
O governo chinês alertou os seus cidadãos para não visitarem o Japão, numa altura em que a tensão em torno de Taiwan aumenta após declarações da nova primeira-ministra japonesa, Sanae Takaichi. Pequim considera que pela primeira vez em 80 anos um líder japonês “lançou uma ameaça militar contra a China”.
A China emitiu um alerta aos seus cidadãos para evitarem viajar para o Japão nos tempos mais próximos, naquele que é o primeiro gesto significativo de retaliação por parte de Pequim, após declarações recentes da primeira-ministra Sanae Takaichi, que afirmou esta semana que Tóquio poderia intervir militarmente caso a China recorresse à força contra Taiwan.
“Recentemente, líderes japoneses fizeram declarações abertamente provocatórias sobre Taiwan, prejudicando gravemente o ambiente para contactos interpessoais entre a China e o Japão e colocando em risco significativo a segurança e a vida dos cidadãos chineses no Japão”, afirmou o Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês num comunicado divulgado na noite de sexta-feira, citado pelo The Japan Times.
“O Ministério dos Negócios Estrangeiros, bem como a Embaixada e os Consulados da China no Japão, recordam solenemente aos cidadãos chineses que devem evita viajar para o Japão num futuro próximo”, acrescentou a mesma nota.
Segundo o South China Morning Post, este sábado, três das maiores companhias aéreas chinesas — Air China, China Southern e China Eastern — publicaram nos seus sites comunicados a oferecer reembolsos totais ou alteração de datas para voos com destino ao Japão, desde sábado até 31 de dezembro.
O aviso do governo chinês aos seus cidadãos para não visitarem o Japão, uma medida que pode ter um impacto significativo no turismo, foi o primeiro passo concreto de Pequim para penalizar Tóquio pelas declarações de Takaichi, a nova Dama de Ferro do Japão, recentemente eleita como primeira mulher a liderar o governo japonês.
Os turistas chineses representam quase 1/4 do total de visitantes estrangeiros ao Japão, segundo dados da Agência Japonesa de Turismo, com quase 7,5 milhões de cidadãos do continente chinês a visitarem o país nos primeiros nove meses deste ano.
A China tem um historial de recorrer a instrumentos económicos para pressionar o Japão. Em 2010, foi amplamente interpretado que Pequim tinha suspendido, de forma não oficial, as exportações de terras raras para o Japão durante uma disputa em torno das Ilhas Senkaku, administradas pelo Japão mas reclamadas pela China.
No dia 7, Takaichi rompeu com anos de precedentes no passado, ao sugerir no parlamento que o Japão poderia prestar apoio militar a Taiwan em certos “cenários de pior caso”, como um ataque chinês à ilha democrática.
“Se forem usados navios de guerra e um bloqueio naval envolver o uso da força, creio que isso constituiria uma ‘situação de ameaça à sobrevivência’ para o Japão”, afirmou Takaichi, sugerindo que estariam reunidas as condições para mobilizar as Forças de Autodefesa ao abrigo do direito à autodefesa coletiva.
Tanto o Japão como a China têm procurado manter a estabilidade numa relação cada vez mais tensa, com ambos os países a comprometerem-se a promover uma “relação mutuamente benéfica baseada em interesses estratégicos comuns”.
Pequim exigiu repetidamente que Takaichi retirasse as suas declarações, um pedido que a primeira-ministra recusou — embora esta tenha suavizado o discurso esta semana, alegando que não pretendia contradizer as posições de governos anteriores, que deliberadamente deixaram vagas as respostas de Tóquio a uma eventual ação chinesa sobre Taiwan.
Ainda assim, tal não foi suficiente para apaziguar a China, que considera Taiwan “o núcleo dos seus interesses fundamentais” e tem prometido trazer a ilha democrática de 23 milhões de habitantes sob o seu controlo, recorrendo à força se necessário.
Também na sexta-feira, o Ministério da Defesa da China advertiu o Japão contra qualquer possível intervenção militar no caso de Taiwan.
“Se o lado japonês não souber tirar lições da história e ousar correr riscos, ou mesmo recorrer à força para interferir na questão de Taiwan, apenas sofrerá uma derrota esmagadora perante o Exército Popular de Libertação, de vontade de aço, e pagará um preço elevado”, declarou o porta-voz Jiang Bin.
O Diário do Povo, jornal oficial do Partido Comunista Chinês, afirmou num editorial publicado sexta-feira que as declarações de Takaichi representaram a primeira vez em 80 anos que um líder japonês “lançou uma ameaça militar contra a China”.
Na quinta-feira, Lin Jian, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China, alertou que qualquer tentativa do Japão de intervenção armada no Estreito de Taiwan “seria um ato de agressão e receberia certamente uma resposta firme da China”.
Recentemente, as forças armadas chinesas intensificaram os treinos e exercícios militares perto da ilha, deixando Tóquio apreensiva e levando altos responsáveis do governo e do partido no poder a afirmar que uma emergência em Taiwan representaria também uma emergência para o Japão.
Estes receios são amplamente apontados como fator determinante por detrás do reforço das capacidades de defesa nipónicas.
Segundo especialistas, embora a declaração inédita de Takaichi sobre Taiwan possa não indicar uma mudança clara de política em relação a Taipé, as suas palavras, sejam ou não a posição oficial de Tóquio, devem ser vistas como parte de uma evolução gradual e mais ampla da relação do Japão com Taiwan e do crescente receio face às intenções da China sobre a ilha democrática.