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Pôr do Sol em Veneza

Os europeus têm duas opções. Podem acordar, ou resignar-se a transformar o continente num imenso conjunto de monumentos e memórias que ecoam no vazio.

Na época da Renascença, no final do século XV, a Itália era a joia da Europa. Veneza dominava os mares; Florença liderava as artes e as finanças; e Milão destacava-se no comércio e na tecnologia.

Nenhuma outra região do mundo ocidental estava tão avançada. No entanto, em poucas décadas, perdeu tanto a independência política como a primazia económica.

A Europa de hoje corre um risco semelhante, diz o economista Andrea Dugo  num artigo de opinião no Politico.

Depois de ter sido objeto de inveja global, a liderança do bloco europeu esvaiu-se. A União Europeia não está apenas politicamente dividida: está agora também claramente a ficar para trás nos setores que moldarão o resto deste século.

Os jovens talentos partem para os Estados Unidos e para a Ásia, enquanto a economia europeia se transforma cada vez mais numa espécie de museu ao ar livre de proezas passadoas.

Quer no crescimento, quer na tecnologia, na indústria ou nos padrões de vida, a Europa arrisca tornar-se uma província num mundo definido por outros. E tem muito a aprender com o declínio da Itália renascentista.

Os sinais de alerta são evidentes: desde 2008, o PIB da UE cresceu apenas 18%, enquanto os EUA avançaram ao dobro do ritmo e a China quase triplicou.

O turismo continua em alta, é certo, mas os milhões que perseguem escapadelas para fotografar no Instagram não chegam para compensar a estagnação — e também acarretam custos.

A queda nos padrões de vida dentro do bloco tem também semelhanças com a Itália renascentista. Por volta de 1450, o rendimento per capita italiano era 50% superior ao dos Países Baixos. Um século depois, os neerlandeses eram 15% mais ricos e, por volta de 1650, quase duplicavam o nível de riqueza dos italianos.

A Europa moderna desliza ainda mais depressa. Em 1995, o PIB per capita da Alemanha era 10% superior ao dos EUA; hoje, os Estados Unidos estão 60% acima. Mantido o ritmo, o nível de prosperidade alemão poderá reduzir-se para 1/3 do norte-americano dentro de uma geração.

Tal como na Itália do Renascimento, este mal-estar económico revela um fosso tecnológico profundo.

Rainha dos mares no seu auge, Veneza agarrou-se a tecnologias ultrapassadas e pagou o preço. As suas galés, excelentes nas águas calmas do Mediterrâneo, nada podiam contra as caravelas oceânicas que levaram Portugal e Espanha aos quatro cantos do mundo.

A Europa atual está a repetir o erro. Em Inteligência Artificial, o investimento europeu corresponde a apenas 4% do norte-americano. Hoje, a OpenAI está avaliada em 500 mil milhões de dólares, enquanto a maior startup europeia de IA, a Mistral, vale apenas 15 mil milhões.

E embora tenha sido pioneira na ciência quântica, a Europa ficou para trás na sua aplicação comercial. Atualmente, uma única startup norte-americana, a IonQ, angariou mais capital do que todas as empresas quânticas da Europa somadas.

Mesmo na área das baterias, a tão elogiada Northvolt, da Suécia, colapsou em março, acabando adquirida por uma startup de Silicon Valley.

As indústrias tradicionais também fraquejam. No seu conjunto, os três principais construtores automóveis alemães valem apenas 1/8 da Tesla.

A Ericsson e a Nokia, outrora líderes mundiais em redes móveis, ficaram atrás dos rivais asiáticos no 5G. E a Arianespace francesa, que dominou durante décadas os lançamentos de satélites, depende agora de lugares comprados nos foguetões do bilionário da tecnologia Elon Musk.

O problema não está na invenção — está na escala. Apesar de ter engenheiros de topo e universidades de excelência, quase 30% dos “unicórnios” europeus mudaram-se para os EUA desde 2008, levando consigo os seus empreendedores mais ambiciosos.

O continente acende a faísca das ideias, mas os Estados Unidos alimentam-nas e colhem os lucros — mais um padrão que replica a Itália renascentista, que fornecia talento enquanto outros construíam impérios.

Alguns dos seus maiores exploradores de há 500 anos, como Colombo, Caboto, Vespucci, Verrazzano, formaram-se em Itália, mas acabaram por navegar e conseguir as suas conquistas sob bandeiras estrangeiras.

A raiz do problema, ontem como hoje, é política. Tal como as cidades-estado rivais do século XVI, a Europa atual encontra-se fragmentada e fraca.

As capitais chocam em matérias de energia, dívida, migração ou política industrial; uma estratégia de defesa comum continua a ser apenas uma ambição; e planos arrojados para investir em tecnologia ou aprofundar os mercados de capitais naufragam em discussões intermináveis.

Foi esta desunião que condenou a Itália, tornando-a presa fácil de potências estrangeiras que acabariam por dividir a península.

E as divisões atuais do bloco deixam-no vulnerável perante concorrentes globais: Washington dita a defesa; a Rússia ameaça o leste europeu; a China domina as cadeias de abastecimento; e Silicon Valley impera na economia digital.

Mas o desfecho não está escrito.

A UE construiu instituições que a Itália renascentista jamais poderia imaginar: um mercado único, uma moeda comum, um parlamento. Continua a acolher centros de investigação de referência mundial e destaca-se na indústria avançada, na farmacêutica, na aeronáutica, nas energias verdes e no design. O continente ainda pode liderar — mas só se decidir agir, realça Andrea Dugo.

A Itália do século XVI não teve essa oportunidade. A geografia prendeu-a ao Mediterrâneo enquanto as rotas comerciais se deslocavam para o Atlântico, e o comércio entrou em estagnação. Novas tecnologias navais deixaram as suas frotas para trás e os seus melhores talentos procuraram fortuna noutros lugares.

A Europa, porém, não enfrenta essa limitação. Nada a impede — a não ser a sua própria timidez política e a fragmentação interna.

O bloco precisa de aceitar custos agora para evitar o maior dos custos mais tarde: a irrelevância. Tem de investir de forma decidida em tecnologias como a IA, a computação quântica, o espaço e a biotecnologia, construir uma defesa credível e criar mercados de capitais que permitam às startups crescer em casa.

As receitas são conhecidas. Mario Draghi, antigo primeiro-ministro italiano, detalhou-as no seu relatório sobre o futuro da UE. O que falta é vontade política.

Outrora o coração pulsante da Europa, a Itália tornou-se, com o tempo, uma terra de visitantes em vez de inovadores. E a lição da história é clara: a cultura permaneceu, mas o poder desvaneceu-se.

A UE ainda tem tempo para evitar esse destino. Os europeus podem acordar — ou resignar-se a transformar o continente num lugar de monumentos e memórias, conclui Andrea Dugo.


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