A Rússia enfrenta uma crise económica sem precedentes. Excessivos volumes de petróleo esgotam a capacidade das suas instalações de armazenamento e nos petroleiros da sua “frota sombra” não entra nem mais uma gota. Estima-se que atualmente existam 390 milhões de barris de petróleo nesses mesmos petroleiros que na sua grande maioria não logram autorização de entrada e descarga em muitos portos.
As refinarias, por seu turno, encontram-se sobrecarregadas e muitas delas incapazes de processar os vários milhões de toneladas nelas depositados. Com a China e a Turquia a reduzirem as importações e as sanções ocidentais a reforçarem-se, as dificuldades aumentam. Os preços do petróleo dentro da Rússia desceram para um mínimo recorde, forçando os produtores a encerrar poços para pôr cobro ao presente excesso de produção. O outrora poderoso setor energético do Kremlin – verdadeiro sustentáculo da economia de guerra – está agora literalmente a perder milhares de milhões de dólares a cada semana que passa. Diria que estamos perante uma situação deveras crítica, bem ao estilo de uma verdadeira “tragédia grega” originada pelo drama da superprodução e do atual isolamento, à medida que o dito “império do ouro negro” de Putin se afoga no seu próprio excedente.
Mas há mais achas a serem lançadas para esta gigantesca fogueira. Temos os ataques diários ucranianos às infraestruturas petrolíferas russas com destaque para as principais refinarias, protagonizados pelos seus drones de longo alcance, bem como mais recentemente pelos seus mísseis FP5-Flamingo e o Long Neptune. Os ataques ucranianos a estas instalações têm vindo a produzir efeitos nefastos significativos, tanto a nível militar como económico para a Federação Russa. Estima-se que esses ataques tenham diminuído em pelo menos 20% a sua capacidade de produção de petróleo. Inúmeras refinarias, como a de Saratov, chegam a ficar parcial ou mesmo completamente inoperacionais por longos períodos de tempo.
Este tipo de ações cinéticas, incrementadas no início deste último verão, visam sobretudo enfraquecer o verdadeiro centro de gravidade da economia russa: a produção, distribuição e refinação de produtos petrolíferos, ameaçando concomitantemente, o regular fornecimento de combustível e outros importantes abastecimentos às tropas combatentes empenhadas na brutal invasão da Ucrânia. Toda esta campanha de Kiev, através das suas ações de bombardeamento diário, tem vindo a causar volumosas perdas financeiras ao executivo russo, forçando-o a aceitar maiores desequilíbrios das contas públicas e a procurar alternativas do ponto de vista logístico. A interrupção das exportações em portos importantes, como o de Novorossiysk tem vindo a introduzir alguma perturbação na cadeia de abastecimento global de petróleo. Assiste-se a uma ligeira subida das cotações do barril de petróleo nos mercados internacionais, devido a inquietações provindas da oferta global, mas que se espera que num futuro próximo o mercado seja capaz de absorver e acomodar.
Em suma, a Ucrânia tem usado estas ações de ataque de longo alcance como parte de uma estratégia eficaz destinada a pressionar a máquina de guerra russa, visando diretamente a sua principal fonte de financiamento e provocando grandes constrangimentos no regular funcionamento da cadeia de apoio logístico às suas tropas combatentes. A Rússia, por seu turno, especialmente com a aproximação do inverno, tem respondido através da intensificação dos seus ataques diários contra a infraestrutura energética da Ucrânia, visando causar apagões e dificuldades logísticas às populações e aos militares ucranianos. Ao mesmo tempo vai utilizando habilmente narrativas ameaçadoras, baseadas em cenários catastróficos de ataques nucleares, evocando quando necessário as “armas maravilha”, caraterizando-as como únicas e imbatíveis. O objetivo é simples: induzir o medo, a paralisia e um estado de angústia permanente nas populações da europa ocidental, isto é,aterrorizando-as. A finalidade é clara. Convencê-las de que é tempo perdido continuar a apoiar a causa de uma Ucrânia livre, soberana e independente.
Putin e a sua máquina de propaganda conhecem bem os pontos fracos das nossas sociedades ocidentais, muito mais orientadas para o conforto e bem-estar do que propriamente para as questões da segurança e defesa. Não nos iludamos, nem nós portugueses, nem os nossos irmãos desta grande família europeia. A verdade é que a Europa só ainda não é um autêntico polo de poder à escala global porque ainda não teve a real vontade de o ser. Para produzir a obra não basta ter as ferramentas adequadas, é também preciso ter a vontade de as utilizar.
