A primeira investigação em humanos sobre o impacto da tirzepatida na actividade cerebral mostrou que este medicamento para a diabetes de tipo 2 e para a obesidade, comercializado em Portugal desde há cerca de um ano com o nome Mounjaro, suprime a sinalização no “centro de recompensa” do cérebro, mas apenas temporariamente.
O estudo de caso, desenvolvido pela Faculdade Perelman de Medicina da Universidade da Pensilvânia (EUA), e publicado esta segunda-feira na revista Nature Medicine, analisou o impacto da tirzepatida, um agonista do receptor do peptídeo-1 semelhante ao glucagão (GLP-1) e do polipeptídeo insulinotrópico dependente da glicose (GIP), no núcleo accumbens, uma região cerebral associada ao prazer, motivação e recompensa. E mostrou que o fármaco reduz os desejos por comida numa pessoa com obesidade e compulsão alimentar periódica, o distúrbio alimentar mais comum nos EUA. Porém, conclui que os inibidores de GLP-1 e GIP podem não ser ideais para tratar completamente os impulsos indesejados e que é necessária mais investigação.
Os comportamentos alimentares, incluindo a compulsão alimentar, são regulados por circuitos cerebrais que envolvem o hipotálamo e os “centros de recompensa”, incluindo o tal núcleo accumbens que regula o sistema de motivação no cérebro e orienta as decisões relacionadas com a procura do prazer e o controlo dos impulsos.
Até 60% das pessoas com obesidade relatam sentir “ruído alimentar” ou pensar constantemente em comida, o que resulta em angústia e as leva a adoptar comportamentos alimentares desregulados. O “ruído alimentar” também é extremamente comum no tratamento de distúrbios como a bulimia nervosa e até mesmo a anorexia nervosa, tendo sido já estabelecida uma associação entre a presença de compulsão alimentar e risco de suicídio e a desregulação emocional.
“Desenvolver novas formas de tratar estes pacientes é de extrema importância”, destaca, citado num comunicado da Faculdade Perelman de Medicina, o neurocirurgião e autor sénior do estudo Casey H. Halpern. “Embora muitas pessoas que tomam inibidores de GLP-1 e GIP relatem uma redução no ‘ruído alimentar’, esses medicamentos não são aprovados pela FDA [a agência reguladora dos medicamentos dos EUA] para tratar a preocupação com a comida e a impulsividade relacionada. Na verdade, o seu impacto na actividade cerebral humana apenas começou a ser estudado.”
Actividade cerebral
A equipa analisou a actividade cerebral — registada directamente com recurso a eléctrodos implantados no cérebro — de três participantes com obesidade grave e dificuldade em controlar o “ruído alimentar”. Um deles, uma mulher de 60 anos, identificada como “participante 3”, diagnosticada com obesidade grave resistente ao tratamento e diabetes de tipo 2, iniciou o tratamento com tirzepatida antes da cirurgia para implantar os eléctrodos, tendo a dose sido aumentada lentamente antes e após a operação, o que proporcionou aos investigadores uma oportunidade rara de observar como a tirzepatida afecta os sinais cerebrais relacionados com o comportamento alimentar em tempo real.
Após a implantação dos eléctrodos, e uma vez atingida a dose máxima de tirzepatida, a “participante 3” não relatou nenhuma preocupação com comida ou compulsão alimentar e a sua actividade cerebral no núcleo accumbens foi suprimida. No entanto, após um período de cinco meses, foi detectada actividade naquela região do cérebro, juntamente com relatos de compulsão alimentar grave, o que sugere que os efeitos da tirzepatida no distúrbio comportamental dessa paciente foram temporários e que o “ruído alimentar” voltou a surgir.
“Os inibidores de GLP-1 e GIP são medicamentos incríveis no que se propõem a fazer: controlar o açúcar no sangue em pessoas com diabetes de tipo 2 e na perda de peso em pessoas com obesidade”, destaca, em comunicado, a co-autora do estudo Kelly Allison, professora de psiquiatria e directora do Centro de Distúrbios Alimentares e de Peso da Faculdade Perelman de Medicina. “Esta investigação mostra-nos que eles podem ser úteis para controlar a preocupação com a comida e a compulsão alimentar, mas não na sua forma actual.”