“Tinha me esquecido de como ele era engraçado”, disse Noel Gallagher à rádio britânica Talksports, sobre a reunião com o irmão, Liam Gallagher, para shows do Oasis depois de mais de 15 anos separados. Há três décadas, o mais velho quebrou um taco de críquete na cabeça do mais novo enquanto gravavam o segundo disco da banda.
A turnê de retorno do Oasis aos palcos chega ao Brasil com dois shows neste fim de semana, no estádio do Morumbi, em São Paulo —os ingressos estão esgotados. Além de um reencontro com os fãs brasileiros, as apresentações marcam a reconciliação de uma das mais emblemáticas rivalidades da música pop, a dos irmãos Gallagher, que foi motor da ascensão e da queda de uma das últimas grandes bandas de rock.
Os shows são aguardados não só porque o Oasis não toca no Brasil desde 2009, ano em que encerrou suas atividades, mas porque Noel passou a última década reafirmando que a reunião jamais aconteceria, enquanto Liam mantinha acesa a esperança de um reencontro nos palcos.
Não há dúvidas de que eles são mais fortes juntos do que separados. A carreira solo de Noel, mais bem-sucedida, o levou ao Lollapalooza Brasil, palco em que Liam também tocou, e ao mesmo Morumbi —só que abrindo para o U2, em 2017. Nada perto da comoção gerada pelo Oasis.
A história da banda é também a história dos irmãos. Eles cresceram em Manchester vendo o pai agredir a mãe, antes de fugir com a matriarca. Para Noel, a saída daquela vida era a maconha e o violão. Para Liam, as brigas na escola e os seus discos de rock.
Se o mais velho era introspectivo e escrevia canções próprias, o mais novo era mais bonito, estiloso e engraçado. Liam foi quem montou a banda para virar cantor e convidou o irmão porque precisava de suas composições.
A criação cercada de violência alimentou a postura e os vocais de Liam —quase gritados, cheios de energia e com um leve grunhido— e também as composições de Noel, que era fechado no trato social, mas acessava os sentimentos por meio das composições.
Quando Noel levou “Live Forever” a um ensaio do Oasis, todos ali sabiam que poderiam ter um futuro. Foi o que se concretizou depois que Alan McGee, da Creation Records, viu um show dos aspirantes e os ofereceu um contrato. O hit alavancou “Definitely Maybe”, álbum de estreia da banda, de 1994, um dos mais vendidos da história do Reino Unido.
O primeiro e o segundo disco do Oasis —”(What’s the Story) Morning Glory?“, de 1995— chacoalharam o rock. A banda se tornou popular no mundo todo e firmou no imaginário coletivo o britpop que então engatinhava com o Blur.
Era um momento efervescente no Reino Unido, que vivia a onda “Cool Britannia”. O britpop e as raves embalavam a juventude enquanto o hoje ex-premiê britânico Tony Blair despontava com o novo trabalhismo após mais de uma década sob Margaret Thatcher.
Quando o Oasis dominou os prêmios no Brit Awards de 1996, Noel Gallagher disse que havia “sete pessoas dando esperança à juventude neste país”. Ele as nomeou —os integrantes da banda, o dono da Creation Records e Tony Blair. E depois gritou “poder ao povo”.
Essa esperança era patente nos primeiros discos do Oasis. O single “Live Forever” saiu só quatro meses depois que Kurt Cobain cometeu suicídio. Se o Nirvana dominou o rock com melancolia e barulho, do outro lado do Atlântico os irmãos Gallagher respondiam que queriam viver para sempre.
Em “Supersonic”, o Oasis soava como uma BMW desgovernada, cantando sobre transar num helicóptero e passear num submarino amarelo enquanto pedia um gim-tônica. Musicalmente a banda não trazia novidades —estava entre as harmonias dos Beatles e o vigor do punk britânico. A magia estava na capacidade de Noel de compor melodias —”Wonderwall” e “Don’t Look Back in Anger” até hoje comovem multidões— e na de Liam de enunciar as letras com raiva e sede de vida.
O Oasis se comportava como soava. Povoaram os tabloides com episódios de arruaça, brigas e drogas. No primeiro show nos Estados Unidos, cheiraram metanfetamina achando que era cocaína e passaram dias acordados. A performance acabou com Liam jogando sua meia-lua no irmão.
Noel disse que sairia do Oasis, viajou com uma mulher, compôs “Talk Tonight” sobre a situação e voltou à banda. Esse era o modus operandi —o caos de drogas, violência e disputa entre irmãos dava munição ao compositor.
No fim dos anos 1990 e na década seguinte, o Oasis rodou o mundo tocando em estádios e emplacou outros hits, mas a potência criativa foi se desgastando junto com a relação dos irmãos. Nada teve o impacto dos dois primeiros álbuns, que considerando também seus lados B concentram 20 das 23 músicas do show atual. As exceções são “D’ You Know What I Mean?” e “Stand by Me”, de “Be Here Now”, de 1997, e “Little by Little”, de “Heathen Chemistry”, de 2005.
Em 2009, quando tocou em São Paulo pela última vez, o Oasis estava se despedaçando. Reuniu 15 mil pessoas, pouco mais de um décimo dos 120 mil ingressos vendidos para este fim de semana. A banda terminaria semanas depois daquele show —Liam quebrou uma guitarra de Noel, que considerou aquilo a gota d’água da relação da dupla.
A turnê “Live ‘25” tem sido elogiada pela crítica desde que estreou, no Reino Unido, em julho. Os shows no Morumbi, os últimos da excursão, podem ser também a última chance de ver o Oasis.
Mas são sobretudo o reconhecimento de que a obra resultante da química tão criativa quanto destrutiva dos irmãos Gallagher resistiu ao tempo, como eles cantam no refrão de “Acquiesce” —”nós precisamos um do outro/ nós acreditamos um no outro/ e sei que vamos descobrir/ o que está adormecido em nossas almas.”
Veja o setlist do show do Oasis no Morumbi, em São Paulo
- ‘Hello’
- ‘Acquiesce’
- ‘Morning Glory’
- ‘Some Might Say’
- ‘Bring it on Down
- ‘Cigarettes & Alcohol’
- ‘Fade Away’
- ‘Supersonic’
- ‘Roll With It’
- ‘Talk Tonight’
- ‘Half the World Away’
- ‘Little by Little’
- ‘D’You Know What I Mean?’
- ‘Stand by Me’
- ‘Cast no Shadow’
- ‘Slide Away’
- ‘Whatever’
- ‘Live Forever’
- ‘Rock ‘n’ Roll Star’
- ‘The Masterplan’
- ‘Don’t Look Back in Anger’
- ‘Wonderwall’
- ‘Champagne Supernova’