SJTU, China State Shipbuilding Corporation

A “Ilha Móvel Flutuante de Alto-mar” projetada pela SJTU (ilustração)

A plataforma de investigação científica foi concebida para “residência de longa duração em qualquer condição meteorológica”. Mas por baixo da sua camada científica esconde-se um raro desenho, capaz de resistir a explosões nucleares — e o seu eventual uso geopolítico em águas disputadas.

A China está a erguer uma mega plataforma flutuante destinada a investigação científica, concebida para resistir a explosões nucleares e que deverá ser capaz de projetar poder sem precedentes em oceanos contestados, diz o South China Morning Post.

A plataforma semi-submersível de casco duplo, que deverá entrar ao serviço em 2028, é a primeira ilha artificial móvel e autossuficiente do mundo, tendo capacidade para alojar 238 pessoas durante 4 meses sem reabastecimento.

Com um deslocamento de 78 mil toneladas, a sua massa é comparável à do novo porta-aviões avançado Fujian da Marinha chinesa (80 mil toneladas), abaixo apenas dos super-porta-aviões norte-americanos da classe Nimitz (100 mil toneladas). Por comparação, a Estação Espacial Internacional tem um deslocamento de apenas 420 toneladas, nota o SCMP.

Mas por baixo da sua camada científica esconde-se um raro desenho, capaz de resistir a explosões nucleares, que recorre a uma “sanduíche” de painéis de metamateriais que transformam choques catastróficos em compressões suaves, explicam os cientistas envolvidos no projeto.

“Esta grande instalação científica em mar profundo foi concebida para garantir residência de longa duração em qualquer condição meteorológica”, escreveu a equipa liderada pelo professor Yang Deqing, da Shanghai Jiao Tong University (SJTU), num artigo publicado a 4 de novembro na Chinese Journal of Ship Research.

“A sua superestrutura inclui compartimentos críticos que asseguram energia de emergência, comunicações e controlo da navegação – assegurando a absolutamente vital proteção contra explosões nucleares para estes espaços”, acrescenta o investigador.

Oficialmente designada por “Instalação Flutuante de Pesquisa Permanente para Águas Profundas e Todas as Condições Meteorológicas”, ou, para abreviar, “Ilha Móvel Flutuante de Alto-mar”, a plataforma foi classificada como “grande infraestrutura científica nacional” no âmbito do 14.º plano quinquenal da China.

A plataforma, que segundo a SJTU resulta de uma década de investigação e planeamento, terá 138 metros de comprimento e 85 metros de largura. O convés principal eleva-se 45 metros acima da linha de água.

O desenho de casco duplo permite-lhe operar em “estado de mar 7”, com ondas de 6 a 9 metros, sobreviver a tufões até à categoria 17 – os ciclones tropicais mais intensos do planeta.

Segundo o SCMP, o que torna esta plataforma revolucionária é a combinação de mobilidade com permanência. Ao contrário de estações de investigação fixas ou de navios convencionais limitados por combustível e mantimentos, esta ilha flutuante pode navegar a 15 nós enquanto enquanto mais de uma centena de investigadores prossegue as suas pesquisas.

ZAP // VA

Comparação do deslocamento da ilha artificial com o provocado pelos porta-aviões Fijian e USS Nimitz e a Estação Espacial Internacional

Um bunker nuclear em alto-mar

A plataforma foi concebida não só para resistir a condições meteorológicas adversas e catástrofes naturais, mas também a explosões nucleares; está aparentemente preparada para sobreviver ao fim do mundo. Como é que os cientistas chineses o conseguiram?

Uma explosão nuclear gera uma onda de choque supersónica que combina uma sobrepressão refletida devastadora com uma elevada pressão dinâmica, explica o SCMP. A proteção tradicional baseia-se em placas maciças de aço – espessas, pesadas e consumidoras de espaço. Para uma instalação que privilegia a eficiência de peso e o volume interior, a blindagem convencional é impraticável.

Yang e os colegas têm uma solução elegante: uma “antepara sanduíche” — uma estrutura tridimensional de tubos ondulados com “razão de Poisson negativa”,  essencialmente uma malha microscópica de tubos metálicos dobrados, dispostos segundo um padrão geométrico preciso.

Esta estrutura funciona como uma esponja “mágica”: quando comprimida, contrai-se para dentro, tornando-se mais densa e resistente.

Mas o verdadeiro aspeto génio está no que os engenheiros designam de “conversão quasiestática”: quando uma explosão nuclear atinge uma blindagem convencional, a energia chega sob a forma de um pico violento – um impacto de martelo que atinge o máximo quase instantaneamente e depois se dissipa.

A nova estrutura de metamateriais, porém, comporta-se como uma sofisticada zona de deformação programada: à medida que a onda de choque comprime os tubos ondulados, estes dobram-se de forma controlada e sequencial, distribuindo o impacto no tempo e no espaço. Em vez de um golpe de martelo, a estrutura sofre um empurrão constante e que pode ser gerida.

O resultado é uma “sanduíche de painéis” com apenas 60 mm de espessura, aproximadamente a de um smartphone, cuja eficácia que supera a de placas de aço muito mais pesadas, que pesa ligeiramente menos do que a blindagem convencional e que ocupa menos espaço, resolvendo o paradoxo peso-volume que há muito atormenta a engenharia dos materiais de proteção.

O que está por trás do projeto

A plataforma é oficialmente destinada a observações contínuas de mar profundo, ensaios de equipamento marinho de próxima geração e exploração de tecnologias de mineração do fundo do mar.

A instalação promete ser uma “mudança de paradigma” na ciência dos oceanos, oferecendo capacidades de ensaio em escala real que nenhum laboratório ou navio existente consegue igualar.

Ao contrário dos projetos tradicionais de recuperação de terrenos ao mar, que são permanentes, ambientalmente controversos e diplomática e sensivelmente delicados, uma ilha flutuante móvel oferece presença sem permanência.

A ilha artificial móvel agora projetada pode ser deslocada para águas contestadas para fins de investigação, manter uma presença contínua e reposicionar-se à medida que as situações políticas evoluem – tudo com custos e impacto ambiental inferiores aos da construção de ilhas artificiais.

Embora oficialmente apresentada como plataforma de investigação civil, o seu desenho faz referência à norma militar chinesa GJB 1060.1-1991, relativa à resistência a explosões nucleares, o que indica que os responsáveis pelo projeto estão a preparar-se para o pior cenário: ataques nucleares.

Além disso, as áreas operacionais previstas para a plataforma incluem potencialmente zonas marítimas disputadas, como o mar do Sul da China. cuja soberania é reivindicada pelo Vietname, Filipinas, Malásia, Taiwan e Brunei.

Crê-se que a enorme região, que inclui mar e ilhas, seja rica em depósitos de petróleo e gás natural — o que dá particular significado a um dos objetivos declarados da plataforma: explorar “tecnologias de mineração em profundidade”.


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