Dúvidas

1 – Porque diz o DCIAP que são sete escutas e não 22 (entretanto reconheceu que eram mesmo 22)?

Esta é uma dúvida que só pode ficar cabalmente esclarecida quando for possível aceder ao processo onde está o requerimento do DCIAP. Isto porque, segundo o despacho do TCIC que chegou aos advogados, são 22 e não sete que foram submetidas para validação, conforme foi explicado acima.

Das duas uma, ou o TCIC se enganou no número de sessões no despacho que fez, ou o DCIAP entendeu agora que são apenas sete e não as 22 que tinha submetido em outubro.

Em resumo, o DCIAP diz uma coisa; o juiz, no despacho, faz constar outra; a Justiça tem meios para esclarecer a verdade. Os advogados podem consultar o processo nesta fase.

Entretanto, ao Observador, a PGR reconheceu depois do comunicado do DCIAP, que afinal eram 22 as sessões de interceções telefónicas que foram alvo de promoção do MP.

Adianta, porém, que “15 eram duplicadas de outras já apresentadas” e que “apenas 7 eram novas, sendo que dessas 6 eram apenas tentativas de contacto, ou seja, chamadas que não chegaram a ser realizadas”.

Ora, sendo assim, outra questão se levanta. As designadas sessões duplicadas ocorrem sempre que o “alvo” está a ser escutado quer através do cartão SIM do telemóvel quer pelo IMEI. Sendo estas 15 a cópia de outras que já teriam sido submetidas antes ao STJ, podem ter sido validadas ou mandadas destruir. Neste último cenário, estas cópias não o foram.

2 – Afinal quantas escutas foram identificadas com António Costa como interlocutor e validadas pelo STJ?

De acordo com o que foi noticiado anteriormente e, nesta altura, sendo conhecido este novo desenvolvimento, podem ser mais de quatro dezenas de sessões a envolver conversas, SMS ou tentativas de chamada entre arguidos sob escuta e o antigo primeiro-ministro.

Em oito de novembro de 2023, um dia após as buscas realizadas no âmbito da investigação, o Observador noticiou que “mais de 20 escutas telefónicas envolvem PM e estão nos autos do processo do lítio”, acrescentando que tinham sido “validadas por dois presidentes do Supremo”.

Estas, segundo o Observador, decorreram entre 11 de novembro de 2020 e 2023, inclusive.

As novas 22, que decorreram entre 24 de dezembro de 2020 e 24 de dezembro de 2022, não foram validadas, segundo o TCIC.

Se há ou não duplicação, quantas exatamente são novas, só se poderá saber com a consulta do processo e o cruzamento da informação.

Todas as escutas neste processo foram sendo validadas pelo juiz de 1.ª instância no tempo previsto legalmente. Segundo o Código de Processo Penal (CPP) o órgão de polícia criminal que estiver a fazer as escutas — neste caso a PSP — deve fazer um relatório com as passagens relevantes para a prova, assinalando a sua importância para a “descoberta da verdade”. Depois, de 15 em 15 dias a partir do início da primeira interceção apresenta-as ao MP, com os respetivos suportes técnicos, o qual tem de os apresentar ao juiz num prazo máximo de 48 horas.

Caso houvesse indicação de que intervinha o primeiro-ministro, tinham necessariamente de ser remetidas ao STJ, para o presidente tomar conhecimento e, se fosse o caso, mandar destruir.

3 – O que pode acontecer com estas 22 escutas?

Sobre estas 22 escutas cuja validação o DCIAP promoveu em outubro, o presidente do STJ disse que não tinha competência para as conhecer porque o António Costa não é PM no momento em que as escutas lhe foram apresentadas.

O juiz do TCIC limitou-se depois a dizer, no despacho, que entendendo o STJ não tomar conhecimento destas novas 22 escutas, não tinha nada mais a fazer para além daquele controlo que na altura o juiz de 1.ª instância fez tempestivamente.

Estas 22 escutas foram interceptadas em períodos temporais de várias outras que não envolviam o PM e foram sendo enviadas para controlo pelo juiz de 1.ª instância.

A grande questão processual que agora se coloca é esta: qual é a consequência de estas 22 escutas em que intervinha o PM não terem sido levadas ao conhecimento do Presidente do STJ em tempo?

E o controlo que foi sendo feito pelo juiz de 1.ª instância foi suficiente? Parece não ter sido.

Adicionalmente, pode ainda questionar-se: a que título o MP tem em seu poder, durante cinco, quatro e três anos, escutas que envolvem o primeiro-ministro sem das mesmas dar conhecimento ao STJ?

Os juristas consultados pelo DN admitem que estas sessões podem vir a ser consideradas prova proibida, por não terem sido levadas ao presidente do STJ logo após a intereceção.

4 – Estas escutas são realmente importantes para a investigação?

À partida, se o DCIAP entendeu que as devia extrair e submeter ao tribunal para validação, é porque as considerou relevantes para provar a intervenção de António Costa no processo. Mesmo as tentativas de contacto podem ser consideradas pela investigação como uma forma de comunicação (um “toque”).

Pode-se colocar a questão se estas escutas só surgiram agora porque o MP encontrou alguma que possa ter interesse para a investigação? Ou ainda, se não havendo esse interesse, mesmo sendo descobertas agora, será que não iriam permanecer “esquecidas”? Finalmente, foi intencional ou mera incompetência de quem estava a verificar as escutas?

Só mesmo conhecendo o respetivo conteúdo é possível tirar conclusões rigorosas.