A presidência brasileira da 30.ª Conferência do Clima das Nações Unidas apresentou na manhã de sábado a sua proposta de “Decisão Mutirão”, o texto que acolhe as principais conclusões desta COP30, em Belém do Pará. O Brasil promete trabalhar em roteiros para abandono dos combustíveis fósseis e redução da desflorestação, propostas defendidas pelo Presidente Lula da Silva, mas ambos os “mapas do caminho” ficam de fora da decisão final.
Com as negociações já em tempo extra, a União Europeia apresentou uma proposta para tentar salvar a face, mas a menção clara a um roteiro para o abandono dos combustíveis fósseis, cujas emissões são a principal causa do aquecimento global, continua fora do acordo.
UE abdica do roteiro
Houve cedências da União Europeia relativamente ao financiamento para adaptação climática dos países mais pobres e vulneráveis, mantendo a promessa de triplicar o valor, e na abertura de uma discussão sobre o papel do comércio internacional no comércio de emissões, temas em que os europeus faziam finca-pé, exigindo uma linguagem forte sobre o abandono do petróleo, gás e carvão.
“Viemos para Belém com ambições elevadas, em comparação com o que tivemos que aceitar. Mas teremos um acordo que vai manter o processo [negocial] vivo”, comentou o ministro dinamarquês Lars Aagaard, que representa o Conselho da UE, à saída de uma reunião dos ministros europeus, enquanto decorriam negociações frenéticas para finalizar um acordo em Belém, uma cidade à porta da Amazónia brasileira.
“Temos vindo a insistir em ir mais longe, porque a UE precisa de mais, porque o mundo precisa de mais”, afirmou ao seu lado o comissário europeu do Clima, Wopke Hoekstra. Manifestando a insatisfação da UE com o texto, afirma que o bloco apoiará o documento “porque, pelo menos, está a ir na direcção certa”. “É muito claro que devemos estar lado a lado com os nossos amigos das nações mais pobres, e o que estamos a fazer é dar um passo em frente muito significativo em termos de ajuda ao financiamento para a adaptação.”
“Para nós é muito importante poder dar resposta aos pedidos de auxílio financeiro dos países mais vulneráveis”, salientou também o ministro da Dinamarca, país que detém a presidência rotativa do Conselho da UE. “Foi por isso que acabamos por dizer sim.” Agora, explica, “ficará para futuras conferências do clima decidir sobre estas oportunidades que mantivemos em cima da mesa”.
Acordo “sem ambição”
A ministra do Ambiente e Energia de Portugal, Maria da Graça Carvalho, classifica o acordo final que será votado no encerramento da COP30 como o melhor resultado possível, apesar das aspirações mais elevadas da União Europeia. Este é um acordo “sem ambição”, afirma, embora seja “melhor um mau acordo do que nenhum”.
À saída da reunião com os ministros europeus, Maria da Graça Carvalho explicou que o mandato e as “linhas vermelhas” da UE foram salvaguardados no texto final: avanços na mitigação, uma referência à ambição metas nacionais (NDC, na sigla em inglês), a referência ao objectivo de 1,5°C, a menção à decisão do Dubai sobre o abandono dos combustíveis fósseis (mas sem usar a expressão “combustíveis fósseis” no texto em si), e a triplicação do financiamento para a adaptação destinado aos países em desenvolvimento.
Lars Aagaard aproveitou também para reforçar a união do bloco europeu, depois de negociações difíceis nos últimos dias. “O papel da Europa no mundo é diferente do que já foi. Mas, neste mundo em constante mudança, também é uma Europa que consegue manter-se unida.”
França contrariada
Nem todos os países europeus estão felizes com esta cedência — França é um dos mais insatisfeitos.
“Não podemos dizer que apoiamos este texto, porque não tem o nível de atenção que pretendíamos, em especial sobre o abandono dos combustíveis fósseis ou a luta contra a desflorestação, mas também não nos opomos porque não há nada há nada de extraordinariamente mau lá”, disse a ministra da Ecologia, Desenvolvimento Sustentável e Energia francesa, Monique Barbut.
“Por outro lado, não queríamos que continuasse o processo de intenções que foi feito à União Europeia, dizendo que não queríamos pagar pela adaptação climática dos países mais pobres”, justificou Monique Barbut.
Esperava-se que a nova versão da “Declaração Mutirão” trouxesse uma referência à saída dos combustíveis fósseis. A UE está, no entanto, a tentar incluir uma referência ao compromisso assumido há dois anos, na COP28, nos Emirados Árabes Unidos, para preparar uma transição ordeira da energia fóssil para energias renováveis, embora com uma linguagem bastante redonda.
“Longe de ser resposta à altura”
A proposta de texto final que acaba de ser publicada – a terceira versão da decisão Mutirão – “está longe de ser uma resposta à altura da crise que enfrentamos”, descreve Carolina Pasquali, directora-executiva da Greenpeace Brasil.
“Não trata a crise como crise, não traz nem mapa e nem caminho para a transição para longe dos combustíveis fósseis e para o fim do desmatamento até 2030, e não garante que os recursos necessários para adaptação, absolutamente essenciais para os países em desenvolvimento, sejam de facto mobilizados pelos países desenvolvidos”, enumera a especialista.
Apesar de mais de 80 países terem apoiado uma declaração para que a “transição para longe dos combustíveis fósseis” fosse incluída na decisão final da COP30, estes “foram impedidos de chegar a um acordo por países que se recusaram a apoiar essa medida tão necessária quanto óbvia”. Carolina Pasquiali cita ainda os “mais de 90 países” que também queriam um roteiro para o fim da desflorestação, e que “ficaram a ver navios”. “Infelizmente, a decisão Mutirão não entrega a escala de mudança necessária.”
Outros roteiros
Fala-se no lançamento de um “Acelerador Global de Implementação”, para “responder à urgência, lacunas e desafios” para manter alcançável o objectivo de o aquecimento global não ser superior a 1,5 graus, tal como foi expresso no Acordo de Paris.
Este mecanismo implica também “dar apoio aos países para por em prática as suas Contribuições Nacionalmente Determinadas”, ou seja, os compromissos que cada nação assume de redução das suas emissões de gases de efeito de estufa, fazendo referência ao “Consenso dos Emirados Árabes Unidos”. Traduzindo: a tal transição ordeira dos combustíveis fósseis para as energias renováveis.
O presidente da COP30, o embaixador brasileiro André Corrêa do Lago, anunciou entretanto que tomaria a iniciativa de publicar os desejados “roteiros” para o abandono dos combustíveis fósseis e acabar com a desflorestação, uma vez que não tinha havido consenso nas negociações entre os países.