Os dois não disputam por isso o mesmo eleitorado e concordaram em divergir em quase tudo, da lei laboral ao 25 de novembro, da TAP à política externa, sobretudo face à Ucrânia. Ambos se acusaram de ser “candidatos de fação”.


Num debate menos crispado do que o do dia anterior, entre António José Seguro e André Ventura, os dois candidatos começaram por expressar estima pessoal e respeito um pelo outro.


Mas rapidamente se perceberam as divergências quanto ao papel interventivo de um presidente da República.

Marques Mendes prometeu uma “magistratura de influência”, diálogo e busca de consensos em nome da estabilidade e da paz social, António Felipe prometeu ser defensor dos trabalhadores e dos interesses dos portugueses a todo o custo. “Sou do lado dos trabalhadores”, afirmou o candidato comunista. “Um candidato de fação”, reagiu Marques Mendes, provocando protestos de António Filipe. “Sou tanto de fação como o doutor”.

A lei laboral foi a primeira divergência.


Marques Mendes não quer “dramatizar” as mexidas na lei laboral. 


Lembrando que as intenções do executivo estão ainda na fase de anteprojeto, o candidato da social-democracia sublinhou que, a nove de março [se for eleito presidente] poderá ter de se pronunciar, mas que irá aguardar por um projeto de lei para o fazer.



“Um presidente da República só se pronuncia sobre uma lei em concreto depois dela aprovada”, defendeu.

“Eu não tenho posição sobre este anteprojeto”, afirmou, “coloco-me na posição em que um presidente da República responsável deve colocar-se, “tem de ter aqui duas posições, diálogo e equilíbrio”, explicou.

Marques Mendes apelou assim ao diálogo, lembrando que um acordo serve a todos, patronato, governo e sindicatos, sobretudo a UGT, que deve “ser respeitada”, ao contrário da CGTP, “que nunca assinou um acordo”.

António Felipe reagiu de imediato, dizendo que a CGTP assinou o acordo para o salário mínimo “que nunca foi cumprido”.

De resto, “o doutor Marques Mendes está do lado do governo, é o candidato do governo em funções”, atirou, colando o adversário à polémica.



“Estamos em profunda divergência”, sublinhou António Felipe.
Marques Mendes “quer impedir a greve geral, eu quero impedir esta lei laboral”, acrescentou.

Denunciando diversas propostas, António Felipe disse compreender a “revolta dos trabalhadores” com a revisão pretendida pelo executivo da AD.

“O que está subjacente é inverter a lógica do direito do trabalho”, denunciou, o qual “passaria a ser uma arma dos empregadores contra os trabalhadores”.

“Como candidato devo pronunciar-me” sobre o que está em causa, considerou. E, “como presidente” procuraria ouvir o Tribunal Constitucional “nas questões que suscitassem dúvidas” e “sobre aquilo com que eu não concordasse” e que considerasse lesivo dos trabalhadores, “faria um apelo à Assembleia da República”, para que refletisse.Divergência 2. O 25 de novembro

Os dois candidatos divergiram igualmente sobre as comemorações do 25 de novembro, marcadas para a semana.

António Felipe denunciou-as como “uma tentativa de reescrever a história e menorizar o 25 de Abril”.

“É uma cerimónia de fação” é “passar uma ideia não correta” do que se passou nesse dia, acrescentou, afirmando que não presidiria às cerimónias de Estado comemorativas da data.

Marques Mendes considerou que um presidente em funções não pode assumir tal posição, apesar de a compreender por parte do adversário, porque, afirmou “o PCP foi o partido que foi derrotado no 25 de novembro”.

A data deve ser celebrada, defendeu, porque “não é uma data qualquer”, “é a data que impediu que Portugal caísse numa segunda ditadura de sinal contrário”.

“É uma data igualmente importante, que restituiu ao país a pureza dos ideais do 25 de abril”, afirmou o social-democrata. “Devem ser as duas assinaladas”.

Divergência 3. Estabilidade

Os dois candidatos defenderam depois a estabilidade como a prioridade das suas presidências, mas ambos revelaram um entendimento diverso sobre o conceito.

Marques Mendes disse que “o país não pode viver sempre em eleições”. Um presidente deve “garantir condições para os governos governarem e apresentarem resultados” e evitar que o populismo cresça, disse. E, “as pessoas querem tranquilidade e as empresas estabilidade”.

Vai por isso procurar estabelecer pontes.

