Ainda no que diz respeito às relações com o Governo, afirmou que o seu modelo de Presidente é Mário Soares. Isso quer dizer que podemos contar que faça “presidências abertas” para demonstrar as falhas do Governo? O primeiro-ministro Cavaco Silva chegou a chamar “força de bloqueio” e “chefe da oposição” ao Presidente Soares.
Há para já uma ideia errada do que eu disse. Disse que apreciava Mário Soares, como também disse que apreciava Ramalho Eanes. Fizeram contributos importantes para a democracia, tal como Sá Carneiro, que infelizmente faleceu muito cedo. Falei sobre o contributo para a democracia.

Na realidade, disse que era o seu “modelo de Presidente”. Acha que, enquanto Presidente, Mário Soares, exerceu as funções da forma que entende que é correta ou não?
Todos os Presidentes tiveram um primeiro mandato melhor do que um segundo mandato. No segundo mandato, acho que passou para além do que seriam as suas funções normais enquanto Presidente. Mas fez um bom primeiro mandato.

No segundo mandato não correu tão bem?
Nos segundos mandatos, corre menos bem.

Isso quer dizer que só se vai candidatar a um mandato?
É uma análise que terei que fazer se for eleito.

Mas admite só fazer um mandato?
Sim, admito. Não estou a dizer que só quero fazer um mandato, mas admito fazer um mandato. Depende da análise que fizer na altura. Todos temos que fazer essas análises em cada momento.

Disse numa entrevista que “não se revê em todas as atitudes de Mário Soares”. E acrescentou: “Sou um retornado. Há coisas que me magoaram na ação de Soares.” Que coisas o magoaram?
O processo das independências foi muito atribulado. Mário Soares fez parte desse processo, enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros. A maior parte dos portugueses que viviam em África achou que não tinham sido defendidos os seus direitos. A maior parte de nós perdeu tudo. Saiu de África com os contentores, o que podia trazer dentro de um navio ou de um avião e pouco mais do que isso. Todos percebemos que estávamos num sítio errado e na hora errada, em termos históricos. O que não percebemos é como é que não fomos defendidos nos nossos interesses mais básicos.

O que é que teria feito de diferente nesse processo?
Demoniza-se muito o papel de Mário Soares nesse período, mas ele estava muito condicionado pelo próprio MFA. Os militares não queriam enviar mais um combatente para África, o que enfraquecia imediatamente qualquer posição negocial. E o contexto internacional também não nos era favorável. Mas, de facto, os retornados sentiram que foram abandonados. Esse sentimento prevaleceu durante muitos anos, na minha família, em outras famílias.

Sentiu isso pessoalmente?
Claro, mas temos que ter uma leitura histórica. Uma coisa é o que nós sentimos num determinado momento. Outra coisa é uma leitura depois de anos, com um contexto histórico e com mais informação. Temos que perceber que as condições não eram as ideais para negociar.

Mas foi o senhor que disse que Mário Soares o magoou. Portanto, está recuperar essa crítica.
Recupero a crítica porque tenho de ser equilibrado. Por um lado, digo que Mário Soares teve um papel decisivo na nossa jovem democracia. Depois do 25 de Abril, estávamos numa derrapagem perigosíssima para uma ditadura marxista-leninista. Quem parou isso, além do “Grupo dos Nove”, foi Mário Soares. É isso que aprecio em Mário Soares, essa coragem. Porque na altura era preciso ter coragem — havia militares que diziam que deviam fuzilar pessoas no Campo Pequeno. As pessoas é que não têm memória. Estivemos à beira de uma guerra civil. Não foi o homem perfeito e nenhum de nós será o homem perfeito. Quem pensar o contrário, está enganado.

O Presidente angolano, João Lourenço, falou no “colonialismo português” que “oprimiu e escravizou Angola durante séculos”. André Ventura diz que se lá estivesse como Presidente se teria levantado na hora, Marques Mendes diz que teria ficado sentado, António José Seguro também. O que teria feito no momento em que ouviu aquele discurso: ia-se embora ou ficava?
Teria feito, através dos Negócios Estrangeiros, um conjunto de reuniões e acertos que permitissem que a cerimónia fosse digna para ambos os lados. E isso não foi feito. Isto é o país do improviso. Quem não se prepara depois tem estes dissabores.

E a cerimónia não foi digna para Portugal?
Não. Percebo o lado angolano e a parte histórica angolana, mas há coisas que têm que ver com bom senso, que têm a ver com urbanidade e que têm a ver com relações entre países. Devem ser ditas, dentro do contexto histórico, mas com as palavras certas e com as expressões certas.

E acredita que isto só aconteceu porque João Lourenço não leva Marcelo Rebelo de Sousa a sério do ponto de vista institucional?
Acho que faltou diálogo prévio e preparação. Não andamos no mundo ao sabor do vento e das marés.

Então responsabiliza Marcelo Rebelo de Sousa por este incidente?
Não. O que digo é que responsabilizo a forma como o Estado opera de forma muito pouco profissional. E nós devemos ser mais profissionais.

Mas se fosse Presidente da República podia igualmente ter sido surpreendido por uma afirmação similar, mesmo com essa preparação. Ter-se-ia levantado naquele momento?
Não. Há coisas que não podemos fazer em termos protocolares. Mas depois usaria todos os meios diplomáticos…

Teria sido mais duro nas declarações aos jornalistas?
Sim, seria mais duro.

A reação do Presidente português foi de alguma forma humilhante para o país?
Está a tentar provocar em mim uma resposta. Não vou por aí. Isso, para mim, já é pequena política. É o “diz que disse”. Não me parece que seja a coisa mais importante.