Na realidade, se não formos nós próprios a defendermo-nos, a dar o exemplo, a tomar a iniciativa, não podemos nem devemos esperar que sejam outros a fazê-lo por nós. O investimento na segurança e defesa continua infelizmente a ser – sobretudo para os mais tolerantes às campanhas massivas da máquina de propaganda russa – algo secundário e fazendo pouco sentido. “É preciso é paz” clamam muitos nesta nossa Europa! Putin sabe disso e usa-o em seu benefício. É evidente que é preciso paz – quem a não quer – mas a que preço? Essa é a questão!
Tendo vivido nos Açores onde desempenhei as funções de Comandante da respetiva Zona Militar, não resisto em recorrer à história destas nobres ilhas deixando-lhes aqui um reconhecido tributo, e afirmando também eu, com a convicção própria de quem jurou defender Portugal e os portugueses mesmo com o sacrifício da própria vida, que “antes morrer livres que em paz sujeitos”. Tratou-se de uma forte declaração de recusa em aceitar a subjugação, arriscando a vida pela liberdade em vez de viver em paz sob um jugo imposto. Esta divisa foi usada pela primeira vez por Ciprião de Figueiredo numa carta ao rei Filipe II de Castela, recusando a submissão da ilha Terceira ao domínio espanhol após a crise da sucessão de 1580.
Esta célebre expressão simboliza a resistência e a defesa da liberdade contra a opressão e tem plena acuidade nos dias de hoje para o povo ucraniano que continua, após quase 4 longos anos, a lutar com temerária determinação pela liberdade contra a ocupação do invasor. Hoje mesmo e mais uma vez, fazendo jus a essa indomável vontade de continuar a ser um país livre e soberano, dono e senhor do seu destino, recusa uma proposta de paz ignóbil por parte dos EUA e do seu agressor russo.
A Rússia ciente dos tempos difíceis que está a viver “dá o tudo por tudo”. As forças russas estão a reposicionar tropas de outras frentes em Pokrovsk à medida que as reservas se esgotam, com novos soldados enviados diretamente para assaltos a posições ucranianas mesmo sem terem sido previamente registados e integrados nas suas novas unidades. O movimento de “partisans” – Insurgentes – Atesh relata que comboios militares transportando pessoal e equipamentos se estão a deslocar diariamente em direção a Pokrovsk, com as tropas a serem provavelmente retiradas dos setores de Kherson e Zaporizhzhia para aí preencherem lacunas. Os indícios apontam para o facto de que as principais unidades do escalão de ataque e as respetivas reservas se encontrem muito desgastadas, forçando Moscovo a enfraquecer outras partes da frente. O Kremlin está a pressionar as suas tropas.
Pokrovsk terá de cair seja a que preço for. Capturar Pokrovsk, que resiste estoicamente há cerca de 16 meses consecutivos, até 15 de dezembro foi a nova data fixada por Putin aos seus militares. A praça forte de Kupiansk até ao final do ano. Não nos iludamos, em boa verdade, a Rússia utiliza este ataque a Pokrovsk, sem olhar a meios, sobretudo para pressionar o Ocidente. Esta pressão visivelmente acrescida de Moscovo sobre Pokrovsk não está intimamente relacionada com o ato de exibir ganhos no campo de batalha, mas sobretudo com um outro importante desígnio: forjar uma mensagem política dirigida aos parceiros ocidentais da Ucrânia. O Kremlin está a posicionar-se tentando promover a narrativa de que é capaz de conquistar todo o Donbass até meados de fevereiro, conforme anunciado por Putin e utilizar essa mesma narrativa para pressionar o Ocidente a coagir a Ucrânia a entregar a totalidade dessa região em nome de uma esperança de paz. O objetivo é óbvio: demonstrar a inutilidade das últimas sanções norte-americanas e europeias e minar decisivamente o apoio internacional à Ucrânia. O preço a pagar não importa!
A verdade é que mais uma vez as novas metas temporais fixadas por Putin muito dificilmente serão cumpridas dado que as forças ucranianas continuam a repelir a grande maioria dos ataques russos a Pokrovsk, mesmo que a principal prioridade de Moscovo seja agora capturar a cidade “o mais rápido possível”.
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