Após brilhar nas livrarias e nos palcos dos teatros, as bruxas Elphaba e Glinda concluem sua trajetória nos cinemas com “Wicked: parte 2”, com sessões a partir de hoje nos cinemas, um ano após o lançamento do primeiro longa, vencedor dos Oscars de melhor figurino e melhor design de produção. Mas a história não acaba ao fim de cada sessão: o filme é apenas o mais novo capítulo de uma “wickedmania” que promete ser tão duradoura como a do clássico que o inspirou, “O mágico de Oz”, que lançou Judy Garland em 1939.

— Quando comecei a pensar em adaptar “Wicked”, fiquei com medo de ser um musical à moda antiga. A maior parte do texto e das letras foi escrita há mais de 20 anos. Mas a verdade por trás dessa história ainda é profundamente atual. Quando escuto “algo mudou dentro de mim/ algo não é mais o mesmo/ cansei de jogar pelas regras do jogo de outra pessoa” (versos do hit “Defying gravity”), sinto que é algo que fala muito com o momento do mundo — destacou o diretor Jon M. Chu em sua passagem por São Paulo para divulgar a obra no mês passado, ao lado da atriz Cynthia Erivo e do ator Jonathan Ba’iley, recém-eleito o homem mais sexy do mundo pela revista People. — É um filme que fala sobre fake news e sobre o que acontece quando damos muito poder a alguém.

Releitura de “O maravilhoso mágico de Oz”, livro de 1900 de L. Frank Baum, “Wicked” também nasceu na literatura. Em 1995, “Wicked: a história não contada das bruxas de Oz”, de Gregory Maguire, fez da “bruxa má do Oeste” uma mulher injustiçada que tenta proteger os animais e rompe com o mágico que busca dominar Oz sob um regime de medo e tirania. A obra se tornou um best-seller e oito anos depois foi adaptada como musical da Broadway, com letra e música de Stephen Schwartz.

Cynthia Erivo e Ariana Grande em cena de "Wicked: Parte 2" — Foto: Divulgação / Universal Pictures Cynthia Erivo e Ariana Grande em cena de “Wicked: Parte 2” — Foto: Divulgação / Universal Pictures

Lançado em outubro de 2003, com Idina Menzel e Kristin Chenoweth à frente do elenco, o espetáculo segue até hoje em cartaz em Nova York, onde já faturou mais de US$ 1,7 bilhão em mais de 8.500 apresentações. É o musical com a segunda maior bilheteria da história do teatro americano, atrás de “O rei leão”, com faturamento de US$ 2,1 bilhões.

“Wicked” ganhou inúmeras montagens pelo mundo, incluindo no Brasil, onde está em cartaz no Teatro Renault, em São Paulo, até o dia 21 de dezembro. Aqui, o musical já vendeu mais de um milhão de ingressos, numa prova da força da tal “wickedmania” no país.

— Wicked é um musical do século XXI, com temas que ficaram mais contundentes na última década. Cria uma base de superfãs que permanece mobilizada com o universo da história por muito tempo — conta Carlos Cavalcanti, presidente do Instituto Artium de Cultura, produtor de “Wicked” no Brasil.

Myra Ruiz decola voo em "Wicked — O musical", montagem brasileira de musical da Broadway — Foto: Divulgação / João Caldas Filho Myra Ruiz decola voo em “Wicked — O musical”, montagem brasileira de musical da Broadway — Foto: Divulgação / João Caldas Filho

A produção brasileira criou até uma espécie de programa de fidelidade, chamado Melhor Aluno de Shiz. O espectador cadastrado ganha pontos a cada apresentação a que assiste. Quem vê o musical duas vezes, por exemplo, ganha um botton. Para os prêmios máximos, como uma cobiçadíssima vassoura de Elphaba ou uma varinha de Glinda, é preciso ver a peça ao menos 30 (!) vezes. O programa já distribuiu 16.883 bottons, 75 vassouras e 38 varinhas (dados entre março e setembro).

