A União Europeia está a reposicionar a ferrovia como eixo central da mobilidade sustentável e, dentro dessa estratégia, os comboios noturnos voltam a ganhar protagonismo. Depois de décadas de declínio, o setor recebe novo investimento, novos operadores e uma visão política orientada para viagens mais ecológicas e interligadas.
A Agência Ferroviária Europeia (ERA) autorizou recentemente a nova geração de carruagens dormitório desenvolvidas para o serviço Nightjet da ÖBB, segundo divulgação oficial da própria ERA. Este passo técnico valida um material circulante moderno, mais confortável e preparado para operar além-fronteiras, dando um impulso sólido ao regresso dos “sleeper” como alternativa viável ao avião em percursos de média e longa distância.
Ao mesmo tempo, a Comissão Europeia apresentou o seu plano de ação para o transporte ferroviário de passageiros de longo curso. Entre os pontos estruturantes deste programa, divulgado pela própria Comissão, está o lançamento de serviços-piloto transfronteiriços, alguns deles desenhados precisamente para a operação em horário noturno. A isto junta-se a ambição de reforçar a rede até 2040, criando mais interoperabilidade e libertando capacidade nas linhas convencionais. Esta visão foi detalhada em várias comunicações oficiais de Bruxelas.
Outro elemento que promete mudar o panorama é o esforço para simplificar bilhetes internacionais. A Comissão delineou o objetivo de criar, a partir de 2026, um sistema unificado que permita reservar viagens multimodais numa única operação. Organizações como a Transport & Environment têm defendido igualmente incentivos fiscais e tarifários que tornem as ligações noturnas mais competitivas, incluindo a possibilidade de regimes específicos de IVA.
Portugal também entra nesta discussão. O debate sobre a falta de ligações noturnas internacionais não tem passado despercebido e foi recentemente sublinhado em posições públicas de partidos como o PCP. A expansão da rede de alta velocidade poderá, no futuro, permitir uma gestão mais equilibrada entre serviços diurnos e noturnos, criando condições para o regresso de rotas suspensas.
Nem tudo é crescimento. A imprensa europeia, incluindo reportagens do The Guardian, tem noticiado cortes em algumas ligações Nightjet devido à retirada de subsídios estatais. No entanto, o mercado está longe de encolher. Novos operadores independentes, como a European Sleeper, anunciaram para 2026 ligações como Paris-Berlim, demonstrando que a ferrovia noturna se tornou novamente um território de inovação.
O que resulta deste ecossistema é uma tendência clara. A Europa não está apenas a reavivar um formato romântico de viajar. Está a integrar o comboio noturno na sua estratégia de transição energética, de melhoria da mobilidade transnacional e de oferta de alternativas ao transporte aéreo em percursos onde o tempo de voo não compensa o impacto ambiental. Há também um fator cultural importante. Viajar de noite, acordar noutra cidade e evitar os constrangimentos dos aeroportos responde a um desejo crescente de praticidade e de mobilidade com menor pegada ecológica.
Estação de Praga, Chéquia
Créditos: Ivan Mani em Unsplash
Três rotas noturnas a acompanhar em 2026
Paris-Berlim, recentemente anunciada pela European Sleeper, será uma das experiências mais aguardadas, tanto pela relevância turística como pela ligação entre dois dos maiores centros culturais da Europa.
Viena-Bruxelas, historicamente forte e operada pela ÖBB, continua a ser uma das rotas que melhor mostra a evolução dos novos comboios dormitório, agora com material circulante mais moderno.
Zurique-Roma, uma ligação emblemática que une os Alpes italianos ao coração da Suíça, poderá ganhar renovado dinamismo com o reforço das redes transalpinas e com o foco europeu em ligações intermodais.