“Meti ferro quente aí. Curiosidade. Ferro de solda.” A frase, por si só, já é um documento político. Mas ganha outra dimensão quando colocada ao lado da alegação feita pela defesa do ex-presidente: Jair Bolsonaro teria tentado romper a tornozeleira eletrônica porque estaria sob alucinações provocadas por uma combinação de medicamentos.
O contraste entre o tom quase jocoso da confissão e a justificativa clínica produzida pelos advogados cria dois Bolsonaros — o que se vangloria e o que se desculpa; o que posa como desobediente e o que se apresenta como vulnerável.
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O voto do ministro Alexandre de Moraes, submetido nesta segunda, 24, ao referendo da Primeira Turma do STF, trata o episódio de forma direta: o equipamento de monitoramento apresentava queimaduras em toda a circunferência, e o próprio Bolsonaro admitiu ter usado um ferro de soldar para tentar abrir a tornozeleira. A tese da defesa, portanto, enfrenta a materialidade da violação e a confissão do ex-presidente.
Moraes e Flávio Dino já votaram pela manutenção da prisão preventiva. No voto, o relator descreve um conjunto de elementos que, segundo ele, sinalizam risco concreto de fuga. Entre eles, a convocação feita por Flávio Bolsonaro para uma “vigília” diante do condomínio do pai, a repetição do padrão de mobilização de apoiadores para gerar tumulto e o histórico recente de aliados que deixaram o país para driblar decisões judiciais.
O ministro afirma que a intenção de inutilizar a tornozeleira foi “dolosa e consciente” — o oposto da narrativa de alucinação. E conecta a convocação da vigília com a possibilidade de criar um ambiente favorável à evasão, algo que descreve como incompatível com a manutenção da prisão domiciliar.
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Ao levar o caso ao colegiado, Moraes busca uma decisão institucionalmente mais robusta para um episódio que envolve confissão, justificativa médica contestada e movimentação política simultânea. A análise da Primeira Turma deve ser concluída ainda hoje.
Entre o delírio alegado e o ferro quente confirmado, permanece um fato simples: a tornozeleira foi queimada. E isso, na avaliação dos ministros que já votaram, não é um acidente. É um passo a mais na escalada de confrontos de Bolsonaro com o sistema de Justiça.