
Uma descoberta inovadora na administração de insulina poderá, um dia, pôr fim às agulhas invasivas que muitas pessoas com diabetes são obrigadas a usar diariamente.
Num estudo com ratinhos, porcos e amostras de pele humana cultivadas em laboratório, uma equipa de investigadores demonstrou a eficácia de um tratamento tópico de insulina — que permite administrar o fármaco através de um creme aplicado diretamente na pele.
Esta é uma conquista durante muito tempo considerada impossível, devido ao grande tamanho das moléculas de insulina e à sua forte afinidade com a água, que impede a sua passagem através das camadas oleosas da pele.
A descoberta, realizada por uma equipa liderada por cientistas da Universidade de Zhejiang, na China, foi apresentada num artigo publicado esta quarta-feira na revista Nature.
“O polímero permeável à pele poderá permitir a administração transdérmica não invasiva de insulina, aliviando os doentes diabéticos das injeções subcutâneas e podendo ainda facilitar a utilização, de forma mais cómoda, de outros tratamentos à base de proteínas e peptídeos por via transdérmica”, escrevem os autores do estudo.
A administração de medicamentos através da pele apresenta várias vantagens: pode ser feita facilmente em casa, é indolor e assegura uma libertação controlada e suave do fármaco no organismo, explica o Science Alert.
No entanto, a pele é, por natureza, uma barreira desenhada para proteger o corpo de substâncias nocivas. A sua camada exterior, o estrato córneo, é composta por múltiplas camadas de células mortas unidas por gorduras e óleos, ou lípidos.
Os medicamentos tópicos contornam as defesas da pele porque possuem moléculas pequenas que conseguem atravessar facilmente a barreira cutânea e têm também a capacidade de interagir com os lípidos presentes.
A insulina, hormona que regula os níveis de glucose, não apresenta nenhuma destas características. As suas moléculas são relativamente grandes e têm uma superfície hidrofílica (afinidade com a água), o que as torna quimicamente incompatíveis com os óleos da pele. Em vez de atravessarem ou deslizar entre os óleos, acabam por ser repelidas.
Apesar de parecer uma barreira impenetrável, os investigadores acreditaram que outra propriedade da pele poderia ajudar a insulina a entrar: a sua acidez. A pele tem naturalmente um gradiente de pH, começando ligeiramente ácido à superfície e aproximando-se da neutralidade nas camadas mais profundas.
Os cientistas dedicaram-se então ao desenvolvimento de um sistema de administração que interagisse com esse gradiente de pH, permitindo a entrada da insulina no organismo.
O resultado do trabalho da equipa de investigadores é baseado num polímero chamado poli[2-(N-óxido-N,N-dimetilamino)etil metacrilato], ou OP, cujas propriedades se alteram com as variações de pH, tendo já sido demonstrada a sua biocompatibilidade em testes anteriores.
À superfície da pele, o OP tem carga positiva, o que lhe permite aderir aos lípidos cutâneos. Contudo, em pH neutro, perde essa carga e liberta-se dos lípidos, altura em que já atravessou a barreira da pele e entrou no organismo.
Ao ligar a insulina ao OP, formando um composto designado OP-I, consegue-se que a hormona essencial aproveite este “boleia” para atravessar a pele. Parece promissor em teoria, certo? Na prática, os resultados são ainda mais animadores.
Em modelos de pele humana, tal como em ratinhos diabéticos, o OP-I revelou-se mais eficaz a transportar a insulina através da pele do que a insulina isolada ou combinada com outro polímero, o PEG, utilizado como controlo e amplamente empregue em várias aplicações farmacêuticas.
Nos ratos, o tratamento normalizou os níveis de glucose no sangue em menos de uma hora, com uma eficácia equiparável às injecções de insulina. Os valores mantiveram-se estáveis durante 12 horas.
O passo seguinte foi estudar o método em mini-porcos diabéticos, que são biologicamente mais semelhantes aos humanos do que os ratos. Os efeitos foram comparáveis: os níveis de glucose no sangue dos porcos baixaram para valores normais em duas horas e mantiveram-se estáveis durante 12 horas.
Uma vez no organismo, o OP-I acumula-se em tecidos-chave na regulação da glucose, incluindo o fígado, o tecido adiposo e os músculos esqueléticos, onde as células absorvem o conjugado e libertam a insulina no interior. O OP-I ativa os recetores de insulina e potencia a captação e o metabolismo da glucose, tal como a insulina administrada por injecção.
Talvez o mais importante seja o facto de o fazer de forma mais prolongada e sustentada do que a insulina injetada, proporcionando um efeito mais suave e duradouro.
Os investigadores não detetaram sinais de inflamação, o que sugere que o tratamento poderá apresentar efeitos secundários nocivos mínimos — embora sejam necessários ensaios clínicos mais robustos para confirmar esta segurança em humanos.
Ainda assim, estes resultados indicam que as injeções frequentes de insulina poderão, um dia, tornar-se coisa do passado — e que o sistema poderá até ser eficaz com outros medicamentos.