“‘Wicked’ está levando todo o dinheiro da minha casa. A peça fez esse esquema de pirâmide que vai carimbando até ganhar a vassoura da bruxa. Tem que vir 30 vezes. Eu já fiz o cálculo, dá um carro popular”, brincou o ator e apresentador Paulo Vieira em vídeo publicado nas redes sociais, no qual revelou a paixão da companheira, Ilana Sales, pelo musical. O casal, inclusive, marcou presença na première brasileira do filme “Wicked: parte 2” em São Paulo.

Quem também já assistiu ao novo longa foi a cantora Priscilla, que recentemente abandonou o sobrenome Alcantra de seu nome artístico. Ela explica por que o musical a inspira como artista.

— É muito legal quando a gente vê este movimento artístico que usa a fantasia para se comunicar com a realidade. “Wicked” aborda diversidade, status, gênero e muitos outros pontos relevantes. Elphaba é vítima de uma fake news e, mesmo sendo alvo de informações desvinculadas, permaneceu fiel à verdade e à identidade dela — aponta.

Com faturamento mundial de US$ 756 milhões, “Wicked”, o filme de 2024, superou os US$ 706 milhões de “Mamma mia!” (2008), assumindo o posto de adaptação cinematográfica da Broadway de maior bilheteria da História, recorde que pode ser batido com esta continuação.

O longa-metragem ajudou a impulsionar outros recordes. No fim do ano passado, o musical se tornou a primeira (e, por enquanto, a única) peça da história da Broadway a superar o valor de US$ 5 milhões de faturamento em uma única semana. A trilha sonora do filme logo assumiu a liderança nas paradas da Billboard dentre os discos mais vendidos. Canções como “Popular” e “Defying gravity” acumularam milhões de execuções nas plataformas musicias.

— Por 21 anos, “Wicked” foi um fenômeno imenso, mas exclusivo do teatro musical. Agora são centenas de milhões de espectadores, nas salas de cinema e no streaming. Tornou-se um fenômeno de amplo espectro no universo cultural e do entretenimento — compara o produtor Carlos Cavalcanti.

Ex-integrante da girl band Rouge, a cantora e atriz Karin Hils, que interpreta Madame Morrible na atual montagem de “Wicked — O musical”, em São Paulo, credita aos filmes o fato de a história ter se tornado uma febre em múltiplas áreas. A nova leva de fãs chega a irritar outros espectadores da peça, ao cantar as músicas de forma tão apaixonada que atrapalham quem está na poltrona ao lado.

— A gente sente essa energia no palco, e ela faz toda a diferença — defende Hils. — Claro que existem momentos em que é importante preservar a concentração e o ritmo da cena, mas essa paixão vem do amor pela história, pelos personagens, pelos atores. É uma troca muito bonita.

Fã de "Wicked", Rafael Teles registra encontro com Myra Ruiz e Fabi Bang, as Elphaba e Glinda brasileiras — Foto: Reprodução / Arquivo pessoal Fã de “Wicked”, Rafael Teles registra encontro com Myra Ruiz e Fabi Bang, as Elphaba e Glinda brasileiras — Foto: Reprodução / Arquivo pessoal

Com cerca de 200 mil seguidores nas redes sociais, a comunidade de fãs Wicked Brasil se esforça para atualizar os apaixonados pela franquia de tudo o que está relacionado a esta história. Um dos quatro administradores da comunidade, Rafael Teles conta que conhece fãs que já ultrapassaram a marca de 50 sessões no teatro. Ele assistiu a “apenas” 16, porque mora em Goiânia.

— Cada ida ao teatro significa pegar um avião para São Paulo, planejar, encaixar agenda e juntar dinheiro. Tudo só para viver aquela experiência mais uma vez. Mas cada vez valeu a pena. Cada sessão foi como se fosse a primeira. — conta Rafael. — Por trás das músicas marcantes, do humor e do brilho, existe uma história humana sobre ser diferente e ser julgado por isso.

Teles destaca que os “contaminados” não acompanham apenas notícias, trilhas, montagens e elenco: eles absorvem e vivem a mensagem que a história passa.

— É alguém que carrega a ideia de que ser diferente é especial, que tenta enxergar o mundo com mais empatia, e que acredita na força da amizade e da coragem para fazer o que é certo — explica. — O fã de Wicked se emociona com uma nota de “Defying gravity”, se arrepia com “For good” e encontra nessa história um lugar de acolhimento.