Uma estatueta de argila com cerca de 12 mil anos foi desenterrada em uma aldeia pré-histórica com vista para o Mar da Galileia, no norte de Israel. Nela, há a imagem de uma mulher e um ganso, o que pode ser uma das mais antigas representações de uma cena mitológica do mundo. A peça é descrita em um estudo que saiu na última segunda (17) na revista Pnas (Proceedings of the National Academy of Sciences).
Os autores da pesquisa disseram que a peça, com 3,7 centímetros de altura, foi descoberta dentro de uma estrutura semicircular de pedra com aproximadamente cinco metros de diâmetro em um local chamado Nahal Ein Gev II. A aldeia fazia parte da cultura natufiana do sudoeste asiático, que abrangeu a transição pré-histórica entre caçadores-coletores nômades e comunidades baseadas na agricultura.
É a estatueta mais antiga conhecida no mundo mostrando interação humana com um animal, segundo Laurent Davin, pesquisador de pós-doutorado em arqueologia na Universidade Hebraica de Jerusalém (Israel) e autor principal do estudo. É também a mais antiga representação naturalista, em vez de estilizada, de uma mulher na arte do sudoeste asiático, acrescentou Davin.
O ganso está posicionado nas costas da mulher, que está agachada, com suas asas abertas em uma postura típica de acasalamento. A cena oferece uma visão do sistema de crenças daquela cultura pré-histórica, de acordo com a arqueóloga Leore Grosman, da Universidade Hebraica, coautora do estudo.
“Interpretamos a cena de interação como a representação do acasalamento imaginário entre um espírito animal e um humano. Esse tema é muito comum em sociedades animistas em todo o mundo em situações específicas como sonhos eróticos, visões xamânicas e mitos”, afirmou Grosman. O animismo é uma crença de que plantas, animais e objetos inanimados têm uma essência espiritual.
“A cena em si, retratando uma interação sexualizada entre um humano e um animal, faz parte de uma longa tradição na mitologia. Tais imagens raramente são destinadas a serem interpretadas literalmente. Em vez disso, frequentemente simbolizam fertilidade, crenças espirituais ou a sacralidade da vida”, disse a antropóloga Natalie Munro, da Universidade de Connecticut (EUA), também coautora do estudo.
“Em muitos mitos ao longo da história e culturas, deuses ou seres assumem formas híbridas humano-animal para transmitir significados simbólicos, não atividade sexual real,” disse Munro.
A estatueta parece ser o exemplo mais antigo de uma cena mitológica no sudoeste da Ásia e um dos mais antigos em todo o mundo —há uma aparente cena mitológica entre as pinturas da Caverna de Lascaux, na França, datada de aproximadamente 18 mil anos atrás, segundo os pesquisadores.
A estatueta foi esculpida em argila, que foi deixada para secar antes de ser queimada para torná-la durável. Posteriormente foi colorida com um pigmento vermelho, do qual ainda restam vestígios. Uma impressão digital do escultor pode ser vista na peça.
O objeto apresenta inovações artísticas para sua época. Quem a fez utilizou luz e sombra para criar uma sensação de profundidade e perspectiva, métodos que floresceriam plenamente muito mais tarde.
“Dada a forma como foi modelada, com ênfase em seu perfil esquerdo, sabemos que essa estatueta provavelmente era exibida em um local específico para receber luz, do sol ou de uma lareira, em seu perfil esquerdo para revelar o jogo de luz e sombras que dá vida à interação entre o ganso e a mulher”, disse Davin.
Tais estatuetas podem ter servido como ornamentos, amuletos com propriedades mágicas ou protetoras, ou como adereços para contar histórias. A peça analisada no estudo, segundo Davin, pode ter feito parte de uma instalação encenada para que os habitantes da aldeia pudessem observá-la.
Em algum momento, a peça foi enterrada no preenchimento da estrutura onde os pesquisadores a encontraram, junto com outros objetos que possuíam significado ritual, como um conjunto de dentes humanos e os restos mortais de uma criança.
O povo da cultura natufiana foi o primeiro grupo de caçadores-coletores no sudoeste da Ásia a adotar um estilo de vida sedentário, uma transformação que antecedeu a adoção da agricultura. Os habitantes dessa aldeia caçavam gazelas, praticavam artesanato elaborado, incluindo tecelagem, e coletavam matérias-primas nas proximidades, como sílex e calcário.
O local continha restos de gansos, com evidências de caça, abate e uso de penas.
“A implicação desta descoberta é que o estilo de vida sedentário gerou grandes transformações nas estruturas sociais, tanto entre humanos quanto entre humanos e seu ambiente circundante, que então levaram a grandes transformações na narrativa, expressão simbólica e técnicas artísticas”, explicou Grosman.