jarun011 / stock.adobe.comApesar de o levantamento estar concentrado no RS, os resultados indicam uma possível tendência nacional.jarun011 / stock.adobe.com

Um novo estudo realizado no Rio Grande do Sul mostra que o vírus da imunodeficiência humana (HIV) pode estar se disseminando de forma silenciosa pelo Brasil. O levantamento aponta que a prevalência de HIV na população testada alcançou 1,64%, superando em 64% o limite preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

A entidade estabelece uma prevalência de até 1% da população geral com mais de 18 anos para considerar uma epidemia sob controle. Ou seja, em média, a cada 100 pessoas no Estado, duas vivem com HIV – ou uma a cada 50. Conduzida pelo Hospital Moinhos de Vento, a pesquisa é inédita por ser a primeira testagem sorológica em grande escala realizada no Brasil.

De acordo com a epidemiologista do Hospital Moinhos de Vento Eliana Wendland, uma das pesquisadoras que lidera o estudo, apesar de o levantamento estar concentrado no RS, os resultados indicam uma possível tendência nacional.

— Não sabíamos exatamente qual era o percentual da população vivendo com HIV no Estado. Temos uma pessoa a cada 50 vivendo com o vírus. É um número muito alto, que evidencia a necessidade de aumentar a testagem. Há muitas pessoas soropositivas que não sabem disso e acabam perdendo a oportunidade de tratamento  — afirma a médica.

Diferentemente das estatísticas oficiais, baseadas em notificações de quem procura atendimento médico, os pesquisadores aplicaram testes diretamente em 8 mil pessoas com mais de 18 anos, em 56 municípios gaúchos. Com isso, revelaram um subdiagnóstico, identificando infecções ocultas pela ausência de sintomas ou pela falta de testagem.

As regiões Metropolitana e Central do Estado apresentam maior prevalência do vírus, conforme a pesquisa. Executado no âmbito do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS), o estudo foi publicado em julho no periódico Scientific Reports, da Nature. Além dos 81 casos de HIV, o levantamento detectou 558 casos de sífilis, 26 de hepatite B e 56 de hepatite C.

Sinal de alerta 

Um estudo conduzido em 2023 já havia evidenciado que a Região Metropolitana de Porto Alegre enfrenta uma epidemia generalizada de HIV. Desenvolvido pelo Hospital Moinhos de Vento no âmbito do Proadi-SUS, em parceria com a Secretaria Estadual da Saúde (SES), o trabalho mapeou o comportamento, as práticas e as atitudes da população em relação às infecções sexualmente transmissíveis (ISTs).

Segundo a SES, Porto Alegre apresenta o maior coeficiente de mortalidade por aids entre as capitais brasileiras, com valor quase quatro vezes superior à média nacional. Dados da Divisão de Doenças e Condições Crônicas da SES indicam que o Rio Grande do Sul é o quinto Estado com as maiores taxas de infecção por HIV no Brasil.

O último boletim epidemiológico da SES, baseado em dados do Ministério da Saúde, indica que foram registrados 1.184 novos diagnósticos de HIV no RS em 2024, até 16 de dezembro. Em 2023, foram 2.980, no total. No Brasil, em 2024, estima-se que havia 40,8 milhões de pessoas vivendo com HIV. A prevalência global do HIV na população adulta é de 0,7%, conforme dados do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids (UNAIDS).

No RS, ainda não havia pesquisas de base populacional, com testagem sorológica em grande escala, analisando a prevalência do vírus. Por isso, a nova pesquisa do Moinhos acende um sinal de alerta.

— Esses números são maiores do que os boletins normalmente indicam, porque nós fomos de casa em casa fazer testagens. Parte dessas pessoas sabia que vivia com HIV, mas um terço não sabia — explica Eliana.

Medidas e soluções

Além de aumentar a testagem, a médica destaca que é fundamental aumentar as campanhas para incentivar o sexo seguro, com uso de preservativo, bem como fortalecer outras formas de prevenção, como o uso de profilaxia pré-exposição (PrEP).

O vírus pode permanecer por anos no organismo sem manifestar sintomas, favorecendo sua transmissão. Com o diagnóstico precoce e o uso contínuo de antirretrovirais, a infecção pode ser controlada, evitando a progressão para a aids e interrompendo o contágio.

Quais são as ações do Estado? 

Em nota, a SES informa que os altos índices de infecção no RS são multifatoriais, incluindo aspectos culturais, sociais, educacionais e comportamentais. Entre as ações estaduais voltadas ao tema, a pasta destaca o Programa PrevineRS, norteado pelos eixos de eliminação da transmissão vertical, prevenção de novas infecções, redução da mortalidade e fortalecimento da sociedade civil.

Já o Programa Geração Consciente: o Cuidado Transforma tem como objetivo “efetivar ações de prevenção e promoção em saúde por meio de jogos culturais e educativos, abrangendo temas pertinentes à faixa etária e que estão atrelados à prevenção combinada ao HIV e direitos sexuais e reprodutivos”.

A pasta também aponta que vem ampliando e qualificando as testagens rápidas, ressaltando que os testes estão disponíveis em todas as unidades básicas de saúde do Estado.

Em relação ao fortalecimento da sociedade civil, a SES informa que está aberto um edital voltado à promoção da saúde e prevenção de ISTs, do HIV e da aids. Para participar da seleção das propostas, as Organizações da Sociedade Civil (OSCs) devem realizar inscrições no site.