O que são preços de transferência?

Normalmente, as multinacionais têm muitas empresas dentro do mesmo grupo em vários organogramas intrincados. Uma das empresas pode vender serviços ou direitos à outra, com preços definidos de propósito. Ou seja, uma dessas filiais num paraíso fiscal cobra “taxas de uso de marca” muito elevadas à empresa de direito português. A filial portuguesa acaba por conseguir poucos lucros e paga menos IRC. Por seu lado, a filial no paraíso fiscal recebe esses lucros quase sem imposto.

Como são usados os “royalties” e a propriedade intelectual?

É um esquema muito usado pelos gigantes tecnológicos, como a Meta, Google ou X. Como funciona? A empresa regista a patente ou marca num paraíso fiscal e todas as outras filiais do Mundo pagam “royalties” a essa entidade. Assim, os lucros são deslocados para o país onde quase não paga imposto.

O que significam empréstimos internos e juros artificiais?

Uma filial da multinacional, por exemplo, no Panamá, empresta dinheiro à outra, em Portugal, com juros muito altos. A filial de Portugal, que tem impostos altos, paga juros elevados, reduzindo os seus lucros e, consequentemente, menos IRC. A filial que está no Panamá recebe os juros e quase não paga imposto.

Como tiram partido de sistemas híbridos e lacunas legais?

Grande parte das multinacionais procura também países onde os sistemas fiscais são híbridos ou têm lacunas legais. Uma multinacional pode criar estruturas num país que considera que determinado setor económico é isento de impostos ou mesma haver uma lacuna que não reconhece a sua atividade. O resultado é que o rendimento que não é tributado em lado nenhum.

Porque é isto é um problema?

Os países perdem milhares de milhões de euros em receitas e as pequenas e médias empresas e trabalhadores acabam por suportar a maior parte da carga fiscal. A concorrência fica desigual, porque as empresas pequenas pagam percentualmente mais imposto.

Todos estes esquemas são legais?

Grande parte destas práticas é legal, embora ética e politicamente polémica. Mas também há exemplos de ilegalidades e evasão fiscal, que envolvem a ocultação de rendimentos, contas secretas ou falsificação de informação.

O que está a ser feito?

Nos últimos anos, a OCDE e a União Europeia têm implementado normas para travar a fuga de lucros através do projeto BEPS. Entre várias medidas, a mais importante foi a criação de um imposto mínimo global de 15% para multinacionais, ainda em implementação. As autoridades europeias querem também criar uma série de regras e obrigar as multinacionais a fazerem relatórios públicos dos lucros por país dentro da União Europeia.

Cinco casos de fuga fiscal usados por multinacionais

Apple: O caso mais famoso, a Irlanda
A Apple colocou direitos de propriedade intelectual em empresas que tinham sede na Irlanda, mas eram consideradas “residentes fiscais” em lado nenhum. Com isso, obteve uma taxa de imposto real inferior a 1% durante anos. Todos os lucros que fazia eram enviados para o país. A Comissão considerou ilegal e exigiu que a Irlanda recuperasse 13 mil milhões de euros.

Google: “Double Irish + Dutch Sandwich”
A Google montou uma estrutura que funcionava da seguinte forma: a filial na Irlanda recebia as receitas publicitárias de toda a UE e enviava esse montante (milhares de milhões de euros) para uma empresa-veículo nos Países Baixos. Daí, seguiam para uma empresa nas Bermudas, onde o imposto é 0%. Como resultado, a Google pagou menos de 5% de imposto efetivo durante anos.

Nike: “Royalties” em paraísos fiscais
A Nike registou a sua marca e propriedade intelectual numa empresa num paraíso fiscal. Assim, todas as filiais na Europa tinham de pagar “royalties” altíssimos a essa empresa. O lucro tributável nos países onde vende reduziu-se drasticamente e, por consequência, pagava menos impostos. A UE considerou que os Países Baixos deram benefícios fiscais indevidos à Nike.

Starbucks: Preços de transferência no café
Uma estratégia tripla em que transferia os preços do café. A filial neerlandesa vendia café a outras filiais da UE a preços inflacionados, sendo que as filiais locais pagavam “taxas de know-how” e juros elevados. Como resultado, as lojas nos países onde a marca vendia pareciam não lucrar. As investigações revelaram que o lucro era artificialmente deslocado para os Países Baixos.

McDonald’s: Brecha no Luxemburgo e EUA
A maior cadeia de restaurantes do Mundo, a McDonald”s, usou uma brecha no acordo entre os Estados Unidos e o Luxemburgo. Uma subsidiária da multinacional norte-americana no país europeu recebia “royalties” do resto da UE. Resultado: os EUA e o Luxemburgo não tributavam nada sobre esse dinheiro, dando lucros enormes isentos de imposto em ambos os países.