Prometido há quase ano e meio, aquando da primeira eleição de Luís Montenegro, enfim é conhecido o projeto do Governo para o Desporto português. Com mira nos próximos 12 anos e, por arrasto, em três ciclos olímpicos, o Plano Nacional de Desenvolvimento Desportivo desenhou 44 medidas que serão sustentadas por um orçamento a rondar os 130 milhões de euros. “O investimento que estamos a fazer, sinceramente, não encontra paralelo na nossa história democrática, nem mesmo no panorama de registo histórico de que há memória”, elogiou o primeiro-ministro, ao apresentar o documento provindo de 120 entidades consultadas e cerca de 30 personalidades ouvidas do “ecossistema desportivo” do país.

As medidas com claro foco no médio-longo-prazo estão distribuídas por seis pilares estratégicos: o Desporto no Contexto Educativo, na Sociedade, na Formação e no Alto Rendimento, nas Instalações Desportivas, nas Políticas e Governança, e no Financiamento. O plano, lê-se nos documentos disponibilizados pelo Governo, pretende “fazer de Portugal uma nação ativa e saudável”, e quer, nas palavras do primeiro-ministro, “cultivar este hábito de prática desportiva para que fique enraizado, para que todas as gerações sintam o apelo ao exercício físico”. É bem preciso: 73% dos portugueses afirmaram nunca praticar desporto segundo o mais recente Eurobarómetro (2023) da área e, em 2022, pouco mais de 37% da população adulta vivia com excesso de peso.

Enaltecendo o esforço do executivo para reforçar o orçamento do plano, Luís Montenegro inculcou simbolismo no seu discurso de apresentação, feito na meia-pista de atletismo coberta do Centro de Alto Rendimento (CAR) do Jamor, em Oeiras. A infraestrutura receberá €19,3 dos €48,3 milhões de investimento em requalificação de infraestruturas, ou seja, 39,9% do total. O intuito, assume o plano, é transformá-lo “num verdadeiro ecossistema desportivo integrado, ao nível dos melhores centros internacionais”. Há modalidades em concreto (atletismo, râguebi, natação, tiro e enduro) que podem sorrir por serem diretamente visadas. Para os restantes 13 CAR do país foram apenas reservados €10 milhões.

A distribuição das verbas ilustra a ambiciosa abrangência do Governo. Vai dedicar €29,2 milhões à formação de educadores de infância e professores do 1º ciclo, porque “a mudança estrutural da atividade física começa na escola”, colocar €7 milhões o desporto feminino de modo a “combater a desigualdade” e criar um Centro de Inovação e Desenvolvimento Paralímpico com €5 milhões.

Confederação do Desporto de Portugal

Entrevistas Tribuna

O primeiro-ministro particularizou as verbas que dizem respeito ao Programa Olímpico (€30 milhões) e Paralímpico (outros €30 milhões), além do Surdolímpico (€12 milhões), correspondentes a aumentos de 30%, no caso dos dois primeiros, e de 70% no que concerne à categoria que, de momento, está a disputar os seus Jogos, em Tóquio. As verbas, garantiu, “serão transferidas até ao final de 2025”.

Especificadas as quantias que irão para os respetivos comités com o intuito de apoiar quem, lá mais para a frente, compita nas provas que representam o pináculo do desporto mundial e, a cada quatro anos, colam os portugueses à televisão – em muitos casos, lembrando-os que tais atletas existem -, Luís Montenegro quis frisar a relevância do Desporto para o dia a dia, futuro e desenvolvimento de Portugal. Porque “não é apenas o financiamento que conta”, mesmo que “sem ele” não seja “possível a preparação”.

“O Desporto, costumo dizer, faz bem à saúde, é uma forma de podermos dar azo a momentos de lazer, mas é também uma forma de potenciamos a nossa capacidade criativa e de levarmos mais longe a nossa capacidade de superação”, defendeu, apoiando-se nos valores promovidos pela prática desportivo para engrandecer o seu papel na sociedade: “É muitas vezes com esse espírito de sacrifício, de entre-ajuda, com um sentido de ambição e perseverança, que se consegue ir mais longe no Desporto, e é muitas vezes com esse espírito que um país pode alavancar-se a ser mais desenvolvido, a poder levar por diante o seu projeto de criação de riqueza para poder ser mais justo.” 

Não se esqueceu de falar ao coração dos atletas que habitam nos píncaros das respetivas modalidades, por serem “um fator de identidade nacional, da nossa capacidade de fazer bem, de nos superarmos, de coesão da nossa sociedade e de motivação para podermos ter mais prática de exercício físico e desportivo”. Quantos mais bons exemplos Portugal tiver, rematou, “mais fácil será convencer a sociedade a praticar desporto”. Com visão até 2037, o Governo pretende com este plano também diminuir a obesidade infantil, reduzir o sedentarismo, reforçar a participação de mulheres no desporto e garantir mais oportunidade para as pessoas com deficiência.

