A Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou, na última sexta-feira (14/11), um marco importante para a saúde materna: as primeiras diretrizes internacionais voltadas exclusivamente ao manejo da diabetes durante a gravidez. A condição, que afeta cerca de uma em cada seis gestantes, representa aproximadamente 21 milhões de mulheres por ano e exige atenção especial para proteger mãe e bebê ao longo de toda a gestação.
A publicação reúne orientações detalhadas que vão desde o diagnóstico precoce até o monitoramento contínuo da glicemia, trazendo recomendações fundamentadas em evidências para evitar complicações e ampliar o acesso a cuidados de qualidade – especialmente em regiões mais vulneráveis.
O que é a diabetes gestacional e por que ela preocupa
A diabetes gestacional surge quando hormônios produzidos pela placenta interferem na ação da insulina, fazendo com que o açúcar no sangue se eleve. Embora qualquer mulher possa desenvolver a condição, ela é mais frequente entre gestantes com histórico familiar de diabetes, excesso de peso, síndrome dos ovários policísticos, idade materna avançada ou ganho excessivo de peso na gestação. Também é mais comum em quem já teve diabetes gestacional anteriormente ou teve bebês muito grandes.
Quando não controlada, a condição pode aumentar o risco de pré-eclâmpsia, parto prematuro, natimorto, traumas no nascimento e complicações metabólicas que acompanham mãe e filho por muitos anos. O cenário se agrava em países de baixa e média renda, onde exames e medicamentos nem sempre estão disponíveis.
Diretrizes específicas para gestantes com diabetes
O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, destacou a relevância dessa publicação inédita. “Estas diretrizes são baseadas na realidade da vida e das necessidades de saúde das mulheres e fornecem estratégias claras e fundamentadas em evidências para oferecer cuidados de alta qualidade a todas as mulheres, em todos os lugares”, afirmou. O documento apresenta 27 recomendações, divididas em quatro eixos centrais: cuidados essenciais; monitoramento da glicemia; tratamento medicamentoso; exames complementares.
Alimentação e atividade física: pilares não negociáveis
A OMS reforça que todas as gestantes com diabetes (tipo 1, tipo 2 ou gestacional) devem receber aconselhamento individualizado sobre dieta e prática de exercícios. Entre as orientações estão: priorizar carboidratos de origem natural, como grãos integrais, legumes, frutas e leguminosas; reduzir o consumo de gorduras saturadas; incluir ao menos 400 g de vegetais por dia.
Em relação à atividade física, a recomendação segue o que já é indicado para gestantes sem diabetes: 150 minutos semanais de exercícios aeróbicos moderados, como caminhadas rápidas, dança ou natação, além de dois dias de fortalecimento muscular. Pequenas sessões distribuídas ao longo do dia também podem fazer diferença no controle da glicose.
Monitoramento da glicose
- Autoexame da glicemia (SMBG): passa a ser recomendado para todas as mulheres com diabetes na gravidez, sempre que possível;
- Diabetes tipo 1: o uso do monitor contínuo de glicose (CGM) é indicado. Isso porque evidências mostraram melhora significativa no tempo dentro da meta glicêmica e redução de internações neonatais;
- Diabetes tipo 2 e diabetes gestacional: o CGM não deve ser adotado de rotina, devido ao custo e à falta de evidências robustas, mas pode ser considerado caso a caso, especialmente se houver necessidade de insulina.
A organização ressalta que não existe uma frequência fixa para a realização dos testes. Isso deve ajustar-se conforme a evolução da gestação, o uso de medicamentos e as condições de cada sistema de saúde.
Tratamento medicamentoso: quando e como usar
As diretrizes detalham o tratamento ideal para cada tipo de diabetes:
- Diabetes tipo 1: a orientação é manter o mesmo esquema de insulina utilizado antes da gestação, ajustando doses conforme a progressão da gravidez. A prioridade é preservar a estabilidade e evitar trocas desnecessárias;
- Diabetes tipo 2: quando dieta e exercícios não são suficientes, o tratamento deve começar com metformina ou insulina. Se um único medicamento não controlar bem a glicose, recomenda-se a combinação dos dois;
- Diabetes gestacional: os medicamentos só entram em cena quando as mudanças de estilo de vida não bastam. A metformina aparece como uma opção eficaz, enquanto a insulina permanece como o tratamento preferencial para quadros mais complexos.
A OMS também observa que não recomenda outros agentes hipoglicemiantes – como inibidores de GLP-1 ou SGLT2 – durante a gravidez por ausência de segurança comprovada.
Exames essenciais ao longo da gestação
O documento reforça a importância de acompanhar de perto a saúde materna e o desenvolvimento fetal. As principais orientações incluem:
- Realização de um ultrassom antes das 24 semanas para todas as gestantes com diabetes;
- Antecipação desse exame para mulheres com diabetes tipo 1 ou 2, seguida de um ultrassom detalhado no segundo trimestre;
- Repetição de ultrassons após as 24 semanas, especialmente quando há necessidade de insulina ou metformina;
- Rastreamento de retinopatia e avaliação da função renal no início do pré-natal para quem já tinha diabetes antes de engravidar.
Desigualdade global: o desafio que atravessa fronteiras
As diretrizes destacam ainda as barreiras enfrentadas por gestantes em países de baixa renda. A falta de glicosímetros, sensores de glicose, fitas reagentes e até alimentos adequados torna o controle da condição ainda mais difícil. Em muitas áreas, o acesso a profissionais especializados também tem limitações.
Por isso, a OMS reforça que investir em políticas públicas, ampliar equipes multidisciplinares e garantir acesso a tecnologias essenciais é fundamental para reduzir complicações, mortalidade materna e impactos que podem atravessar gerações.