É sabido que o câncer é uma doença multifatorial – além do componente genético, alimentação, estresse, estilo de vida e até o local de moradia podem influenciar o surgimento de carcinomas. Entre a população negra, diversos estudos apontam que os fatores socioambientais podem ser fundamentais para explicar por que, em diversos tipos de câncer, os índices de mortalidade são mais altos entre a população negra.
Em relação ao câncer de mama, por exemplo, as mulheres negras têm 25% mais chance de morrer do que as mulheres brancas, segundo um estudo publicado na Cadernos de Saúde Pública em 2018 – no Brasil, em alguns tipos de tumores, esse índice pode chegar a 50%. Ainda assim, de acordo com um artigo publicado pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca) a respeito de um estudo feito nos Estados Unidos, há menos mulheres negras diagnosticadas com câncer.
Embora muitas pesquisas estejam em andamento, existem algumas pistas que explicam essa diferença.
As mulheres negras têm mais incidência de câncer de mama do tipo triplo negativo, um tipo mais agressivo. Elas também têm mais chances de desenvolver câncer de mama metastático. Além disso, outros determinantes genéticos podem influenciar a susceptibilidade ao câncer em virtude de variantes genéticas provocadas pela obesidade, inflamação crônica e respostas imunes.
Fatores socioambientais
No entanto, os fatores socioambientais – e o racismo estrutural – têm um grande papel nessa conta.
De acordo com dados do IBGE, a pobreza é significativamente maior entre pessoas pretas e pardas do que entre brancos. Em 2022, a taxa de pobreza entre pretos e pardos era de 40%, praticamente o dobro da taxa de 21% entre brancos.
E maior índice de pobreza significa, muitas vezes, morar em locais sem saneamento básico; distante do local de trabalho, resultando em viagens mais longas e mais cansativas; mais causas para estresse; alimentação precária; dificuldade no acesso à saúde – ou, muitas vezes, para encontrar tempo de marcar uma consulta médica para si mesma.
Mulheres negras são diagnosticadas mais jovens, mas em estágios mais avançados do câncer de mama Foto: Adobe Stock
Mulheres negras, de forma geral, também recebem o diagnóstico mais jovens, mas em estágio mais avançado.
Além de haver um número maior de fatores de risco, a dificuldade no acesso à saúde resulta em diagnósticos mais tardios. E isso faz muita diferença no câncer de mama: os índices de sobrevida nos estágios iniciais ficam acima dos 90%, mas caem a até 70% nos estágios 3 e 4.
Em relação ao câncer de colo do útero, o risco de morte é 27% mais alto para mulheres pretas e pardas.
Câncer de pele
Durante muito tempo, havia uma crença popular de que pessoas de pele negra ou parda não precisariam usar protetor solar, já que teriam poucas chances de ter câncer de pele. No entanto, um estudo apresentado no XXI Congresso Brasileiro de Cirurgia Dermatológica revelou que as pessoas de pele negra podem desenvolver com maior intensidade a forma mais grave do câncer da pele, o melanoma acral ou das extremidades.
Esse tipo de câncer atinge braços e pernas e é o menos frequente entre os melanomas (de 2% a 8% dos casos de câncer de pele), no entanto, é o mais comum entre as pessoas de pele negra.
As taxas de sobrevida média nos casos de melanoma de extremidades, em cinco e 10 anos, foram de 80,3% e 67,5% respectivamente. Nos negros, a taxa de sobrevivência em cinco e 10 anos foi menor (77,2% e 51,5%) que nos indivíduos caucasianos.
Segundo os autores, os negros representam 10% dos casos de melanoma, com a localização mais comum nas extremidades das mãos, região plantar e sob as unhas. Os primeiros sinais surgem com manchas de cor castanho-enegrecida e bordas irregulares. E o período de evolução é de aproximadamente dois anos e meio, quando surgem elevações e nódulos.
O maior problema nos melanomas, de acordo com especialistas, é falta do diagnóstico precoce, uma vez que não existe tratamento radio, quimio ou imunoterápico eficiente.
Falta de dados
Outro fator de influência é a falta de estudos específicos com a população negra. Nos Estados Unidos, o país onde mais se produz estudos clínicos em oncologia, apenas 3% a 5% dos pacientes recrutados são negros, mesmo estes representando cerca de 14% da população, segundo artigo publicado na Revista Brasileira de Cancerologia.
Há ainda a questão da diferença de atendimento à população negra. Não faltam relatos de mulheres que têm suas dores minimizadas ou não ouvidas e casos de discriminação na hora do atendimento.
Com base nesses relatos, foi instituída pelo Ministério da Saúde em 2009 a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), que reconhece o racismo como um determinante social da saúde e estabelece diretrizes para o enfrentamento às desigualdades étnico-raciais. Quinze anos depois, no entanto, a implementação da política nos Estados e municípios ainda enfrenta desafios.
O documento incentiva a produção de conhecimento científico sobre a saúde da população negra e estabelece que o tema seja incluído na formação dos profissionais da saúde.
Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde, produzida pelo IBGE em 2019, 28,2% das mulheres pardas de 50 a 69 anos nunca haviam feito uma mamografia. Entre as mulheres pretas, o índice era de 26,6%; entre as brancas, de 20,5%.
Para produzir um diagnóstico atualizado sobre a implementação da política no país, o Ministério da Saúde e a Fiocruz, em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), conduziram ano passado um inquérito online, direcionado a todas as secretarias estaduais e municipais de saúde do País.
No entanto, é sempre bom frisar: as pessoas dessas pesquisas não são uma simples estatística. São mães, avós, filhas, amigas; têm uma história, têm sonhos, têm uma família, ou querem formar uma. É preciso, além dos dados, olhar para o humano. E criar ações que saiam do papel e, de fato, cheguem à população que mais precisa.
*Com dados de Inca, Oncoguia e Agência Fiocruz