As metas são otimistas. O Governo estima reduzir, de 31,9% para 19% e em 12 anos, a percentagem de excesso de peso infantil em Portugal, além de cortar dos 13,5% para 6,5% a da obesidade em crianças. Quer igualmente que a população que jamais praticou atividade física esteja nos 45% em 2036 (hoje é de 72%) ou que os alunos com prática regular no Desporto Escolar suba para dos 19,3% para os 63,3%. Ao todo, são 17 indicadores de desempenho como estes que serão monitorizados por uma comissão, composta por representantes de sete ministérios, para acompanhar a execução do plano.

JOSE SENA GOULAO

O “recorde olímpico” de investimento

A relação deste Governo com o Desporto, quando observado com óculos de ver dinheiro, teve as suas peripécias. No primeiro Orçamento do Estado (OE) que lhe competiu, anunciou uma verba de €42,5 milhões para o setor que era 15,5% inferior à do ano anterior, uma estranha afronta que despertou muitas críticas até corrigir a mão, no dia seguinte, para €54,5 milhões, um valor afinal superior em 8,3% ao de 2023. Tal aconteceu em outubro de 2024 e justificou o erro com “uma inconsistência na classificação dos valores por parte de algumas entidades”. Deixando passar dois meses, tentou compensar com uma surpresa.

Em dezembro, aparecia Luís Montenegro em conferência de imprensa a desvendar um “enormíssimo acréscimo” de zeros à direita no investimento no Desporto, com um pacote de €65 milhões, além do OE, para ser aplicado até 2029 e fomentar “uma transformação cultural no país”. O primeiro-ministro não poupou no otimismo, nem hesitou em bradar ao impacto que antevia  para esta inesperada aposta: “A minha convicção profunda é de que este investimento vai produzir resultados muito maiores do que o investimento financeiro que hoje aqui fazemos. Este recorde olímpico foi batido hoje, mas eu espero, como qualquer treinador espera, que haja quem se abalance a bater o recorde no futuro e vá à procura de conseguir também superar-se e atribuir objetivos ainda maiores.” 

A referência olímpica pouco teve de inocente. Meses antes, em Paris e ao comparecer em várias provas de atletas portugueses nos Jogos, o líder do Governo garantiu que “tudo” faria para “impor em Portugal uma cultura de prática desportiva generalizada mais forte”, com olho não apenas no alto rendimento. “Queremos portugueses a fazer mais desporto, que os jovens procurem talento nas escolas e apoiar a alta competição”, trilhou, sem prometer “mundos e fundos”, mas o possível: “Tudo o que se puder acrescentar ao muito que já se fez, faremos isso.” 

Na ressaca olímpica, ao receber os atletas em São Bento, o primeiro-ministro reincidiu na emanação de objetivos endinheirados. “Assumo que faremos um reforço financeiro”, disse, aludindo aos Jogos de 2028, em Los Angeles, para “fazer crescer” a verba de preparação “acima de 20%. Pouco depois, desvendaria o tal pacote de €65 milhões. Já este ano, vencidas as eleições antecipadas que o reconfirmaram no cargo, Montenegro alocou €58,7 milhões ao Desporto no Orçamento do Estado para 2026, um acréscimo de €8,1 milhões que aumentou para €155,8 milhões (a verba do último OE somada ao valor do pacote extraordinário) a despesa total anunciada pelo Governo com o setor.

Por fim, o plano

Em paralelo às intermitências com euros e milhões, Luís Montenegro, aquando da sua primeira eleição, começou por não evidenciar grande cura para com o Desporto. Nas 185 páginas do primeiro Programa do Governo apresentado, apenas quatro eram dedicadas à área, embora nelas constasse a vontade de criar um Plano Estratégico com o desígnio de suprir a “ausência de política pública para o desporto”. Sob a liderança de Pedro Dias, antigo dirigente da Federação Portuguesa de Futebol, mas com a pasta do futsal, nomeado para Secretário de Estado do Desporto, também essa intenção enfrentou solavancos.

Previsto para ver a luz até dezembro de 2024, a sua apresentação foi protelada para janeiro deste ano e, depois, nada se soube para lá dos vários adiamentos. O plano teve a ajuda da consultora PwC (PricewaterhouseCoopers) e o Governo, ao ouvir as diversas entidades e especialistas, recebeu centenas de propostas, mas o objetivo, explicou Margarida Balseiro Lopes, ministra da Cultura, da Juventude e do Desporto, em entrevista ao Expresso, foi “procurarmos ser seletivos” e “escolhermos aquelas que para nós são as medidas mais importantes, com maior impacto e que possam ser depois acompanhadas”.