O projecto da central fotovoltaica Sophia, que abrange os concelhos de Idanha-a-Nova, Penamacor e Fundão, no distrito de Castelo Branco, tem sido alvo de um coro de críticas. A mais recente contestação vem da parte da Comunidade Intermunicipal da Beira Baixa, que emitiu um parecer desfavorável ao projecto de energia solar no âmbito da consulta pública.

Esta posição da Comunidade Intermunicipal da Beira Baixa – que representa os municípios de Castelo Branco, Idanha-a-Nova, Oleiros, Penamacor, Proença-a-Nova, Sertã, Vila de Rei e Vila Velha de Ródão – vem reforçar o descontentamento da região com a possível central de energia solar. Os três concelhos que poderão ser directamente afectados pelo Sophia (Idanha-a-Nova, Fundão e Penamacor) já se tinham manifestado contra o polémico projecto.

Esta semana, as organizações ambientalistas Zero, FAPAS (Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade) e Rewilding Portugal, assim como a plataforma cívica Juntos pelo Divor, emitiram separadamente comunicados a contestar o projecto.

Embora as quatro entidades reconheçam a importância da transição energética, afirmam também que esse ponto não justifica os riscos associados à iniciativa. Opinião semelhante têm a associação ambientalista Quercus e o partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN), que já tinham alertado este mês para as consequências ambientais desta iniciativa.

No dia em que termina o período de consulta pública do projecto Sophia, o Azul analisa o que está na origem de tanta contestação à volta desta central fotovoltaica em Castelo Branco.

Espécies em risco

A área prevista para o projecto Sophia, que contempla a instalação de 425.600 módulos fotovoltaicos numa área de mais de 520 hectares,​ inclui zonas do geoparque Naturtejo (património da humanidade da UNESCO), da Reserva Agrícola Nacional e da Reserva Ecológica Nacional.

A Naturtejo, entidade que gere o Geoparque Naturtejo da UNESCO, manifestou também esta quinta-feira oposição não só ao projecto fotovoltaico Sophia, mas também ao da Beira. “Esta posição fundamenta-se na ausência de garantias quanto ao cumprimento dos compromissos internacionais assumidos por Portugal para a protecção do ambiente, do património e da paisagem”, sublinhou a Naturtejo em comunicado. ​


Segundo a FAPAS, “o Estudo de Impacte Ambiental (EIA) indica que o projecto implicará o abate de 1541 árvores protegidas, incluindo sobreiros e azinheiras, espécies fundamentais nos montados da região, bem como a destruição de mais de um hectare de montados de Quercus spp. de folha perene.”

A Zero também deu esta quinta-feira um parecer desfavorável ao projecto Sophia devido aos impactos a nível socioeconómico e ambiental subvalorizados pelo EIA, que, segundo a associação ambientalista, contém deficiências, omissões graves e conclusões enviesadas.

O EIA também é referido no comunicado da Rewilding, que indica que o estudo registou “231 espécies de vertebrados na área em causa”. Entre as espécies mais sensíveis estão a cegonha-preta, o abutre-preto, a águia-imperial e várias espécies de quirópteros, anfíbios e répteis protegidos, refere o documento.

“O projecto estende-se por três concelhos e integra duas linhas de muito alta tensão (400 kV), com cerca de 22 km cada”, revela a organização. “Estas linhas atravessam zonas agrícolas, povoamentos florestais e vales de ribeiras que mantêm ainda uma conectividade ecológica relevante.”

A Rewilding adianta ainda que “as medidas compensatórias propostas, como a conversão de 135 hectares de eucalipto em azinheiras e sobreiros, num total de 228 hectares de compensação ecológica, não demonstram ganhos líquidos de biodiversidade e não eliminam a perda irreversível de habitats locais.”

Impacto no território

A Comunidade Intermunicipal da Beira defende que a transição energética deve decorrer de forma equilibrada, com respeito pelo ordenamento do território, pelo ambiente, pela biodiversidade e geodiversidade, pelo potencial produtivo dos espaços agro-florestais e pela qualidade de vida, quer de quem habita, como de quem visita o território.

