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A economista brasileira Laura Carvalho reconhece a contradição entre a vontade de pôr o clima no centro da agenda do desenvolvimento e a impossibilidade de abandonar a exploração de petróleo no país que recebe a cimeira do clima este ano (a COP30). “Estão a ser lançadas as bases” para a transição ecológica. Mas outros factores falam ainda mais alto.
Gostava de ter a sua percepção sobre o modelo brasileiro: quer ser um campeão climático, defender a floresta, mas não abandona a exploração de petróleo, até na Amazónia…
Essa contradição não é só do Brasil. Até os Estados Unidos, com Joe Biden, expandiram muito a exploração de petróleo. Mas, nos países em desenvolvimento, essa contradição está exacerbada. Têm restrições orçamentais, urgências económicas e sociais e, no caso brasileiro, um movimento anti-ambientalista liderado pelo campo do ex-Presidente Jair Bolsonaro.
Um discurso que privilegie apenas clima e ignore demandas socioeconómicas é aproveitado de maneira muito fácil pelos opositores e torna ainda mais difícil a agenda climática. Esse é o contexto político em que o Brasil está operando.
Mas a agenda climática não está restrita ao Ministério do Meio Ambiente. A decisão tem sido colocar o clima no centro da agenda económica. O plano de transformação ecológica, liderado pelo Ministério da Fazenda, o plano de política industrial, o plano de aceleração do crescimento, o plano de infra-estruturas, todos têm o clima no centro. Está até na estratégia da Petrobras, que se tem comprometido com investimentos fortes no sector dos biocombustíveis.
Há, de facto, uma aposta na agenda climática, na política doméstica, na agenda de desenvolvimento. Agora, claro, não houve a decisão de parar de explorar petróleo já.
A economista Laura Carvalho avisa que o caminho do Brasil para abandonar o petróleo ainda será longo
Edilson Rodrigues/Senado brasileiro
Há estados e cidades brasileiras que dependem muitíssimo do petróleo. Em particular o Rio de Janeiro e o Espírito Santo, se deixarem de explorar petróleo, perdem praticamente todas as receitas.
Tem-se entendido que é mais urgente usar os recursos do petróleo para investir na transição climática e na diversificação económica, de maneira a gerar menos custos.
E esse caminho está claro?
Não, acho que ainda não. O Presidente Lula e a ministra [do Ambiente] Marina Silva declararam que usar os recursos do petróleo para fazer a transformação económica verde é um caminho que está a ser construído.
Mas, hoje, ainda não existem no Brasil os mecanismos para isso. Há fundos soberanos, a nível estadual e municipal, como o do Espírito Santo, em que são usados royalties de petróleo para investir na descarbonização. A nível federal, no entanto, não há ainda uma estrutura clara de governança.
Conta-se muito com a boa vontade da Petrobras de fazer esses investimentos. E a Petrobras é uma empresa de capital aberto, não responde apenas à prioridade do Governo. Aguardamos pela criação de uma estrutura de governança que permita investir os recursos numa estratégia para a transição acontecer mais rápido.
Antes disso, não é realista esperar que um país como o Brasil abra simplesmente mão do petróleo, até porque o petróleo que hoje produz ainda é muito competitivo a nível global e emite muito menos carbono do que a média.
E é expectável que, ainda durante este mandato do Presidente Lula, essa estrutura seja criada?
Houve esse compromisso no discurso dele na COP30, com a ministra Marina Silva a reiterá-lo numa entrevista. Acho que estão sendo lançadas as bases. Mas depende da pressão da sociedade. Porque, é claro, a contradição está aí.