Afinal, a manipulação do discurso de Donald Trump exibida no programa Panorama, da BBC, não se limitou a esse espaço e foi também transmitida no espaço “Newsnight”, segundo avança o jornal The Telegraph, que já tinha estado na origem da revelação do escândalo em torno da estação pública britânica na semana passada.
O jornal britânico refere que a adulteração das palavras proferidas pelo presidente dos Estados Unidos no dia 6 de janeiro de 2021, na antecâmara da invasão do Capitólio por apoiantes da sua candidatura, foram exibidas no programa BBC Newsnight no episódio de 9 de junho de 2022 (já durante a presidência de Joe Biden).
Tal como tinha sucedido no Panorama BBC, a versão exibida condensou dois momentos distintos da intervenção de Donald Trump como se fosse um discurso contínuo, evidenciando um aparente apelo direto à revolta dos seus apoiantes.
Na sequência da revelação do caso, Tim Davie, diretor-geral, e Deborah Turness, diretora executiva da BBC News, apresentaram a demissão no passado domingo. No dia seguinte, segunda-feira, foi a vez de o chairman da BBC, Samir Shah, pedir desculpa pelo erro cometido na edição do discurso de Trump.
Foi também conhecido nesse dia que o Presidente dos EUA ameaçara a BBC com um processo judicial no valor de mil milhões de dólares, caso a estação britânica não pedisse desculpas até esta sexta-feira.
Embora já se tivessem penitenciado pelo erro na segunda-feira, um porta-voz da BBC divulgou na quinta-feira um pedido formal de desculpas da BBC a Donald Trump, além de Samir Shah também ter enviado uma carta ao líder da Casa Branca. Todavia, rejeitaram a existência de fundamentos para Trump avançar efetivamente com uma ação judicial.
BBC pede desculpa a Trump mas rejeita que exista “fundamento para uma ação por difamação”
A transmissão no programa BBC Newsnight, que analisa temas de atualidade e por vezes conta com entrevistas e comentário, antecede em mais de dois anos a exibição do controverso documentário da série Panorama BBC, que foi para o ar sensivelmente uma semana antes das eleições de novembro de 2024 entre o republicano Donald Trump e a democrata Kamala Harris.
No segmento do Newsnight, a propósito da Comissão do Senado que se debruçou sobre o ataque ao Capitólio, viu-se a seguinte intervenção (editada) do discurso de Trump: “Vamos caminhar até ao Capitólio e vamos aplaudir os nossos bravos senadores e congressistas – e vamos lutar. Vamos lutar com todas as nossas forças e, se não lutarmos com todas as nossas forças, não teremos mais um país”.
Então, nesse programa de junho de 2022, o episódio contou com uma entrevista ao ex-chefe de gabinete da Casa Branca Mick Mulvaney, que logo naquele momento alertou para o problema da edição do discurso de Donald Trump. Porém, esse alerta e as preocupações internas que surgiram relativamente a esse tema terão sido desvalorizadas pelas estruturas da BBC.
“O seu vídeo, na verdade, editou a apresentação. Ele disse: ‘Vamos descer e vamos torcer pelos nossos senadores e membros da Câmara’ e, em seguida, continua dizendo ‘E alguns deles talvez não consigamos’ e aquela frase sobre ‘e lutamos e lutamos com todas as nossas forças’ está, na verdade, mais adiante no discurso, mas o seu vídeo faz parecer que essas duas coisas estão juntas”, disse Mulvaney.
E o antigo chefe de gabinete durante parte do primeiro mandato de Trump acrescentou: “Esse é o tipo de mensagem que muitas pessoas no meu país consideram frustrante, pois é difícil obter os factos reais. Se vamos debater o que foi isso e impedir que aconteça novamente, acho que parte disso é garantir que sejamos diretos na nossa apresentação do que realmente aconteceu”.
Apesar do alerta de Mulvaney, o programa prosseguiu e terminou poucos minutos depois sem registo de qualquer correção ou retratação pelo erro por parte da BBC.
Este novo episódio da polémica em redor da BBC pode também colocar em causa o futuro de Jonathan Munro, adjunto de Deborah Turness e que assumiu a liderança das operações de informação após a saída da CEO da BBC News. À data da transmissão do BBC Newsnight agora em foco, Munro era diretor interino de informação e um dos responsáveis por este programa.