Em busca de um estilo de vida mais saudável, a geração Z tem bebido menos se comparada às gerações anteriores, dedicando as madrugadas a exercícios físicos em vez de baladas. A conclusão apontada em diversos estudos indica que a rotina, na maioria das vezes, está interligada à influência das redes sociais e não necessariamente reflete a realidade. Para entender o fenômeno que domina os debates no âmbito digital, o NSC Total foi em busca de jovens pertencentes a essa faixa etária, além de especialistas que pudessem explicar os hábitos diferentes desta geração.

Continua depois da publicidade

A questão sobre o consumo de álcool da geração Z — que corresponde ao grupo de pessoas com idades entre 15 e 29 anos — vai muito além da afirmação presente nas discussões da internet. Ela envolve tanto a performance exigida nas redes sociais quanto um novo hábito, desconhecido das gerações anteriores: o equilíbrio entre o wellness (estilo de vida marcado pela busca por hábitos que levam ao bem-estar físico, mental e emocional) e uma rotina social ativa.

Para Thauanna Sérvulo, de 21 anos, as redes sociais são as maiores responsáveis por moldar o comportamento dos jovens. Isto porque eles buscam aparentar na internet ter uma vida saudável para seguir uma “trend“, ou seja, conteúdos que se tornam populares e viralizam rapidamente.

— O estilo de vida saudável foi tão popularizado que muita gente se obrigou a pertencer a essa bolha, sempre postando que estão fazendo ioga, pilates… Querendo ou não, isso faz a gente se sentir pertencente a essa trend do momento, que é o autocuidado — opina a estudante de Nutrição.

A psicóloga Sophia Berka Marques, de Florianópolis, aponta que tal comportamento vem do fato de a geração Z ter crescido com as redes sociais, o que provoca nos jovens uma sensação de “constante visibilidade”.

Continua depois da publicidade

— São jovens que são vistos o tempo todo por todos, por estarem nas redes sociais. Isso cria uma hipervigilância do próprio comportamento, o que leva à performance. E a presença de um estilo de vida muito saudável nas redes sociais, que é vendido como desejável, corrobora isso — avalia a profissional.

Thauanna observa justamente esse comportamento dos jovens da sua geração. Por mais que não seja essa necessariamente a realidade, a “moda” agora é se mostrar saudável nas redes sociais — e fazer a tentativa de manter um equilíbrio na vida real.

— Boa parte de tudo o que vemos sobre estilo de vida [saudável], vemos pelo Instagram e TikTok, onde acompanhamos milhares de pessoas que são desse meio. E aí a gente acha que a gente consegue ter o mesmo padrão da Manu Cit, por exemplo, mas de uma forma mais equilibrada, tentando sair em uma sexta-feira e indo correr no sábado — brinca a moradora de Florianópolis.

Manuela Cit é uma influenciadora destaque no movimento wellness no Brasil. Nas redes sociais, ela acumula mais de 1 milhão seguidores e, recentemente, lançou uma parceria com uma marca de roupas esportivas conhecida no país. Ela ganhou destaque no ambiente digital ao mostrar a rotina repleta de exercícios físicos, produtividade e autodesenvolvimento.

Continua depois da publicidade

Mas, recentemente, o movimento mudou para a geração Z. Enquanto a “onda”, por muito tempo, era acompanhar os conteúdos de Manu Cit, agora é a irmã dela, Sophia Cit, quem tem chamado a atenção dos jovens. Embora acumule pouco mais de 400 mil seguidores nas redes sociais, é nela em que os internautas vêm se reconhecendo mais. Nos vídeos em que a influencer conta sobre os dates (encontros) “fracassados” ou se arruma para festas, por exemplo, os internautas comentam: “É com essa Cit que me identifico”.

Apesar do estilo de vida característico dos jovens mantido por Sophia, ela ainda tem uma rotina saudável, com exercícios físicos e alimentação balanceada. Aos 18 anos, ela reflete o estilo de vida de muitos jovens, como Pedro*, de 21, que prioriza tanto os “rolês” quanto a rotina diária na academia.

— Eu sempre vejo, principalmente no meu grupo de amigos, que não é uma festa que vai impedir a galera de estar no dia seguinte na academia, correndo ou fazendo qualquer exercício, seja um futebol ou alguma outra coisa — comenta o jovem.

O morador de Florianópolis faz parte dos mais do 1,7 milhão de jovens da geração Z que vivem em Santa Catarina, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ele atribui o comportamento da geração a que pertence à rapidez com que as coisas acontecem hoje em dia, além do número expressivo de opções de lazer, o que deixaria os jovens com o sentimento de que precisam “viver tudo de uma vez”.

Continua depois da publicidade

— A galera tenta aproveitar ao máximo. Parece que a gente está sempre querendo aproveitar cada segundo — relata o universitário.

