Entre os sub-7 e os sub-23, Gonçalo Batalha carregou o sonho de representar a equipa principal do Sporting e também a braçadeira de capitão. Representou os leões em todos os escalões de formação, mas quando a peneira filtrou os jogadores a terem oportunidade de se estrear na equipa principal, a escolha recaiu sobre outros.

Não é preciso apoiar o Sporting para sentir arrepios ao ouvir “O Mundo Sabe Que”. No caso de alguém que passou a juventude a ser programado para se emocionar no momento em que as equipas entram em campo e as colunas ambientam Alvalade com essa música, a tontura emocional é ainda mais forte.

A Taça de Portugal é uma espécie de carta que os jogadores de futebol escrevem ao Pai Natal com uma lista de pedidos que esperam ver realizados. O jogador de 23 anos foi um dos contemplados com a concretização de um desejo. A única diferença em relação ao que projetou na infância foi que a camisola utilizada foi a do Marinhense.

Ainda recebeu o carinho da bancada que lhe endereçou uma tarja: “Leão da formação, o eterno capitão.” Pouco mais do que o enriquecimento pessoal os jogadores do clube do Campeonato de Portugal, o quarto escalão do futebol nacional, podiam sorver de uma ida a casa dos bicampeões nacionais.

Gualter Fatia

O parlapié habitual do vou escolher a melhor equipa para enfrentar o jogo resultou num Sporting mascarado de algo que não a versão mais forte dos leões. O conjunto verde e branco deixou no onze apenas um habitual titular, talvez o melhor de todos eles. A Marinha Grande pode ser a capital do vidro, mas Francisco Trincão é que calça chuteiras de cristal. Em movimentos constantes para não congelar, a delicadeza do Sr. Engenhocas do Sporting desbloqueou a fechadura com um clipe.

A semana do Marinhense não foi de sonho. Ao Sindicato dos Jogadores chegou uma denúncia anónima que dava conta de “abusos psicológicos” do treinador, Rui Sacramento, para com o plantel. O técnico foi suspenso e rendido por Renato Sousa, anteriormente nos sub-19. Estrategicamente, pouco mais foi possível do que arquitetar uma estrutura em 5X4X1 que impedisse uma chuva de golos.

O flanco direito foi aquele que deu mais esperanças ao Sporting de desmembrar a organização do Marinhense. Salvador Blopa era empurrado para a frente pelo posicionamento interior de Vagiannidis. Aos 18 anos, soube ser multidirecional e não olhar apenas em frente, onde a muralha, por vezes, o impedia de avançar. Entre tantas outras, Kochorashvili entregou-lhe uma bola mesmo a jeito do cruzamento. Com suavidade, assistiu para o desvio de cabeça de Francisco Trincão.

Sem os companheiros habituais no ataque, Pedro Gonçalves e Luis Suárez, o extremo foi distribuindo passes, receções orientadas e remates com doses exageradas de açúcar. A colocação de um tiro de fora da grande área almofadou o Sporting para o resto do encontro.

Gualter Fatia

Naturalmente, o Marinhense foi uma equipa frágil. Aliás, a clavícula de Ryan Omrani teve que ser reposta depois de um lançamento lateral em que o braço do israelita quase se desprendia. O Sporting aproveitou. Por parte de Rodrigo Ribeiro houve astúcia, mas pouca eficácia perante Ohoulo Framelin. Do mesmo se pode queixar Alisson, a violar a privacidade da barra que estava sossegada antes da perturbação.

O Marinhense ia percebendo que o Sporting não era propriamente o Samora Correia, o Mosteirense ou o Anadia. Na segunda parte, entrou em campo o Secretário de Estado. Explicação: Costinha dos vidreiros é filho de Costinha, o Ministro que foi campeão europeu pelo FC Porto. Foi mais um elemento a tentar ajudar à contenção de danos.

As substituições de Rui Borges diversificaram a origem da acutilância. Francisco Trincão foi para o repouso, mas saltaram do banco Luis Suárez e Geovany Quenda. Com laivos de lembrete em relação a quem são as principais figuras, a duplo combinou no lance do 3-0 anotado pelo colombiano.

O Marinhense estava tão estilhaçado que até acabou com menos um pedaço, visto que Brahima Diallo lesionou-se quando Renato Sousa já não tinha substituições disponíveis. A equipa do distrito de Leiria era incapaz de se aproximar da baliza de João Virgínia e o Sporting não arriscou nada que pudesse permitir que tal acontecesse. Dir-se-ia que os leões deram prioridade à resolução da eliminatória para depois acalmar a respiração. E está tudo bem com isso.