Desenvolver novas terapias para doenças neurológicas como o AVC, a epilepsia e a esclerose lateral amiotrófica, criar um dispositivo implantável para tratar o glioblastoma e melhorar a avaliação do risco de desenvolver autismo são os principais objetivos dos três projetos liderados por investigadores do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S), que acabam de ser distinguidos no âmbito do concurso de Investigação em Saúde da Fundação ”la Caixa”. O financiamento total ascende a quase três milhões de euros.

As três propostas do i3S estão entre um total de 34 projetos (portugueses e espanhóis) de investigação biomédica de excelência, que vão receber mais de 26 milhões de euros. Nesta oitava edição, foram apresentadas 714 propostas de investigação básica, clínica e translacional, tendo sido selecionadas nove portuguesas e 25 espanholas.

No âmbito deste concurso, a Fundação “la Caixa” concede até 500 mil euros a projetos com uma única instituição de investigação envolvida e até um milhão de euros a consórcios de investigação formados por várias instituições, como acontece com os projetos liderados por investigadores do i3S.

Uma nova forma de combater os danos cerebrais a partir do interior

Liderado por Ana Paula Pêgo, líder do grupo «NanoBiomaterials for Targeted Therapies» do i3S, o projeto «MIND» foi financiado pela Fundação “la Caixa” e pela FCT com um milhão de euros e vai focar-se nas doenças neurológicas, como o acidente vascular cerebral (AVC), a epilepsia e a esclerose lateral amiotrófica (ELA), que afetam milhões de pessoas em todo o mundo, provocando frequentemente incapacidades a longo prazo ou mesmo a morte.

Uma das principais causas do dano cerebral associado a estas doenças, explica a investigadora do i3S, “é a acumulação no cérebro de uma substância química que, em excesso, leva à morte neuronal. Apesar de décadas de investigação, nenhum tratamento conseguiu até agora proteger eficazmente o cérebro deste processo”. Embora a maioria dos estudos se tenha centrado em formas de neuroproteção focando-se nos neurónios, Ana Paula Pêgo considera que a chave poderá residir noutro tipo de célula cerebral: os astrócitos.

Este projeto propõe uma nova estratégia de proteção cerebral, que consiste em aumentar a eficiência dos astrócitos. Conforme explica Ana Paula Pêgo, “os astrócitos eliminam o excesso da substância química nociva, mas durante um AVC ou outro evento neurológico agudo, não conseguem manter o equilíbrio, o que leva à acumulação de danos”.

Como tal, a equipa propõe uma solução inovadora: “Introduzir diretamente nos astrócitos instruções úteis através de ARN mensageiro (mRNA) que dão indicações às células para produzir mais quantidade de uma proteína essencial para eliminar a substância química tóxica”. Para garantir a segurança e eficácia do tratamento, os investigadores estão a desenvolver pequenas partículas inteligentes capazes de libertar a sua carga apenas nas áreas danificadas do cérebro.

O projeto, que será desenvolvido em consórcio com os investigadores Francisco Campos, do Instituto de Investigación Sanitaria de Santiago de Compostela (IDIS) (Espanha), e Ben Maoz, da Universidade de Telavive (Israel), inclui ainda o desenvolvimento de um modelo tridimensional (3D) relevante para mimetizar o cérebro humano, que «permitirá testar a terapia em condições fisiológicas realistas, bem como a utilização de ferramentas de imagem avançadas para monitorizar os efeitos do tratamento, que será testado no contexto do AVC», sublinha Ana Paula Pêgo.

Se alcançar os objetivos propostos, garante a cientista, «esta abordagem poderá abrir caminho a novas terapias, não só para o AVC, mas também para outras doenças cerebrais com mecanismos semelhantes de dano neuronal».

Dispositivo implantável para administração de fármacos contra o glioblastoma

Financiado com 990 mil euros, o projeto liderado por Bruno Sarmento, em consórcio com os investigadores Bruno Costa, da Universidade do Minho, e Álvaro Mata, da Universidade de Nottingham (Reino Unido), vai centrar-se no tratamento do glioblastoma, o tipo de cancro cerebral mais letal em adultos. Os tratamentos atuais, que incluem cirurgia, radioterapia e quimioterapia e pouco têm evoluído nas últimas duas décadas, apresentam resultados limitados devido à resistência do tumor e à dificuldade em dirigir fármacos diretamente ao cérebro.

A equipa pretende revolucionar o tratamento do glioblastoma através do desenvolvimento de um sistema terapêutico implantável capaz de libertar moléculas anticancerígenos diretamente no cérebro após a cirurgia de remoção do tumor. O sistema, explica Bruno Sarmento, “foi concebido para libertar, de forma controlada e gradual, uma combinação de fármacos que combatem o cancro de forma mais eficaz e reduzem a necessidade de quimioterapia diária”.

