Desde que me meti nesta triste contagem sobre o fim da esquerda na Europa que os números não param de surpreender. Há dois, sim escrevi dois, governos de esquerda entre os 27 Estados-membros da União Europeia.
Em Malta, há 12 anos que o Partido Trabalhista chefia o executivo. Em Espanha, Sanchéz tem mantido miraculosamente a sua coligação com o Sumar, solicitando sempre que necessário – e necessita muitas vezes – de acordos com partidos nacionalistas e independentistas regionais (coisa pouco de esquerda). Há mais dois que namoram a ideia de governo de esquerda. Na Dinamarca, os sociais-democratas para se manter no poder assumiram, desde 2022, um governo através do centro; na Eslováquia há um governo de esquerda, sim, mas populista nacionalista, na linha de um conservadorismo social. Resta saber, ainda, o que será dos Países Baixos. Com a vitória recente dos centristas do Democratas 66, fletirão mais à esquerda ou à direita? Sabemos que, no Parlamento Europeu, integram a aliança dos liberais (ALDE)…
No que resta da Europa, por exemplo, dos seis países dos Balcãs Ocidentais apenas um, a Albânia, tem um governo de esquerda – há 12 anos. Se nos restantes países – Bósnia-Herzegovina, Macedónia do Norte, Montenegro e Sérvia – temos governos mais à direita ou ao centro, no Kosovo existe uma situação híbrida com uma coligação entre os nacionalistas de esquerda do Vetëvendosje e o centro-direita do LDK. Andorra, Arménia, Azerbaijão, Cazaquistão, Geórgia, Liechtenstein, Moldávia, San Marino e Turquia seguem a mesma linha à direita ou ao centro.
Não considero aqui, pelas suas especificidades, os casos da Rússia (praticamente, um sistema de partido único, nacionalista e conservador), Ucrânia (coligação de unidade nacional), Bielorrússia (regime autoritário), Vaticano (monarquia eletiva) e Mónaco (monarquia constitucional). Sobram, portanto, poucas e tremidas exceções: o Reino Unido, onde o Partido Trabalhista governa, mas as sondagens apontam para uma desvantagem de quase 15 pontos percentuais face ao Reform UK; a Noruega, onde Jonas Gahr Støre quase perdeu para os nacionalistas há dois meses; a coligação entre os sociais-democratas e os centristas-liberais e populistas de esquerda na Islândia; o que quer que seja, para efeitos desta análise, a coligação Fórmula Mágica na Suíça; e, como não recordar, o Javnaðarflokkurin, de centro-esquerda, nas Ilhas Faroé.
Apenas 11% dos governos europeus são de esquerda. Se fossemos mais abrangentes, poderíamos falar de cerca de 20%. Isto não quer dizer que os restantes 89% ou 80% sejam exclusivamente de direita ou direita radical
Ou seja, dos 45 executivos europeus aqui considerados, apenas cinco são marcadamente de esquerda (Espanha, Ilhas Faroé, Malta, Noruega e Reino Unido). Se fossemos mais latos, poderíamos incluir mais quatro (Dinamarca, Eslováquia, Islândia e Kosovo). Assim, com números conservadores, apenas 11% dos governos europeus são de esquerda. Se fossemos mais abrangentes, poderíamos falar de cerca de 20%. Isto não quer dizer que os restantes 89% ou 80% sejam exclusivamente de direita ou direita radical. Todavia, o ascendente de tudo o que não seja esquerda radical, esquerda ou centro-esquerda é evidente.
Nos últimos tempos, a esquerda quase só se regozijou com vitórias anti-Trump. Mark Carney, no Canadá, recuperou 20 pontos percentuais relativamente aos conservadores para ganhar as eleições em meados de 2025. O trabalhista Anthony Albanese venceu, pela mesma altura, as eleições na Austrália, construindo a sua campanha em torno duma imagem de liderança calma por oposição à imprevisibilidade de um mundo agitado por Trump. Também Zohran Mamdani ganhou a Câmara de Nova Iorque, em parte, com uma campanha “Trump-Proofing NYC”. As conquistas da esquerda, pelo menos algumas das mais recentes e emblemáticas, têm sido pela negativa, contra um rival e uma ideia de desestabilização e ameaça que ele encarna.
Há muita coisa escrita sobre o que a esquerda deve ou não fazer e sobre quais as lições a retirar dos tempos recentes. Já namorei este tema há anos e acho que, enfim, vi a luz. Se este tipo de vitórias, pela negativa, for sustentável no longo prazo, o prolongar de Trump e dos seus sucedâneos no tempo e no espaço pode dar um novo fôlego à esquerda. Quem sabe, talvez, o que a esquerda precise seja de um Trump em cada esquina.
O autor escreve segundo o acordo ortográfico de 1990