Imagine que lhe sai a lotaria ou o Euromilhões! Ou que recebe uma indemnização substancial por um sinistro. Ou uma herança. Deixaria de trabalhar? Foi para responder a esta pergunta que quatro especialistas do Banco Central Europeu (BCE) – Dimitris Georgarakos, Tullio Jappelli, Geoff Kenny e Luigi Pistaferri – realizaram um estudo intitulado “Resposta da oferta de trabalho a ganhos inesperados”.

O impacto dos choques de riqueza ou de rendimentos não provenientes do trabalho na oferta laboral tem sido, há muito, uma questão central na economia do trabalho. O estudo deste fenómeno é fundamental para a definição de políticas públicas de atribuição de prestações sociais.

O estudo analisou um conjunto de respostas da oferta laboral tanto a choques mais comuns e de menor dimensão – como os tipicamente associados a programas de transferências – como a choques menos frequentes e de maior escala, como os associados às heranças.

Os especialistas do BCE criaram uma experiência com base num inquérito representativo da população de sete países europeus (Portugal não esteve incluído), no qual os inquiridos indicavam como alterariam a sua participação no mercado de trabalho, o número de horas trabalhadas e a intensidade da procura de emprego (no caso de estarem desempregados) em resposta a ganhos inesperados, atribuídos aleatoriamente, entre os cinco mil e os 100 mil euros.

O principal resultado desta experiência indica que os ganhos inesperados reduzem efetivamente a vontade de trabalhar, mas apenas quando os montantes são substanciais.

“Para valores iguais ou inferiores a 25 mil euros, os efeitos são estatisticamente nulos. Em contraste, ganhos maiores (entre 50 mil e 100 mil euros) reduzem a probabilidade de estar empregado entre 1,5 e 3,5 pontos percentuais (numa taxa de emprego de referência de 84%). Na margem intensiva, ganhos pequenos não têm efeito no número de horas trabalhadas, enquanto ganhos superiores a 50 mil euros levam a uma redução de cerca de uma hora de trabalho por semana”, refere o estudo.

São as mulheres, os indivíduos próximos da idade de reforma e aqueles que vivem em países com mercados de trabalho mais flexíveis que apresentam uma resposta mais acentuada a ganhos inesperados. Entre os desempregados, a intensidade da procura de emprego diminui cerca de um ponto percentual por cada dez mil euros recebidos, com efeitos mais fortes entre indivíduos mais velhos que recebem montantes elevados.

“Estes resultados sugerem que apenas choques patrimoniais relativamente grandes geram respostas de oferta laboral com significado económico, enquanto transferências ou bónus mais pequenos – como os tipicamente observados em contextos de políticas públicas – têm efeitos desincentivadores mínimos ou inexistentes”, acrescenta o estudo.

Segundo os especialistas do BCE, “no conjunto, os nossos resultados sugerem que apenas choques de grande dimensão (por exemplo, heranças inesperadas) desencadeiam respostas de oferta laboral com real significado económico, enquanto choques dentro da gama das transferências ou bónus típicos produzem efeitos pequenos ou negligenciáveis na oferta de trabalho”.

“Dada a escala típica dos programas semelhantes ao Rendimento Básico Universal atualmente discutidos, as nossas estimativas indicam que tais programas teriam, no geral, efeitos de desincentivo à oferta laboral bastante limitados. As nossas estimativas também sugerem que se pode rejeitar a ideia de que os pacotes de estímulo são ineficazes em aumentar o consumo porque acabam essencialmente por financiar lazer em vez de despesa”, conclui o estudo.