Para a psicóloga Sophia Berka, comportamentos como o de Pedro* refletem uma tentativa da geração Z de conciliar estilos de vida diferentes, o das baladas e bares e o dos exercícios físicos constantes. Isso está diretamente atrelado a um contexto atual que afeta muito mais essa geração: a cobrança por produtividade e movimento constante.

— A gente vê como essa conciliação de estilos de vida com festas, viagens, rotinas de autocuidado, exercício e alimentação balanceada, entra muito nesse modo de vida em que o corpo se torna um objeto de investimento simbólico e emocional, de que precisa-se ter um corpo que é bom ser olhado, pensando nas redes sociais — esclarece a profissional.

Diferentemente de como era para as gerações anteriores, agora a lógica da produtividade é que o sujeito deve se “autogerir”, segundo ela.

Continua depois da publicidade

— Atualmente, não tem mais a lógica de uma norma de alguém que faz você obedecer e viver de um jeito específico, mas sim uma “produtividade generalizada”. Então, saiu o poder e a gestão das pessoas das instituições de “ah, o chefe manda, você tem que fazer”. A maioria das pessoas hoje em dia são autônomas, e aí esse poder sai das instituições e se dilui.

É aí que o descanso e as opções de lazer entram. Nesta lógica de autogestão, o repouso também vira um campo de controle de si próprio, de acordo com a psicóloga.

— [Nas redes sociais], você tem que se divertir de um jeito equilibrado, rentável e fotogênico, porque a vida é muito visual estética e exibicionista por conta da rede social e da vigilância. Tudo isso é muito atravessado pela lógica performativa e pela expectativa de uma vida “postável inspiradora”. E a gente vê como a exposição de si é um meio de validação social muito grande hoje em dia, e que a construção da identidade das pessoas passa justamente por pela curadoria da própria imagem — explica a psicóloga.

É isso que a universitária Julia*, de 22 anos, percebe quando entra em contato com a afirmação de que a geração Z está “bebendo menos”. Ao NSC Total, a estudante contou que ela e os amigos seguem saindo todos os finais de semana para bares e festas, mas que evitam mostrar isso nas redes sociais.

Continua depois da publicidade

— Acho que os jovens adultos continuam bebendo como sempre beberam, mas agora evitam mostrar tanto. Não é mais tendência, sabe? — diz.

Para Julia*, o imediatismo e as pressões estéticas moldadas pelas redes sociais também afetaram muito a maneira com que alguns jovens lidam com a vida social. Alguns amigos, por exemplo, abdicaram do álcool em situações sociais para não comprometer o “shape” (forma física do corpo que uma pessoa deseja alcançar). No entanto, para ela, a questão dos mais jovens com o álcool vai muito mais além.

— São vários fatores envolvidos. A necessidade de render e de trabalhar e estudar ao mesmo tempo, a falta de tempo causada por uma sobrecarga física e mental, a pressão das redes sociais em seguir uma tendência saudável e estética, a necessidade de se encaixar em moldes corporais que não combinam com o estilo de vida de bebedeira, e por aí vai… Apesar de tudo, acho que a gente equilibra bem — diz ela, com bom humor.

A especialista em geração Z, Thaís Giuliani, diz que é complexo dar uma razão que justifique o porquê de os jovens valorizarem a qualidade de vida enquanto mantém a vida social ativa, mas que as redes sociais e o ritmo acelerado da atualidade podem, sim, corroborar com a questão.

Continua depois da publicidade

— Quando a gente fala de um “valor” para uma geração, é um tema muito complexo para a gente restringir a uma só razão. Eu acho que é um pouquinho de cada coisa. E claro, o equilíbrio aparece porque eles são jovens, a gente não pode esquecer disso — comenta.

Novos vícios entram na rotina dos jovens

Para Pedro*, a geração Z não está bebendo menos. Para o jovem, há o crescimento do consumo de outros vícios, como cigarros eletrônicos, o que pode gerar a impressão de que os jovens estão bebendo menos.

Um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgado no início de outubro, por exemplo, já trazia o alerta para o aumento do uso de cigarros eletrônicos entre adolescentes.

Segundo o levantamento, ao menos 15 milhões de jovens entre 13 e 15 anos fumam esses dispositivos em todo o mundo. O relatório, que aborda sobre a utilização do tabaco, traz também que o risco de jovens começarem a fumar é nove vezes superior ao dos adultos.

Continua depois da publicidade

A psicóloga observa que, para além da impressão de Pedro*, o que ocorre às vezes é uma substituição de drogas como álcool ou tabaco por produtos como os cigarros eletrônicos, que dão a “falsa sensação” de um mal menor, com um consumo mais racional e mais estilizado — hábito esse que conversa diretamente com o estilo de vida vendido pelas redes sociais.

— Não há, necessariamente, uma prática de abstinência das drogas, mas uma mudança de linguagem do consumo. É um deslocamento simbólico. Continua-se fazendo práticas, mas a partir de uma outra narrativa de “eu fumo ‘vape‘, não cigarro”, porque parece mais “limpo” — comenta.