O projeto, adianta, “envolve o desenho de um novo tipo de implante, capaz de libertar fármacos quimioterápicos, inibidores da resistência ao tratamento e sequências de ARN dirigidos especificamente às células cancerígenas”.  O objetivo, sublinha Bruno Sarmento, é que “esta estratégia inovadora melhore a efetividade dos fármacos, reduza os efeitos secundários e aumente a sobrevivência e a qualidade de vida dos doentes”.

Para já, os dados preliminares são promissores: “O novo sistema demonstrou reduzir significativamente o crescimento tumoral em modelos laboratoriais. Os resultados esperados incluem maiores taxas de sobrevivência, menores efeitos adversos e um novo padrão de cuidados para doentes com glioblastoma”, garante o líder do grupo «Nanomedicines & Translational Drug Delivery» do i3S. Estes avanços, adianta Bruno Sarmento, “poderão ainda abrir caminho ao desenvolvimento de tratamentos semelhantes para outros tipos de tumores cerebrais, com impacto significativo na saúde pública e nos custos dos sistemas de saúde”.

Como pequenas alterações no ADN moldam o cérebro em desenvolvimento

Sabe-se que o transtorno do espectro autista (TEA), que afeta aproximadamente uma em cada 44 crianças, tem uma forte base genética. No entanto, a maioria das alterações genéticas associadas ao TEA não se encontra propriamente nos genes, mas nas regiões não codificantes do ADN que controlam a ativação e inativação dos genes. A equipa liderada pelo investigador do i3S Diogo Castro quer compreender como essas alterações influenciam o desenvolvimento cerebral com o objetivo de “explicar a origem do TEA e melhorar os métodos de avaliação do risco de desenvolver este transtorno”.

Este projeto, financiado pela Fundação “la Caixa” em colaboração com a FCT com mais de 730 mil euros, visa descobrir o efeito dessas alterações genéticas não codificantes no desenvolvimento do cérebro, especialmente nas primeiras etapas, durante a formação da estrutura cerebral.

As equipas do consórcio, que inclui os investigadores Gaia Novarino, do Institute of Science and Technology Austria (ISTA) (Áustria), e Justin O’Sullivan, do The Liggins Institute, University of Auckland (Nova Zelândia), vão utilizar ferramentas avançadas para analisar milhares de variantes genéticas e observar como elas influenciam a atividade genética de células cerebrais humanas cultivadas em laboratório.

Além disso, explica Diogo Castro, “vamos utilizar ferramentas de inteligência artificial para identificar quais das alterações genéticas associadas com o TEA têm um maior valor de prognóstico. Isto levará à criação de um modelo que poderá ajudar a prever quais as crianças que estão em risco de desenvolver TEA, permitindo assim um diagnóstico e intervenção precoces”.

Para compreender como essas alterações afetam o desenvolvimento cerebral, os investigadores do projeto, “vão editar variantes genéticas específicas em células estaminais e cultivá-las em minicérebros ou organoides. Isso permitirá observar o efeito das alterações na formação e no funcionamento do tecido cerebral”. O projeto conta com a participação de especialistas em desenvolvimento cerebral, genética e ciência de dados, estando como tal bem posicionado para enfrentar um desafio complexo.

Sobre o concurso de Investigação em Saúde da Fundação ”la Caixa” de 2025

A cerimónia de entrega dos prémios decorreu no dia 20 de novembro no Museu de Ciência CosmoCaixa. Segundo Àngel Font, subdiretor-geral de Investigação e Bolsas da Fundação ”la Caixa”, «a investigação biomédica é uma das formas mais poderosas de melhorar a vida das pessoas. Os 34 projetos premiados abordam desafios muito diversos a partir de diferentes perspetivas, mas todos partilham três eixos fundamentais para avançar rumo a um futuro mais promissor para os doentes e as suas famílias: colaboração, talento e inovação”. De acordo com a Fundação la Caixa, os projetos portugueses deste ano sobressaem pelo seu carácter inovador e elevado impacto social.

Este ano, A Fundação la Caixa desenvolveu acordos com a Fundação Breakthrough T1D e com a Fundação Luzón, o que permitiu dar maior destaque ao financiamento de iniciativas centradas na diabetes tipo 1, com dois projetos financiados, e na esclerose lateral amiotrófica (ELA), com um projeto financiado. O concurso conta ainda com a colaboração da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), que destinou 1,8 milhões de euros para financiar três dos nove projetos portugueses premiados nesta edição.

Desde o início do programa em 2018, o montante total do concurso de Investigação em Saúde da Fundação ”la Caixa” ascende a 172,3 milhões de euros para 234 projetos, dos quais 162 são liderados por equipas espanholas e 72 por grupos de investigação portugueses.