tive um tio-avó morto pela PIDE, pelo fascismo, mas tive um tio irmão do meu pai que morreu na guerra colonial e tive pessoas de família que foram a salto para França para fugir da miséria e da guerra”, disse.
“Em todas as famílias portuguesas vai encontrar essa luta de vida e morte que era feito por causa do Estado Novo e do fascismo e é muito importante recuperarmos essa memória porque o Estado Novo foi fome, o Estado Novo foi analfabetismo, o Estado Novo foi guerra, foi perseguição, foi morte e isso está inscrito em todas as nossas famílias”.
“A paridade é uma coisa importante”
Questionada sobre se pensa aproveitar o facto de nunca ter havido uma presidente da República mulher em Portugal, Catarina Martins considerou que a “paridade é uma coisa importante” e que se vai candidatar a Belém “com o que sou” e “também sou mulher”.
“Eu sou uma mulher. Eu acho que a paridade é uma coisa importante entre homens e mulheres num país que deve representar todos e que todos devem representar o país”, respondeu.
“Mas eu candidato-me com o que sou, também sou mulher”, concluiu.