Esta sexta-feira saltou para as manchetes da imprensa o problema com a receita das apostas desportivas, sobretudo as apostas desportivas internacionais. Mas a verdade é que esta questão não é nova. Já se arrasta há mais de dez anos.
Porquê agora? Porque André Villas-Boas, Frederico Varandas, Rui Costa e António Salvador resolveram agarrar o problema pelos colarinhos e pediram uma reunião a Pedro Proença. O encontro não trouxe grandes novidades, mas pelo menos colocou o tema na ordem do dia.
Venha daí entender tudo no explicador do Maisfutebol.
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O que é que está em causa afinal?
O que está em causa são pouco menos de trinta milhões de euros anuais (este valor tem vindo a crescer todos os anos) das apostas internacionais. Ou seja, é a receita fiscal das apostas online e da Santa Casa realizadas em jogos da La Liga, da Premier League, da Serie A italiana, da Bundesliga e por aí fora. A Liga e os clubes entendem que este dinheiro proveniente de campeonatos profissionais deve ser entregue ao futebol profissional, enquanto a Federação defende que deve ficar com ela.
Quando começou este diferendo?
Na realidade começou logo em 2015, quando as apostas online foram legalizadas em Portugal através de Decreto-Lei. A portaria que definiu a distribuição das receitas, e que ainda hoje se mantém, considerou que os clubes da Liga Portugal deviam ficar com as receitas das apostas feitas na I e II Ligas nacionais, e das competições da UEFA (as receitas dos jogos em que participam clubes portugueses vão para esses clubes, a receita dos jogos em que não participam clubes portugueses são entregues à Liga, que depois o distribui por todos os clubes). Tudo o resto fica na Federação.
Porque é que a Federação não entregou logo este dinheiro à Liga?
Em 2015, quando o Decreto-Lei das apostas desportivas foi aprovado, Fernando Gomes era presidente da Federação e Pedro Proença era o presidente da Liga. Fernando Gomes deixou sempre claro, junto dos clubes, que entendia que esse dinheiro devia ficar na Federação para ser aplicado no desenvolvimento do futebol no seu todo, através de programas de incentivo ao futebol feminino, às seleções jovens ou à criação de infraestruturas para os clubes. Por isso, e apesar da ambição dos clubes, a questão nunca foi muito um tema.
Porque é que estes valores são importantes?
Porque é muito dinheiro. Para se ter uma ideia, o futebol recebeu em 2024 um total de 59,5 milhões de euros em receita das apostas desportivas (incluindo online e Placard). Deste bolo total, a Federação ficou com cerca de 45 milhões e a Liga com ligeiramente menos de 15 milhões. Por aqui já se percebe, como 30 milhões (um pouco menos, na verdade, mas vamos simplificar) é um valor muito importante para qualquer dos organismos.
Porque é que os quatro grandes foram na sexta-feira falar com Pedro Proença?
Porque dizem que Pedro Proença, quando era candidato à presidência da Federação, teve um encontro com os presidentes dos quatro clubes em que garantiu que, se fosse eleito, a verba das apostas internacionais seria canalizada para os clubes profissionais.
E porque é que Pedro Proença fez isso?
Desde 2015, quando era presidente da Liga Portugal, Pedro Proença sempre defendeu que a verba dos jogos internacionais devia ser entregue aos clubes. Durante o seu mandato na Liga, Proença chegou a questionar o IPDJ e o TAD, mas ambos emitiram pareceres a dar razão à Federação. O que não o impediu de continuar a lutar pela verba que considerava ser da Liga. No entanto, e ao que garantem os clubes, esse entendimento mudou quando chegou à FPF.
É justo considerar que Pedro Proença se tornou ganancioso?
Não. A Federação Portuguesa de Futebol tem uma estrutura de custos pesadíssima, não só em meios humanos, mas no apoio ao futebol feminino ou às seleções jovens. Para desenvolver a modalidade, a FPF assume também custos que deviam ser dos clubes, para além dos programas de apoio que lança pontualmente. Por isso Proença percebeu que aquela verba faz falta na Federação. Até porque sem ela, a FPF ficará apenas com a receita das apostas nas Taças (portuguesa e internacionais), nas competições das seleções e nas divisões inferiores. Como se imagina, à exceção dos anos em que há Mundial ou Europeu, é pouco.
O que é que os quatro grandes querem?
Basicamente querem o mesmo que a Liga Portugal: que o dinheiro das competições profissionais estrangeiras fique no futebol profissional. Benfica, Sporting, FC Porto e Sp. Braga garantem, aliás, que defendem uma distribuição justa da verba por todos os clubes.
O que saiu da reunião dos quatro grandes com Pedro Proença?
Para já, muito pouco. Basicamente a Federação admite ceder a verba em causa, mas primeiro precisa de criar um grupo de trabalho para definir os critérios de distribuição pelos vários clubes e parâmetros exigentes de aplicação da verba por parte dos clubes (que não poderão ir gastá-lo como querem).
Esta questão precisa de passar pelo Governo para ser alterada?
As opiniões divergem. A realidade é que existe uma portaria de 2015 que diz que as verbas são entregues à Federação. Há quem considere que esta portaria está desatualizada, até porque em dez anos o mercado de apostas mudou muito, e tem de ser alterada. Mas também há quem defenda que não, que o dinheiro pode continuar a ser entregue à Federação, que depois, através de um contrato programa, o reencaminha para a Liga.