Já António Felipe considera que o mais importante é a “estabilidade da vida das pessoas”, dando como exemplo as dificuldades de acesso ao SNS, dos jovens à habitação, dos alunos a aulas com professores. “É isto que afasta as pessoas da política”, afirmou.

“O PR tem de ter uma voz”, defendeu, promentendo usar as suas competências para garantir o cumprimento da Constituição.

“Não pretendo que o presidente da República extravase as suas competências”, prometeu ainda António Felipe, considerando importante que “as pessoas sintam que têm alguém” que as defenda.

Marques Mendes considerou que um presidente “tem de puxar o país para cima” e anunciou que, a ser eleito, a sua primeira iniciativa será enviar “uma mensagem ao Parlamento” sobre os desafio do país para os próximos 10 anos.

“Temos de ter outra ambição”, defendeu, considerando ainda que, para desempenhar o cargo “a experiência conta”.

Divergência 4. A TAP

António Felipe contestou as recentes opções para a economia portuguesa e afirmou ser “preciso que as alavancas do nosso país estejam nas mãos dos portugueses”, dando como exemplo a banca ou a TAP, pretendendo “que o Estado tenha aí um papel relevante”.

“Não tenho nada contra a iniciativa privada”, afirmou, mas “alertaria o governo para os perigos da privatização da TAP” e trataria de travar o processo corrente se fosse presidente.

Marques Mendes ripostou, lembrando que as regras de Bruxelas impedem o Estado português de ter uma participação maioritária na companhia aérea.

“O país devia saber isto”, afirmou. “Se não houver privatização, a TAP não vai crescer, pelas regras de Bruxelas, o Estado não pode meter um tostão na TAP”.

“É de elementar bom senso”, referiu. A privatização deve prosseguir, precisamente “por interesse nacional”, porque sem investimento privado, a “TAP não consegue crescer e competir”.

“Não vale a pena em matéria de facto fazer demagogia”, atirou.

“Se o Estado não tivesse intervindo a TAP hoje não existiria”, respondeu António Felipe, lembrando a polémica reestruturação de 2015, no último dia do governo de Passos Coelho, que ainda hoje faz correr tinta e provoca investigações à forma como decorreu.

Divergência 5. Ucrânia

Face a uma eventual deriva totalitária, ambos prometeram usar das competências conferidas pela Constituição para a combater.

O social-democrata lembrou que a sua candiudatura assenta precisamente na defesa de grandes valores, “defender a democracia, defender a liberdade e defender a justiça social”, relativamente “aos que querem minar a democracia”.


O candidato comunista prometeu “ser a última trave mestra da defesa da democracia”.


“Manteria os meus poderes como último reduto da defesa da democracia”, referiu.

Na política externa, António Filipe defendeu que a acção de Portugal deve ser no sentido de defender o interesse nacional e no quadro das organizações a que pertence que tenha uma voz própria.

Marques Mendes, sublinhando que o presidente de República não define a política externa, desembocou na necessidade de haver um reforço da NATO.

A guerra na Ucrânia foi o último tema em que ambos se colocaram de lados opostos.

Marques Mendes acusou António Felipe de estar ao lado do “agressor” Vladimir Putin, desafiando-o a pronunciar-se contra a invasão iniciada por Moscovo em fevereiro de 2022.

O adversário lembrou que, na verdade, o conflito “começou em 2014” e defendeu que a diplomacia deveria ter impedido a guerra de se dar.

“Os esforços diplomáticos deviam ter ido no sentido de acabar com a guerra porque quanto mais se prolongar pior para o povo ucraniano”, defendeu. “Como presidente da República, faria todos os esforços para, no plano da democracia esta questão terminasse de uma vez por todas, porque é a forma de defender o povo ucraniano”.

Marques Mendes afirmou por seu lado que “o mundo está num estado de grande imprevisibilidade”, pelo que “é necessário um presidente experiente”.

O candidato social-democrata precisa cativar votos no centro-esquerda e a sua estratégia passa por se distanciar de alguma forma do atual executivo sem alienar o seu eleitorado tradicional e sem perder para Cotrim de Figueiredo à direita e para o estreante na política, Almirante Gouveia e Melo.

António Filipe, que se negou a entregar o cartão de militante do Partido Comunista Português, pretende manter-se na corrida até ao fim, à semelhança dos últimos quatro candidatos presidenciais da CDU.

O seu objetivo será sobretudo afirmar-se como opção mais válida e mais sólida à esquerda do que o Bloco de Esquerda, representado por Catarina Martins, e procurar votos entre os socialistas que não apoiam António José Seguro.