Uma parceria entre o Exército e o Instituto Superior Técnico criou um sistema 100% nacional que permite conduzir viaturas de 12 toneladas à distância, retirando os soldados da linha de fogo
Eram aproximadamente nove da noite de terça-feira quando o chefe de Estado-Maior do Exército, Eduardo Mendes Ferrão, teve aquilo a que chamou de a sua “pequena alegria” do dia. No campo de treinos, um velho blindado de metal com mais de 12 toneladas movia-se com facilidade entre o lamaçal. Para os militares, esta deveria ser uma visão comum. Mas desta vez era diferente. Não havia ninguém ao volante. O veículo, um M113 criado na década de 50, não estava a ser conduzido por um soldado, mas sim por algoritmos e controlo remoto inteiramente desenvolvidos em Portugal.
O que estava ali a acontecer não era apenas um teste experimental, mas sim a materialização de “uma ideia maluca” do chefe do exército. A frota portuguesa de veículos blindados de transporte de pessoal M113 estava a chegar ao fim do ciclo de vida, depois de quase cinco décadas de serviço. O abate das viaturas parecia inevitável, mas as mudanças da realidade no campo de batalha moderno fizeram o general Eduardo Mendes Ferrão levantar uma questão.
“Há um ano tive uma ideia maluca. Quando começámos a suscitar de novo a substituição do M113, questionámo-nos também sobre o que iríamos fazer com a nossa frota. O caminho natural é alienar uma frota que está em fim de ciclo de vida. Mas porque não transformar esta viatura numa viatura autónoma terrestre?”, confessou o chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), general Eduardo Mendes Ferrão, à CNN Portugal, durante a INOVARMY Summit.

A resposta a esta pergunta passou por “olhar para dentro”. Em vez de abrir concursos internacionais ou recorrer a sistemas já existentes, o exército recorreu ao Centro de Experimentação e Modernização do Exército (CEMTex) e aos engenheiros do Instituto Superior Técnico (IST) para criar um projeto de modernização destas viaturas que cumprisse todos os requisitos que os militares têm para as futuras missões do M113.
A colaboração levou professores, investigadores e estudantes do IST a ajudar o exército nas áreas das comunicações, sensores, robótica e integração de sistemas. O resultado é um drone terrestre 100% português, que pode ser utilizado no campo de batalha sem que a sua blindagem, atualmente desadequada para o tipo de munições de combate, coloque em perigo de vida os seus operadores.
“Isto é engenharia portuguesa, pura e dura. É 100% portuguesa, desde a conceção, à construção, aos testes. O resultado é que temos o primeiro protótipo de uma viatura terrestre não tripulada, com base numa viatura M113. É um conceito que é inovador a nível mundial”, destaca o general.
Esta transformação procura resolver um dos principais problemas dos M113, o perigo que a falta de blindagem destes veículos oferece contra as munições utilizadas no campo de batalha moderno. Com este novo kit tecnológico criado pelos engenheiros do exército e do IST, estes blindados podem continuar a ser utilizados sem colocar em perigo a vida dos militares, particularmente num cenário de guerra moderna onde qualquer veículo de grandes dimensões é rapidamente detetado e atacado por veículos aéreos não-tripulados.

Esta nova capacidade de transformar mais de 100 viaturas de transporte em drones terrestres pode permitir ao exército transformar o M113 numa espécie de “faz tudo” da linha da frente. Os militares acreditam que, no futuro, o veículo vai ser utilizado para apoio logístico dos militares, incluindo para missões de transporte de feridos na linha da frente, onde a exposição a ataques inimigos pode impedir o envio de auxílio.
“Nós não vamos descaracterizar a viatura, vamos reduzir ao máximo os custos de transformação, aproveitando a viatura tal como ela está. O que nós juntámos à viatura foi o sistema de condução autónomo e remoto. E esse já foi testado, felizmente com sucesso”, explica o general Mendes Ferrão.
Embora o exército admita que “neste momento ainda não tem” um valor fechado para o custo final do processo de modernização dos M113, o general Mendes Ferrão garante que a lógica é de “reduzir ao máximo os custos” de transformação, aproveitando o veículo “tal como ele está”.
Com a “prova de conceito” superada com sucesso neste teste, o projeto entra agora numa nova fase. O drone vai ser submetido a uma rigorosa experimentação operacional no terreno para validar o seu comportamento em cenários reais. O objetivo final, segundo o general Mendes Ferrão, é avançar para a “industrialização do sistema”, permitindo equipar a frota restante com esta tecnologia, dando uma segunda vida a um equipamento que estava destinado à sucata.