É o que Julia* também vem observando em sua bolha de convívio. Para a jovem de 22 anos, a onda de conteúdos nas redes sociais de estética “clean girl“, por exemplo, afeta diretamente o comportamento exibido pela geração Z nas redes sociais.

O estilo clean girl é uma estética minimalista que valoriza a simplicidade e a sofisticação sem esforço, com maquiagem leve, cabelo simples e roupas em tons neutros, fenômeno que dominou as redes sociais e fez sucesso entre os jovens recentemente.

Continua depois da publicidade

— Na minha bolha, os jovens não estão bebendo menos do que as outras gerações. É supernormal ver a galera bebendo bastante no final de semana e em outros momentos. No meu ponto de vista, está tendo uma onda desses conteúdos nas redes sociais, onde o “cool” (legal) é mostrar esse estilo de vida mais saudável, quando a realidade nos dias de festa, na verdade, não mudou — opina.

O diretor do Departamento de Controle de Doenças Crônicas e de Prevenção da Violência e dos Traumatismos da OMS, Etienne Krug, afirma que, embora os cigarros eletrônicos sejam promovidos como uma alternativa menos nociva ao tabaco tradicional, “estes produtos estão, na verdade, viciando os jovens em nicotina mais cedo e colocando em risco décadas de progresso”. A constatação foi feita durante a apresentação do relatório em Genebra, na Suíça.

“50% rolê, 50% academia”

Para Julia*, o equilíbrio é o essencial. Apesar de gostar de investir em momentos de autocuidado, seja por meio de atividades físicas, alimentação ou meditação, a jovem considera “essenciais” os fins de semana com festa.

— Penso que esse é o mais jovem que eu vou ser na minha vida, então agora é a hora de aproveitar.

Já o jovem Pedro* afirma que o ideal, para ele, seria dedicar 50% do tempo para a vida social e os outros 50% aos hábitos saudáveis.

Continua depois da publicidade

— Eu priorizo muito autocuidado, vou à academia literalmente todo dia. Mas ao mesmo tempo, eu tento sair numa frequência boa, entre dois e três dias por semana. Chega em um nível que se eu sei que vou sair em algum dia da semana, eu tento encaixar a academia em outro horário, já que eu costumo ir à noite. Sempre penso nos meus dias com duas grandes frentes: a academia e o que eu vou fazer, se vou encontrar meus amigos ou se vou em alguma festa.

A especialista em geração Z, Thaís Giuliani, avalia que essa busca por equilíbrio e rotina é um reflexo do modo como a geração enxerga a performance e bem-estar.

— A geração Z tem muito essa questão de equilíbrio entre estabilidade e qualidade de vida. O estilo de vida e os hábitos são moldados muito mais por isso do que pela ideia de performance em si. Eles não querem viver no burnout que as gerações anteriores viveram — analisa.

Pedro*, no entanto, acredita que, ao mesmo tempo que é importante cuidar de si e ter uma vida saudável, também é importante procurar maneiras para “desestressar”, que neste caso seriam os “rolês”. Ele acrescenta também que a geração dele não tem a mesma preocupação que as mais antigas, de evitar beber em dias anteriores a compromissos, por exemplo.

Continua depois da publicidade

— Eu vejo muito mais esse hábito em meus parentes mais velhos, de “têm que dormir cedo porque amanhã tem trabalho”. Com a gente, é justamente o contrário. Nada impede a gente de beber um pouquinho, de fazer alguma outra coisa, de sair, e no dia seguinte estar trabalhando, desde que não abuse demais — conta.

O que esperar das novas gerações

Os comportamentos diferenciados da geração Z podem acender um alerta de preocupação para as próximas, como a geração Alpha, grupo de pessoas nascidas aproximadamente a partir de 2010 até 2025, sucedendo a Geração Z.

Para a psicóloga Sophia, os hábitos de autovigilância já presentes na geração Z virão com ainda mais intensidade para este grupo, uma vez que essas crianças e adolescentes cresceram em um mundo ainda mais digitalizado.

— A infância, adolescência e posterirmente a vida adulta dessas pessoas está muito mediada por algoritmos e métricas. Quantos relógios e aplicativos de acompanhamentos de bem-estar, monitoramento de sono, dieta, humor, existem, atualmente? — provoca a especialista.

Continua depois da publicidade

Para ela, a geração Alpha deve ser muito mais perpassada pelas tecnologias de rastreio que levam à performance.

— É possível, claro, que esses jovens tenham uma preocupação grande com a saúde e, consequentemente, sejam mais preocupados com a prevenção do consumo de drogas e comportamentos de risco. Mas eles também podem ser mais vulneráveis a essa ansiedade e à performance, pensando em uma otimização constante da vida — opina Sophia.

Diferentemente da geração Z, a tendência é que a Alpha tenha a sensação de que “não basta viver, tem que viver bem”, segundo a especialista.

*Os nomes foram alterados a pedido dos entrevistados

**Sob supervisão de Jean Laurindo