O percurso de Sandro Rodrigues, 24 anos, concorrente da atual edição do “The Voice Portugal”, da RTP, é daqueles que não se esquece. Não pela tragédia – embora ela exista – mas pela forma luminosa como ele a transforma. Pela serenidade que carrega, pela maturidade com que fala das feridas e pela doçura com que descreve o Barreiro, a cidade que escolheu como porto seguro.
Esta é a história de um jovem que cresceu em instituições, sobreviveu à solidão, encontrou refúgio num computador Magalhães e hoje canta nos palcos da televisão como quem finalmente respira. E o Barreiro, sempre o Barreiro, está em cada linha desse caminho.
O Barreiro: o chão onde finalmente parou de cair
“O Barreiro proporcionou-me colegas e amigos que me apoiam em tudo. Sinto ali um ambiente de conforto”, começa por dizer, como quem descreve um lar que foi construído lentamente, tijolo a tijolo.
Para Sandro, o Barreiro não é apenas uma cidade – é o sítio onde encontrou estabilidade emocional e social depois de uma vida marcada por deslocações. Cresceu em Estremoz, Castelo Branco, Penamacor e Vendas Novas, mas foi no Barreiro que descobriu a ideia de pertença.
O que o orgulha na cidade? “A tranquilidade. É um lugar onde as pessoas podem passear e sentir paz.”
E há um cenário que é mais do que um postal: a Avenida da Praia.
A vista para Lisboa, a primavera que cobre a relva de flores, a brisa leve – e, sobretudo, os momentos com a namorada, que tornam o lugar “ainda mais especial”.
É um dos espaços onde Sandro reencontra o miúdo que foi e celebra o homem que está a tornar-se.
Infância institucionalizada: um mundo duro, mas cheio de sombras e luzes
Aos três anos, Sandro foi retirado ao ambiente familiar devido a dificuldades financeiras. Cresceu com três dos seus irmãos em instituições, até que os caminhos da vida voltaram a separá-los.
De Estremoz guarda uma memória agridoce:
“Havia situações imorais… mas também um ambiente forte de família e partilha entre os colegas.”
É a primeira vez que fala tão frontalmente sobre o que viveu, evidenciando experiências difíceis, marcadas por episódios que ultrapassavam o aceitável. Apesar disso, recorda sobretudo os laços entre crianças que aprendiam a sobreviver juntas.
Em Penamacor encontrou aquilo que procurava desde sempre:
“A entreajuda, o ambiente afetivo e disciplinar marcaram-me muito. Foi ali que senti que cresci de verdade.”
Já em Vendas Novas viveu um dos momentos mais traumáticos: foi separado dos irmãos e passou noites sozinho num quarto.
E aqui entra a música pela primeira vez – não como arte, mas como salvação.
“O que me salvou foi o Magalhães com as minhas músicas. Elas acalmavam-me. Ajudavam-me a adormecer.”
A música como ferramenta de cura e descoberta
Apesar das ausências, a música entrou na vida de Sandro cedo. Mais tarde, teve formação na Academia de Música e Dança do Fundão, onde estudou piano, cantou em coro e era frequentemente escolhido para solos, devido ao timbre diferenciado e à força emocional da voz.
“Foi uma ótima experiência, tanto musical como social. Aprendi a interagir e conheci um professor incrível.”
Hoje, a música continua a ser porto de abrigo.
Em casa, no Barreiro, nas obras onde trabalha como canalizador – canta sempre.
“Cantar dá-me conforto e alívio.”
Não é um hobby. É sobrevivência. É identidade.
Do canalizador ao palco do “The Voice Portugal”
Sandro trabalha nas obras, como canalizador, num ofício que exige força, resistência e concentração. Mas mesmo ali, o talento salta das paredes. É conhecido por cantar enquanto trabalha, transformando espaços de cimento em salas improvisadas de concerto.
A entrada no The Voice Portugal (RTP) marca um novo capítulo na sua vida — não pela competição, mas pela validação.
É finalmente o reconhecimento de que aquela voz que lhe salvou noites inteiras pode agora salvar sonhos.
“Quero alcançar o máximo potencial da minha voz. Quero saber até onde ela me pode levar. O meu objetivo é estar num patamar mundial.”
Não é soberba. É promessa.
Reconciliação familiar: uma nova aprendizagem
A relação com a mãe, depois de tantos anos separados, é hoje aberta, cúmplice e terna. Mas não sem desafios.
“Brincamos, sorrimos, ajudamo-nos. Não tenho magoá pelo passado. Mas ainda me estou a habituar a este ambiente familiar.”
É um reencontro feito de passos pequenos, mas firmes.
A cidade que o moldou e o rapaz que moldou o futuro
Sandro assume que o Barreiro não o influenciou apenas emocionalmente. Influenciou também a carreira. Amigos, conhecidos e contactos da mãe ligados ao mundo artístico deram-lhe incentivo para seguir o sonho.
E ele seguiu.
Do Barreiro para o Fundão.
Do Fundão para Lisboa.
De Lisboa para o The Voice Portugal.
Da solidão para os palcos.
Da institucionalização para a possibilidade.
Uma mensagem a quem vive realidades semelhantes
A sua voz fora do palco é tão importante quanto a que canta.
“Nunca deixem o passado influenciar o presente ou o futuro. Dificuldades todos passam, mas somos nós que decidimos o que queremos ser.”
Ao Sandro de 10 anos – e talvez a todas as crianças institucionalizadas – deixa um abraço em palavras:
“Respira fundo. Olha à tua volta. Não estás sozinho. Há pessoas que te querem ajudar. A confiança é uma ferramenta muito importante.”