Depois de abrir a investigação, agora, a Comissão Europeia decidiu mesmo iniciar um procedimento de infracção contra Itália para exigir que venha a cumprir a legislação europeia para o sector bancário. É um procedimento similar ao que foi, em Julho, aberto contra Espanha, e que segue o seu caminho sob o comando da comissária europeia Maria Luís Albuquerque, que tem as competências sobre o sector bancário.
“A Comissão levantou preocupações em relação à legislação do chamado ‘poder dourado’, que garante ao Governo italiano prerrogativas abrangentes para avaliar, bloquear ou impor condições a operações entre empresas do sector bancário”, segundo assinala o comunicado de Bruxelas em que dá nota dos procedimentos de infracção abertos pela Comissão Europeia em Novembro.
Foi enviada uma carta com a notificação formal da abertura deste procedimento de infracção a Roma, por, devido à referida legislação, não estar a cumprir nem com o Regulamento do Mecanismo Único de Supervisão, nem com a Directiva dos Requisitos de Capitais e nem com o Tratado de Funcionamento da União Europeia, nomeadamente com o artigo que proíbe restrições aos movimentos de capitais e aos pagamentos entre Estados-membros.
Foram exactamente os incumprimentos que constaram da notificação formal aberta contra Espanha em Julho passado por conta das condições impostas pelo Governo de Pedro Sánchez à compra do Sabadell pelo BBVA (transacção que falhou por não agradar aos accionistas do banco que seria adquirido).
No caso de Roma, a grande operação em que os poderes do Governo de Giorgia Meloni foram utilizados foi a oferta pública de aquisição do italiano BPM pelo também italiano UniCredit. Foram impostas condições pelo executivo para que a transacção pudesse seguir em frente ao utilizar os tais poderes dourados (por exemplo, sair da Rússia), mas o UniCredit decidiu retirar a proposta de compra, atribuindo responsabilidades às exigências feitas — mesmo assim, o banco italiano foi para os tribunais e a justiça só anulou parcialmente as exigências, mas esta semana houve uma nova tentativa, com um recurso para segunda instância.
“Embora a intenção seja salvaguardar a segurança nacional e a ordem pública, a legislação, tal como aplicada pelas autoridades italianas, arrisca-se a permitir intervenções injustificadas por motivos económicos que comprometem os princípios da liberdade de estabelecimento e a livre movimentação de capitais dentro do mercado único”, justifica o comunicado de Bruxelas, acrescentando que a legislação acaba, também, por sobrepor-se às competências “exclusivas” atribuídas ao Banco Central Europeu no âmbito do Mecanismo Único de Supervisão (em que a autoridade bancária é o supervisor máximo da banca da zona euro).
As regras de resposta nestes procedimentos de infracção estão já definidas. O Governo de Itália tem dois meses para reagir a esta missiva vinda de Bruxelas. Se as respostas de Roma não satisfizerem, pode seguir para uma fase mais adiantada, para o envio de um parecer fundamentado em que ordena a adequação da legislação italiana para cumprimento do espírito legal europeu. Se tal não acontecer, a Comissão Europeia pode seguir para um processo contra o país junto do Tribunal de Justiça da União Europeia.
Maria Luís Albuquerque, que tem a pasta dos Serviços Financeiros e União da Poupança e dos Investimentos, é a comissária responsável por estes procedimentos de infracção. A limitação dos governos a estas operações acabou por embater nos objectivos que Bruxelas desenhou para a União Europeia: ser capaz de constituir gigantes empresariais capazes de fazerem frente aos congéneres americanos num contexto geopolítico sensível e de construção de blocos.
Nestas duas operações, os governos tiveram influências, mas houve — e há — outras em que houve tentativas de envolvimento. Na Alemanha, o mesmo banco italiano UniCredit tem reforçado a participação no Commerzbank, mas, como tem já outro banco no país, os receios de vir a promover uma fusão levaram a uma oposição governamental. Em Portugal, o Governo português também não via com bons olhos a possível compra do Novo Banco pelos espanhóis do CaixaBank, já donos do BPI, preferindo os franceses do BPCE. Mesmo em Itália, ainda há mais conversas, como o futuro do BPM sem a compra pelo UniCredit — um dos nomes falados é o francês Crédit Agricole.