Os alarmes soaram quando um voo fretado, que transportava 153 palestinianos oriundos de Gaza, aterrou quinta-feira passada na África do Sul, proveniente de Nairobi.


Nenhum dos passageiros possuía documentação adequada ou bilhetes de regresso, e os seus passaportes não tinham sido carimbados à saída de Israel. Também não tinham alojamento confimado. Circunstâncias que levaram as autoridades sul-africanas a retê-los dentro do aparelho antes de lhes atribuir vistos temporários de 90 dias.


Centro e trinta passageiros ficaram instalados em hostels em Joanesburgo, mas 23 pessoas partiram para outros destinos, não divulgados.

O presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, e o Ministério dos Negócios Estrangeiros da África do Sul, anunciaram que o caso está sob investigação.

A responsabilidade da viagem está a ser atribuída a uma
organização não registada, que se apresenta como um grupo humanitário de
apoio a palestinianos, a Al Madj-Europe
, a qual será dirigida por um cidadão com dupla nacionalidade, israelita e estoniana, chamado Tomer Janar Lind.


Entrevistados pela agência Reuters, dois dos membros do grupo afirmaram que viram anúncios online da Al-Madj, a propor viagens para sair de Gaza. Confirmaram que se tinham inscrito há seis meses e que as regras para a viagem previlegiavam famílias. 


Referiram que os bilhetes variavam entre 1.400 e 2.000 dólares e que lhes foi recomendado que não levassem quaisquer pertences exceto uma pequena mala, um telefone e dinheiro vivo. Disseram ainda que desconheciam o destino da viagem. Al Jazeera apurou por seu lado que muitas pessoas foram aconselhadas a efetuar pagamentos através de transferências bancárias para contas pessoais, e não para contas de organizações.




Os dois palestinianos disseram à Reuters que, na véspera da viagem receberam mensagens da Al-Majd Europe via WhatsApp a informar que a autorização de segurança tinha sido concedida. 


Saíram de Gaza em autocarros e foram levados pela passagem de Kerem Shalom, controlada por Israel, para o aeroporto de Ramon.

Sem que as autoridades carimbassem os seus passaportes, embarcaram num aparelho romeno, rumo à capital do Quénia. Em Nairobi foram transferidos para um aparelho da companhia aérea sul-africana LIFT, tendo depois aterrado em Joanesburgo.


Desde maio de 2025, mais de 350 palestinianos abandonaram Gaza ao abrigo dos voos alegadamente fretados por este grupo. 

A investigação do Haaretz, publicada este domingo, indica que os voos fretados para transportar os cidadãos de Gaza têm tido como destino
países como a África do Sul, a Indonésia e a Malásia.


Uma outra fonte afirmou à Associated Press que outro avião chegou a Joanesburgo com mais de 170 palestinianos a bordo, a 28 de outubro, mas este voo não foi denunciado pelas autoridades sul-africanas.

Em maio, a Reuters noticiou que Israel havia flexibilizado as restrições
à saída de palestinianos da Faixa de Gaza. Cerca de mil deles teriam já
sido transportados de autocarro para fora do enclave, para embarcar em
voos com destino à Europa e a outros locais, acrescentou.

As partidas exigiam um pedido de um governo estrangeiro a Israel, noticiou a Reuters na altura.

Suspeitas sobre a Al-Madj


suspeitas que a Al-Madj poderá ser uma fachada para iniciativas do governo israelita para levar os residentes de Gaza a abandonarem o território.

Embora a organização afirme ter sido fundada em 2010, o Haaretz descobriu que o seu site foi lançado apenas em fevereiro deste ano. O jornal também não encontrou provas que a organização possua, como alega, escritórios na Alemanha ou na Jerusalém Oriental ocupada. A Al-Madj também não providencia qualquer número de contacto.

Além disso, diversos links no site da organização não levam a
lado nenhum e o e-mail listado, info@almajdeurope.org, devolve uma
mensagem automática a informar que o endereço não existe.

A
Namecheap, empresa que registou o domínio, foi citada em vários
relatórios de cibersegurança sobre fraudes online devido ao seu processo
de registo simples e de baixo custo.

De acordo com a investigação do Haaretz, Tomer Janar Lind tem estado a colaborar diretamente com o Diretório de Migração Voluntária do Ministério da Defesa de Israel “para coordenar a saída de palestinianos junto do Coordenador de Atividades Governamentais nos Territórios (COGAT) do exército israelita”. Pouco se sabe sobre este Diretório, criado em março para “facilitar significativamente” os requisitos para que os palestinianos abandonassem Gaza.


O relatório do jornal acrescenta que outras organizações que tentaram organizar a evacuação de palestinianos de Gaza foram encaminhadas para o COGAT através do Diretório de Migração Voluntária. “Ao que se sabe, os seus esforços foram infrutíferos”, afirmou o Haaretz.


Segundo o jornal, Lind não nega ter organizado voos para palestinianos, mas recusou-se a divulgar mais informações.


Ativistas e grupos humanitários afirmam que, no mínimo, se trata de um esquema que explora famílias desesperadas que fogem da guerra. 

África do Sul investiga


O relatório do Haaretz sublinha que o secretismo em torno dos voos está a preocupar
grupos de defesa dos direitos humanos e o governo da África do Sul
expressou igualmente desconfiança.


“São habitantes de Gaza que, de alguma forma misteriosa, foram colocados num avião que passou por Nairobi e veio parar aqui”, disse o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, na sexta-feira.


Acrescentou que “parece que estavam a ser expulsos” de Gaza. Os serviços de informação da África do Sul estão a investigar o incidente, sublinhou.


Esta segunda-feira, o ministro sul-africano dos Negócios Estrangeiros, Ronald
Lamola, cujo Governo há muito apoia as aspirações nacionais
palestinianas e acusa Israel de genocídio na guerra de Gaza, confirmou que as autoridades sul-africanas estão a investigar o
que chamou de circunstâncias suspeitas da chegada do avião.


“Parece representar uma agenda mais ampla para remover os palestinianos da Palestina”, disse Lamola em conferência de imprensa. Lamola afirmou que “neste momento, as informações que temos são de
que não possuíam as aprovações e licenças necessárias”, acrescentando
que o assunto está sob investigação.

Questionado sobre os comentários de Lamola, um porta-voz do Governo israelita disse que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu “deixou claro que, se os palestinianos quiserem sair, devem ter permissão para sair da Faixa de Gaza. E se quiserem voltar para a Faixa de Gaza, também devem ter permissão para voltar”.

O porta-voz não abordou directamente a questão de como o grupo de palestinianos foi parar à África do Sul.

O COGAT afirmou que os habitantes de Gaza abandonaram a região após terem recebido autorização de um terceiro país, para os receber, e que possuíam vistos válidos.



O pedido de saída incluía “documentos que confirmavam a autorização de desembarque na África do Sul”, segundo o organismo israelita.

A Embaixada da Palestina na África do Sul afirma que o grupo oriundo de Gaza foi vítima de “uma organização não registada e enganadora que explorou as trágicas condições humanitárias do nosso povo em Gaza, iludiu famílias, recolheu dinheiro das mesmas e facilitou as suas viagens de forma irregular e irresponsável”.

A declaração diplomática refere que “esta entidade tentou posteriormente eximir-se de qualquer responsabilidade quando surgiram complicações”. Alertou ainda os residentes de Gaza “para que evitem cair nas mãos de redes de tráfico humano, traficantes de sangue e agentes de deslocamento”.