“A Beira Baixa distingue-se por ser palco de paisagens naturais únicas e habitat de valores naturais excepcionais, que justificam a classificação de partes significativas do seu território com diferentes e importantes estatutos – paisagem protegida, monumento natural, reserva natural, parque natural, zona especial de conservação, zona de protecção especial, geoparque mundial, reserva da biosfera – a que se somam o território Terras do Lince (Carta Europeia de Turismo Sustentável) e duas biorregiões (Idanha e Lusitânia)”, recorda a entidade intermunicipal numa nota citada pela Lusa.


A Comunidade Intermunicipal refere que o parecer desfavorável teve em conta a significativa e contínua extensão da área que se prevê artificializar, as consequências nefastas, dada a escala da instalação, sobre outros usos do território e os impactos não negligenciáveis sobre os espaços de conservação e de produção abrangidos, os habitats e espécies de fauna e flora protegidas.

Alternativas sustentáveis

A associação Zero defende que há cinco anos alerta para a necessidade de ordenar as actividades de produção de energia renovável e identificar áreas que evitem consequências significativas na paisagem, nos valores naturais e que beneficiem de aceitação social e de partilha de benefícios.

“Portugal precisa de eliminar o consumo de combustíveis fósseis, mas o foco em mega-centrais pode estar a desvirtuar outras frentes necessárias da transição energética: aposta na eficiência energética, nas comunidades de energia e mobilidade”, defendem os especialistas da Zero.

A Zero defende que a central Sophia ilustra bem uma estratégia de descarbonização desequilibrada e teme que “a enorme contestação que se está a gerar à volta deste megaprojecto possa criar um ambiente social desfavorável à aceitação das energias renováveis em Portugal”.

A FAPAS, por sua vez, afirma que “a transição energética não pode ocorrer a qualquer custo e exige a suspensão imediata do processo de licenciamento e a adopção de alternativas mais sustentáveis, como projectos solares distribuídos em áreas menos sensíveis (como telhados em zonas industriais e urbanas ou em infra-estruturas como auto-estradas)”.

A plataforma Juntos pelo Divor assume uma posição semelhante. “Numa região como esta, são possíveis projectos de parques solares fotovoltaicos com uma dimensão que não prejudique a biodiversidade, a paisagem, o património e a qualidade de vida das populações, utilizando prioritariamente zonas degradadas, industriais ou já artificializadas e nunca áreas rurais vivas e com ecossistemas sensíveis”, refere a nota da plataforma.

“Não compreendemos nem concordamos que continue a aceitar-se a submissão de projectos com esta dimensão sem que esteja publicado o anunciado Mapa Verde”, questionam ainda, referindo-se à proposta do Governo para designar áreas preferenciais para a produção de renováveis.

No entender da Juntos pelo Divor, “são possíveis projectos que não colidam com actividades económicas sustentáveis, que geram emprego e fixam trabalhadores, como é o caso da agricultura, da pecuária, do turismo em espaço rural, do turismo de natureza e do turismo cultural”.

BE questiona Comissão Europeia

Há uma semana, a deputada do Bloco de Esquerda (BE), Catarina Martins, afirmou numa nota imprensa: “Não precisamos destes grandes parques de painéis fotovoltaicos com um impacto tão brutal ao nível ambiental, que arruínam terrenos agrícolas e com consequências tão graves para as populações daquelas regiões, sobretudo quando podemos ter energia solar descentralizada que faz baixar a conta da luz para toda a gente.”

“A transição energética tem de ser feita com as pessoas e não contra as pessoas”, acrescentou Catarina Martins.

A deputada do BE também questionou a Comissão Europeia quanto à legitimidade deste projecto dentro das normas europeias a nível ambiental, nomeadamente a Directiva Habitats e a Directiva das Aves, a estratégia do Pacto Ecológico Europeu e ainda os critérios de sustentabilidade e uso eficiente dos solos e o princípio da não-regressão ambiental.

Texto editado por Aline Flor e Andréia Azevedo Soares